No papel de uma freira, Isabella Rossellini busca seu primeiro Oscar

Atriz, uma coadjuvante de peso em “Conclave”, reflete sobre a influência dos pais em sua carreira.


isabella rossellini
Foto: Axelle/Bauer-Griffin/FilmMagic



Criada em Roma e então estudante de um colégio católico, Isabella Rossellini tem uma visão particular sobre freiras como a Irmã Agnes, que ela interpreta em Conclave. O filme dirigido por Edward Berger ganhou o Globo de Ouro de melhor roteiro, concorre a oito Oscars (incluindo melhor longa), 12 Baftas e 11 Critics Choice Awards.

A Irmã Agnes de Conclave é um papel pequeno, quase sempre silencioso, mas forte e presente quando necessário. Ela faz com que tudo corra bem no conclave para escolher o novo papa, organizado pelo Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes, indicado ao Oscar de melhor ator), que precisa manter sob controle egos e ambições dos cardeais candidatos – inclusive dele mesmo.

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Uma das oito indicações do longa à estatueta, a de melhor atriz coadjuvante, foi a primeira de Isabella, e a atriz de 72 anos de idade está empolgada com a possibilidade, como toda pessoa em sua posição estaria. Mas há outro motivo. Muita gente tem reparado como ela não se cansa de citar os pais – e quem não faria isso se fosse filha de Ingrid Bergman (1915-1982), atriz de Casablanca (1942) e vencedora de três Oscars, e do cineasta Roberto Rossellini (1906-1977), um dos maiores nomes do neorrealismo italiano, que mudou a história do cinema no Pós-Guerra?

Isabella estreou no cinema ao lado da mãe e de Liza Minnelli em Questão de tempo (1976). Mas a atenção despertada por ser uma nepo baby em uma época em que esse termo ainda não existia fez com que partisse para a carreira de modelo. Ela ficou conhecida pelo contrato que manteve com a Lancôme até 1992, mas acabou voltando a atuar, ganhando os holofotes com Veludo azul (1986), dirigido por David Lynch. 

Em uma mesa-redonda com a participação da ELLE, Isabella falou sobre os pais, a corrida pelo Oscar e o que aprendeu com as freiras.

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A atriz em Conclave

A Irmã Agnes não tem muitas falas no filme, mas diz bastante apenas com sua presença. Como foi interpretar uma personagem que parece te levar de volta à era do cinema mudo e se conecta com o público por meio de gestos, silêncio e apenas interagindo com o ambiente?

A personagem foi escrita para ser silenciosa porque, na Igreja Católica, as freiras têm um papel muito subserviente. No roteiro, ela estava presente, mas silenciosa, porém dona de grande autoridade. Estudei em colégio de freiras e sabia que, embora elas fossem silenciosas, também tinham grande autoridade. Eram mulheres que escolheram seu destino. 

Em La chimera (filme de 2023 dirigido por Alice Rohrwacher e estrelado por Josh O’Connor), você também faz um papel menor. Mas ela é a consciência de tudo. Como sua abordagem muda quando você interpreta um papel que não está sempre presente, mas tem que deixar uma impressão duradoura?

Frequentemente interpreto papéis coadjuvantes em parte devido à minha idade. Acabo interpretando a avó ou a freira ou a mãe. Dito isso, dizem que não existe papel pequeno ou grande, você ainda precisa criar um personagem. Em um papel coadjuvante, você tem menos oportunidade de criar um personagem completo, então seu objetivo tem que ser muito preciso. Não dá para perder a chance tendo uma, duas ou três cenas.

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Ralph Fiennes e Stanley Tucci (à esquerda) em cena do filme

O que uma possível indicação ao Oscar pode significar para você e seu legado familiar? (A entrevista foi feita antes do anúncio das indicações)

Seria ótimo, mas não sei se vai acontecer. Minha mãe ganhou três Oscars, e eu nunca fui indicada. Então, ficaria feliz, e acho que mamãe também ficaria superorgulhosa. Ela sempre quis que um de seus filhos fosse ator porque costumava dizer que atuar era uma vocação, exatamente como a freira da escola me disse que ser uma religiosa era uma vocação. Hesitei quando era jovem porque mamãe tinha uma reputação tão grande. E, quando você é jovem, quer fazer as coisas por mérito próprio. Tive muito sucesso como modelo. Richard Avedon, com quem trabalhei muito, disse que modelos são como estrelas de cinema mudo. Você não usa palavras, mas tem que mostrar emoção porque ela é fotografada. Para desenvolver minha carreira, resolvi tentar atuar novamente. Gostei, funcionou. Claro, ter um Oscar deixaria qualquer ator super feliz, e mamãe sentiria que seu legado foi perpetuado.

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Seus pais são ícones. Você pode falar um pouco como se inspirou neles?

Meus pais tiveram uma influência muito grande na minha vida. Infelizmente, eu os perdi bem cedo: meu pai quando tinha 25 anos e minha mãe quando tinha 30. Meu maior arrependimento é meus pais não conhecerem meus filhos. Eles só conhecem meus pais por sua reputação, pelo que conto a eles. Meus pais me deram as ferramentas para saber qual filme fazer, a ênfase no diretor e também em relacionamentos pessoais (Isabella também escolhe os filmes pelas pessoas com quem vai trabalhar). Não pensar no roteiro como uma coisa final porque, na verdade, um filme é mais uma arte visual. Meu pai era um cineasta experimental, e sempre gostei de trabalhar com esse tipo de diretor, desde David Lynch, que agora é tão conhecido (a entrevista foi feita antes da morte do diretor). Mas, quando trabalhei com ele, não era. E o mesmo com Guy Maddin (com quem ela fez A música mais triste do mundo, de 2003), Bob Wilson (ela participou de uma série de retratos em vídeo feitos pelo diretor teatral).

“Richard Avedon, com quem trabalhei muito, disse que modelos são como estrelas de cinema mudo. Você não usa palavras, mas tem que mostrar emoção porque ela é fotografada.”

O que aprendeu ao interpretar a Dorothy de Veludo azul sobre correr riscos como atriz?

O papel foi muito controverso porque interpretei basicamente uma mulher espancada. Dorothy é o oposto da Irmã Agnes. Ela é uma cantora de boate totalmente vítima dos homens. A Irmã Agnes, cujo papel é visto como subserviente, tem uma autoridade incrível, a ponto de os cardeais terem um pouco com medo dela.

Gosta de revisitar sua carreira passada?

Para mim, é mais divertido olhar para frente do que para trás, não por ter arrependimentos. Mas, se eu assisto a Veludo azul, penso em Dennis Hopper (1936-2010), sinto falta dele. Em determinadas cenas, me lembro das dificuldades daquele dia. Mas, por exemplo, fui às comemorações dos 30 anos de Veludo azul (em 2016). Fiquei surpresa como o filme ainda é tão moderno. E disse a David na época que o longa não tinha envelhecido nada.

“Meu pai era um cineasta experimental, e sempre gostei de trabalhar com esse tipo de diretor, desde David Lynch”

Ao fazer Conclave, o que descobriu sobre o papel das freiras em uma instituição patriarcal como a Igreja Católica, com muitas lutas de poder?

Minha avó frequentava a igreja, mas meus pais, nem tanto. Ainda assim, fui educada na tradição católica e fui para uma escola religiosa. As freiras eram a grande autoridade e eram mulheres muito independentes. Às vezes, pareciam mais independentes do que algumas das mães dos meus amigos, que poderiam se ver enredadas no dever do casamento e na submissão.

*Texto atualizado em 23 de janeiro de 2025.

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