Daniel Craig fala à ELLE sobre Queer

Filme dirigido por Luca Guadagnino tem figurinos de Jonathan Anderson e música interpretada por Caetano Veloso.


Daniel Craig em Queer
Fotos: Divulgação



Estrelado por Daniel Craig em um papel bem diferente de James Bond, Queer, que estreia nesta quinta-feira (12.12) nos cinemas brasileiros, é o segundo longa-metragem do ano dirigido por Luca Guadagnino. O italiano, um dos cineastas mais prolíficos da atualidade, também lançou Rivais, sobre um triângulo amoroso envolvendo os personagens interpretados por Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist, que concorre a quatro Globos de Ouro. 

Tanto Queer – que rendeu uma indicação ao Globo de Ouro para Daniel Craig como melhor ator de drama – quanto Rivais têm roteiros de Justin Kuritzkes, figurinos assinados por Jonathan W. Anderson e trilha composta por Trent Reznor e Atticus Ross. No filme que estreia hoje, a canção original “Vaster than empires” é interpretada por Caetano Veloso.



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Queer é baseado no livro de mesmo nome de autoria de William S. Burroughs (1914-1997), um dos grandes nomes da geração beat. Guadagnino apaixonou-se ainda na adolescência pela obra criada entre 1951 e 1953, enquanto o escritor aguardava julgamento pelo assassinato de sua mulher, e publicada apenas em 1985.

O cineasta ficou obcecado pelo universo de Burroughs e o considera fundamental para a maneira como vê o mundo e pratica sua arte até hoje. “A geração beat me influenciou demais. Eles tinham uma capacidade de retratar emoções cruas com escolhas formais ousadas em sua escrita”, disse Guadagnino em entrevista à imprensa. 

Já na época da primeira leitura, Guadagnino visualizou como faria um filme inspirado no romance. “Escrevi um rascunho de roteiro quando tinha 20 anos, e desde então a ideia era que tudo se passasse na cabeça de Burroughs, ou seja, não queria filmar nos lugares reais no México e na América do Sul, e sim no mundo reconstruído do autor”, disse o diretor. Todos os cenários foram erguidos nos estúdios da Cinecittà, em Roma.

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Daniel Craig como William Lee e Drew Starkey como Eugene Allerton

Essa noção foi reforçada quando o diretor conversou com Oliver Harris, um dos grandes especialistas no autor. “Ele disse: ‘Cuidado, porque todas as descrições de bairros, bares, lugares em Queer podem não ser a realidade, pois a imaginação de Burroughs sempre está presente’.”

Em Queer, Craig é William Lee, nome usado pelo escritor em algumas publicações. Ele é um homem estadunidense de meia-idade, solitário, viciado em bebida e heroína, vivendo no México. Até o dia em que avista Eugene Allerton (Drew Starkey, da série Outer Banks), ex-soldado recém-chegado à cidade. O encantamento é imediato. Vendo em Allerton a possibilidade de uma conexão mais íntima, Lee fica obcecado pelo rapaz. A relação é recíproca – até certo ponto. 

“A jornada emocional dessas pessoas continua extremamente atual”, disse Craig em entrevista à ELLE. “Todos podemos nos identificar com temas como solidão, desejo, luxúria, amor. Eles continuam os mesmos, como nos anos 1950.”

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Sendo um homem de sua época, Burroughs tinha pessoalmente uma relação complicada com sua atração por homens e suas noções de masculinidade. Mas, no livro, ele se permitiu. Queer ficou incompleto e foi publicado apenas 35 anos depois de ser escrito, porque era muito pessoal e mostrava um lado do escritor pouco conhecido, de uma alma solitária à procura do amor. “Para mim, era importante retratar seu espírito, nos rendendo às emoções mais cruas que o personagem poderia sentir, sem aprisioná-lo no tempo”, disse Guadagnino. Nas cenas de sexo e de uso de heroína e ayahuasca, por exemplo, o diretor utilizou computação gráfica para transmitir as sensações.

Como em muitos de seus trabalhos anteriores, o cineasta coloca em discussão os modelos e a performance da masculinidade. Escalar Craig foi um achado. Afinal, o ator ficou conhecido por interpretar um papel extremamente masculino como James Bond, mas tanto na franquia quanto no filme de Guadagnino transmite certa vulnerabilidade. 

Guadagnino também acerta ao deixar claro no filme que a América Latina de Queer é uma versão idealizada, não realista. O filme se perde um pouco na parte final, justamente o pedaço deixado incompleto pelo escritor.

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Figurinos de Jonathan Anderson

As roupas eram fundamentais para definir Lee e Allerton e colocá-los na década de 1950. “Para mim, Jonathan foi uma parte fundamental da construção do personagem e do processo”, disse Drew Starkey à ELLE. “Sua atenção ao detalhe não tem igual, ele entende profundamente as peças e a psicologia por trás das roupas que as pessoas usam e por quê. Hoje,o considero um amigo e agora tenho um senso muito mais aguçado para a moda.” 

Craig sabe há tempos que a moda faz parte de seu trabalho. “Mas Jonathan é um verdadeiro artista. O que ele fez neste filme é muito sutil, complexo, cheio de camadas.” A maior parte dos ternos que usou são originais da época feitos pela Brooks Brothers, companhia estadunidense tradicional que vestiu presidentes como Abraham Lincoln. “Foi uma decisão muito corajosa. Em um filme normalmente temos várias réplicas do mesmo figurino porque eles podem rasgar ou manchar. Mas aqui tínhamos apenas um terno para cada cena porque ele achou melhor não replicar os ternos daquele período.”  

“Caetano Veloso é um artista que eu venero, e tivemos muita sorte de ele ter aceitado.” Luca Guadagnino

Tapeçaria musical

Guadagnino pensou em três componentes para compor a paisagem sonora do filme. O primeiro são as músicas de época dos lugares onde o filme se passa. 

Mas, como alguém extremamente influenciado por Burroughs e pela geração beat ao longo das décadas e tendo nascido nos anos 1970, ele queria passar a sensação da importância desses escritores e da cultura através dos tempos. Kurt Cobain era um grande admirador de Burroughs, chegando a ser amigo do escritor. Por isso, o diretor incluiu um cover de “All apologies”, do Nirvana, feita por Sinéad O’Connor. “Havia angústia e certo desespero na essência do trabalho de Cobain e Burroughs”, disse o diretor. 

A última parte é a trilha de Reznor e Ross, a terceira colaboração entre os músicos e o cineasta, que pediu uma música romântica, com uma tensão entre o clássico e o experimental. A canção “Vaster than empires”, que fecha o filme, tem letras tiradas das últimas coisas escritas no diário de Burroughs, como a frase: “Como pode um homem que enxerga e sente ser algo além de triste?”. Musicadas por Reznor e Ross, os versos são cantados por Caetano Veloso. “É um artista que eu venero, e tivemos muita sorte de ele ter aceitado.”

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