Todas as mulheres do 17º In-Edit

Festival de documentários musicais exibe filmes sobre Yoko Ono, Leci Brandão, Peaches e as mestras do boi e do carimbó do Pará.


Documentário sobre John Lennon e Yoko Ono é um dos destaques do 17º In-Edit
John Lennon e Yoko Ono em cena de "One to one" Foto: Divulgação



Em sua inauguração, nesta quarta-feira (11.06), o 17º In-Edit – Festival Internacional do Documentário Musical lançou luz sobre o pagode brasileiro dos anos 1990, exibindo em primeira mão o filme Anos 90 – A explosão do pagode, de Emílio Domingos e Rafael Boucinha. Entre os 43 longas-metragens que serão exibidos em São Paulo até o dia 22 de junho, as mulheres realizadoras marcam presença em 11 documentários, cinco deles brasileiros. 

Em frente às câmeras, as protagonistas dos filmes incluem as estadunidenses Dory Previn (compositora de trilhas de Hollywood) e Jackie Shane (pioneira transgênero do rhythm’n’blues nos anos 1960), a japonesa Yoko Ono, as brasileiras Maria Alcina, Leci Brandão e Dona Onete, a inglesa Pauline Black (vocalista da banda de ska e punk The Selector), a canadense radicada em Berlim Peaches e a iraniana Googoosh (cantora e atriz que teve sua carreira interrompida pela Revolução Islâmica de 1979).

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A lista de músicos retratados no 17º In-Edit inclui o mestre do coco e da embolada Jackson do Pandeiro, o cantor e compositor de samba-soul Hyldon, os roqueiros Ave Sangria, Cazuza, Butthole Surfers (EUA), Fugazi (EUA), Júpiter Maçã e Cachorro Grande… Há ainda documentários dedicados a uma diversidade de estilos e movimentos musicais, como jazz, frevo, trilhas de Hollywood, música caipira, black music nacional, hip-hop, axé music, reggaeton, punk, hardcore e rock de Goiânia, entre outros.

Dirigido pelo mesmo Emílio Domingos de A explosão do pagode, o filme Os afro-sambas – O Brasil de Baden e Vinicius documenta o encontro musical histórico dos compositores Baden Powell e Vinicius de Moraes, em meados dos anos 1960, que rendeu o álbum que dá nome ao documentário, de 1965, e as afro-bossas clássicas “Canto de Ossanha”, “Berimbau” e “Consolação”, entre outras. Duas diretoras, Iris de Oliveira e Day Sena, focalizam um discípulo de Baden Powell e dos afro-sambas, o maestro baiano Letieres Leite, que foi diretor musical de Ivete Sangalo, liderou a Orkestra Rumpilezz e morreu de covid-19 em 2021.

Veja abaixo outros destaques da 17ª edição do In-Edit.



One to one – John & Yoko 

Em One to one, os diretores Kevin Macdonald e Sam Rice-Edwards miram um período bem específico das vidas do casal John Lennon e Yoko Ono, entre 1971 e 1973, quando os dois migraram da Inglaterra para os Estados Unidos e radicalizaram o ativismo político pelos direitos civis femininos, homossexuais, negros e contra a Guerra do Vietnã. Lennon vinha da dissolução dos Beatles, em 1970, e Yoko lutava na justiça para reaver a guarda da filha Kyoko, levada pelo pai (o cineasta Anthony Cox) para se isolar em um grupo religioso fundamentalista, onde ela ficaria até 1994.

O filme se detém no concerto One to one, protagonizado à época por John e Yoko, e nos conflitos com o governo republicano do presidente Richard Nixon (1969-1974), que mantiveram o casal sob perigo de extradição. Se Lennon domina os números musicais, os holofotes iluminam Yoko quando ela fala, entre mulheres, na I Conferência Feminista Internacional (1976), sobre a repulsa que causou quando transitou de artista visual, cantora e compositora de vanguarda para companheira do ex-beatle: “Vivia em relativa liberdade como artista e mulher e era considerada a ‘puta’ desta sociedade. Conheci John e fui promovida à bruxa. Me tratavam como uma mulher que pertencia a um dos homens mais poderosos de nossa geração”. Segundo Yoko, pessoas próximas de Lennon a aconselhavam a “ficar nos bastidores, calar a boca e desistir do meu trabalho”. E ela completa: “A sociedade inteira queria que eu morresse”.

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Foto: Divulgação

Mestras 

Dirigido pela cantora e compositora paraense Aíla e por sua companheira, a artista visual Roberta Carvalho, o documentário Mestras vai na raiz do machismo ao norte do Brasil, abordando um viés praticamente inédito: as manifestações tradicionais e os folguedos musicais do Pará. Se é frequente a celebração dos chamados mestres paraenses – de carimbó, do boi, das guitarradas –, Aíla e Roberta demonstram que os pares femininos dessa tradição costumam ser sistematicamente renegados à invisibilidade. A exceção aparece na parte final do filme, na figura da cantora e compositora de carimbó Dona Onete, revelada para o grande público quando já beirava os 70 anos de idade.

Mestras apresenta outras três artistas populares paraenses, que lideram brincadeiras de carimbó e de boi a partir dos interiores do Pará: Miloca (de Ourém), Iolanda do Pilão (de Cametá) e Bigica (de Marapanim). Entrevistada na Praça dos Artistas, em sua cidade, mestra Iolanda observa que todas as estátuas ao redor são de figuras masculinas e que mulheres não costumam ser representadas nesse tipo de homenagem. É uma metáfora simples e direta sobre o que as próprias mestras representam – o anonimato –, enquanto são reverenciados e chamados de mestres (com justiça) homens como Pinduca, Verequete, Curica, Solano, Vieira, Aldo Sena etc.

Por sinal, outro filme escalado para o In-Edit foca no lado masculino da história: O clube da guitarrada, dirigido por Tânia Menezes. Em Mestras, mulheres que no cotidiano atuam como professoras, agricultoras e parteiras se mostram na tela como cantoras, compositoras, contadoras de história e tocadoras de tambor, pandeiro, maraca ou reco-reco. “Se eu tivesse conhecido o carimbó antes, quem sabe hoje estava longe daqui”, cogita Mestra Bigica, do Grupo de Carimbó Sereia do Mar.

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Leci 

O filme dirigido por Anderson Lima acompanha 12 anos da vida recente de Leci Brandão, 80 anos, sambista carioca radicada em São Paulo. É nesse período que se entrelaçam com maior intensidade a autora de sambas de prumada social como “Zé do Caroço” (1986) e a deputada estadual que desde 2010 tem sido reeleita pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de São Paulo.

Centrado em números musicais e em depoimentos de personalidades, o documentário reúne elogios superlativos de rappers (Mano Brown, Rappin’ Hood e Emicida), sambistas (Alcione, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Thobias da Vai-Vai e Reinaldo) e políticos (Fernando Haddad e Eduardo Suplicy). O diretor menciona a luta política da deputada em prol das chamadas minorias, mas deixa em segundo plano o ativismo liderado pela artista em forma de samba, desde muito antes do ingresso na carreira legislativa, em temas de coragem e altivez como “Questão de gosto” e “Assumindo” (1986).

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Foto: Divulgação

Dory Previn  – On my way to where 

Em On my way to where, as diretoras Dianna Dilworth e Julia Greenberg resgatam a vida e a obra da estadunidense Dory Previn (1925-2012), que fez história no cinema de Hollywood dos anos 1950 e 1960 como compositora de trilhas sonoras, sempre ao lado do marido, André Previn, nascido numa família judia em Berlim e radicado nos Estados Unidos em 1939, em fuga do nazismo.

Inicialmente trabalhando como atriz, modelo e corista, Dory se tornou letrista do estúdio cinematográfico MGM, onde conheceu André, com quem se casou em 1959. Em parceria com ele, teve canções interpretadas por Judy Garland, Frank Sinatra, Doris Day, Sammy Davis Jr., Rosemary Clooney, Tony Bennett e muitos outros. Entre as canções mais populares do casal estão as da trilha do filme O vale das bonecas (1967), cuja faixa-título foi interpretada por Dionne Warwick.

Em 1970, Dory se divorciou de André após descobrir que ele havia engravidado a jovem atriz Mia Farrow. Ela passou então a compor sozinha e lançou seis álbuns individuais como cantora-compositora.  Sobre esse período, On my way to where documenta a luta de Dory por espaço em um meio dominado e controlado pelos homens.

Peaches goes banana 

Peaches goes banana, produção franco-alemã de Marie Losier, traça um retrato despojado da cantora e compositora canadense (radicada na Alemanhã) Merrill Beth Nisker, conhecida como Peaches desde que despontou na cena electroclash do início dos anos 2000. De visual punk, Peaches apareceu com uma barba negra cerrada na capa do álbum Fatherfucker (2000). Compôs música ácida e provocações explícitas em canções como “Fuck the pain away”, “Sucker” (2000) e “Boys wanna be her” (2006), dos álbuns Fatherfucker (2003) e Impeach my bush (2006). Em Peaches goes banana, e ex-professora é retratada menos como ícone feminista, queer e electropunk e mais como mulher simples e vulnerável em seu cotidiano com o namorado, a irmã de mobilidade reduzida e a família.

In-edit: de 11 a 22 de junho, em São Paulo. Programação completa no site.

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