“Entre mulheres” traz conversas dolorosas e empatia

Longa inspirado em uma história real de abuso em uma comunidade religiosa concorre a dois Oscars, incluindo melhor filme.


elenco do filme entre mulheres
Foto: Michael Gibson © 2022 Orion Releasing LLC



Oito mulheres se reúnem em um celeiro para discutir o que fazer depois de descobrirem que estavam sendo dopadas e sofrendo abuso sexual na pequena comunidade religiosa em que vivem. Suas alternativas são três: não fazer nada, ficar e lutar ou fugir. 

Pode parecer pouco para um filme, mas Entre mulheres, dirigido por Sarah Polley, que estreia nesta quinta-feira (2.3), segue a linha de 12 homens e uma sentença (1957), um clássico que colocava membros de um júri tendo discussões filosóficas sobre a culpa e a inocência de um réu. É um longa raro, mesmo na onda de produções #MeToo: uma conversa franca, aberta, dolorida, empática, com seus momentos de graça, sobre um assunto duro e espinhoso. Tudo apoiado em um conjunto de belas atuações de Rooney Mara, Claire Foy e Jessie Buckley, entre outros.

É com tal sensibilidade e força que Sarah Polley conduz a narrativa que não é de se espantar que Entre mulheres esteja entre os indicados ao Oscar de melhor filme, além de roteiro adaptado – a diretora baseou-se no romance de Miriam Toews. Na verdade, a produção mereceria ainda mais. É até decepcionante que, depois de dois anos seguidos de mulheres ganhando a estatueta de direção, neste ano nenhuma concorra na categoria. A seguir, confira cinco fatos sobre Entre mulheres:

Judith Ivey e Claire Foy no filme Entre mulheres

Judith Ivey e Claire Foy: veteranas premiadas e jovens talentos reunidos Foto: Michael Gibson © 2022 Orion Releasing LLC

O filme é inspirado em uma história real

Miriam Toews, autora do romance Women Talking, em que Entre mulheres se baseia, inspirou-se em um caso verídico, que aconteceu em uma comunidade menonita na Bolívia. Os menonitas são cristãos que vivem em comunidades, geralmentemente bastante isoladas, e se dedicam a atividades agrícolas e pecuárias. Muitas vezes não utilizam nenhuma tecnologia moderna, como carros ou telefones. Em 2005, meninas e mulheres da comunidade de Manitoba começaram a acordar com as roupas rasgadas, ensanguentadas e sem se lembrar de nada. Por algum tempo, elas foram convencidas de que era o trabalho de fantasmas ou do diabo. Ou produto de uma “imaginação feminina fértil”. Mas, quatro anos mais tarde, dois homens foram pegos invadindo uma das casas. Confessaram e denunciaram outros tantos, que admitiram ter estuprado mais de 300 pessoas, de 3 a 65 anos de idade. Miriam Toews, que cresceu em uma comunidade menonita no Canadá, inspirou-se nesse caso para criar uma ficção com a resposta de algumas mulheres dessa comunidade à violência sofrida. 

Três mulheres e um livro

A atriz Frances McDormand leu o livro Women talking assim que ele foi publicado, em 2019, quando estava lidando com as revelações do movimento #MeToo, que colocou em discussão os abusos e violências que as mulheres sofriam em Hollywood, mas não só. Frances conversou com Dede Gardner, da Plan B, companhia co-fundada por Brad Pitt. Ela é a única a produtora mulher a ganhar dois Oscars de melhor filme, por 12 anos de escravidão (2013), de Steve McQueen, e Moonlight – Sob a luz do luar (2016), de Barry Jenkins. Resolveram que dava um filme. Enquanto isso, a cineasta Sarah Polley (Entre o amor e a paixão, de 2011) já tinha se apaixonado pelo livro de sua conterrânea. Ao entrar em contato com as detentoras dos direitos de filmagem, descobriu que Frances McDormand e Dede Gardner tinham procurado sua agente. E foi assim que nasceu o projeto, tocado majoritariamente por mulheres. 

Quem são as mulheres que conversam

O livro de Miriam Toews coloca as mulheres no centro da história, que começa com o fato consumado. Não vemos os abusos, mas entendemos bem o que houve ali. Essas cenas de violência não fazem falta: as conversas já são suficientemente duras. O debate do que fazer – fingir que nada houve, ficar e lutar ou fugir – divide as mulheres. Algumas, como Janz (Frances McDormand), abandonam a discussão logo no início. Ficam oito, que fazem parte de duas famílias, Friesen e Loewen. Da primeira, participam a matriarca Agata (Judith Ivey), sua filha mais velha, Ona (Rooney Mara), que está grávida, mesmo sem ser casada, e a caçula, Salome (Claire Foy), cuja filha de apenas 3 anos de idade foi uma das vítimas e que cuida da sobrinha, a adolescente Neitje (Liv McNeil). Da segunda, estão a matriarca Greta (Sheila McCarthy), suas duas filhas, Mariche (Jessie Buckley) e Mejal (Michelle McLeod), e Autje (Kate Hallett), a filha adolescente de Mariche. Elas precisam decidir logo, porque as chances são grandes de os homens, que estão presos, voltarem. O único personagem masculino que de fato aparece, além dos meninos, é August (Ben Whishaw). Sem saber ler e escrever, elas precisam de alguém que registre as atas da reunião.

Ben Whishaw, Rooney e Claire Foy no filme Entre Mulheres

Ben Whishaw, único homem adulto a aparecer na história, Rooney Mara e Claire Foy. Foto: Michael Gibson © 2022 Orion Releasing LLC

Um elenco de ouro 

Não é difícil de entender por que tantas atrizes talentosas aceitaram fazer o filme. Mas Sarah Polley e as produtores conseguiram reunir um time dos sonhos, que inclui Judith Ivey, duas vezes ganhadora do Tony, Claire Foy, conhecida por sua interpretação da rainha Elizabeth 2ª em The crown, Rooney Mara (de Carol, de 2015) e Jessie Buckley, que concorreu ao Oscar de atriz coadjuvante ano passado por A filha perdida. Mas certamente ter Sarah na direção também ajudou e muito. As atrizes disseram que a cineasta tinha plena noção da delicadeza dos temas e dava tempo a elas quando necessário, mesmo com a programação sempre corrida de uma filmagem.

Fala e escuta

Um dos pontos altos do roteiro e da direção é o espaço dado para que cada mulher tenha sua personalidade e opinião. Mesmo quando elas divergem, a sororidade está sempre presente – até no pedido de desculpas real de Ona, algo tão raro de ver quando um homem comete um erro ou age mal com uma mulher.

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