“Era hora de descer à Terra”, diz Björk sobre novo álbum

Cantora fala à ELLE sobre figurinos, ativismo ambiental e Bolsonaro, antes de seu show em São Paulo, após 15 anos longe do Brasil.


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Fotos: Divulgação



“Desculpe, estou um pouco atrasada”, diz Björk, ao iniciar a conversa por Zoom com a ELLE, no início de outubro. A espera foi breve e o motivo da entrevista – ainda que a gente não precise de motivos concretos para ouvir a cantora, um dos nome mais singulares do pop – é o lançamento de Fossora, seu décimo álbum de estúdio, e sua volta ao Brasil, após 15 anos, como uma das principais atrações do Primavera Sound São Paulo, onde ela se apresenta no próximo sábado, 05.11.

Lançado no fim de setembro, Fossora teve como pano de fundo o retorno de Björk à sua Islândia natal e a morte de sua mãe, entre coros, beats, referências à natureza e a participação de seus dois filhos, Sindri Eldron e Isadora Bjarkardóttir Barney. No mesmo mês, ela lançou um podcast, Sonic Symbolism, em que repassa sua discografia como artista solo, iniciada em 1993, com Debut. A cada episódio do programa, ela relembra os bastidores de um disco em conversas com amigos e colaboradores. Em quase três décadas de carreira, a artista de 56 anos se manteve como um dos nomes mais vanguardistas e experimentais do pop, acompanhado por um universo visual próprio e lúdico, que foi até tema de exposição do MoMA (Nova York).

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A capa de Fossora Foto: Reprodução

Antes do podcast, em maio, ela retornou ao cinema depois de um hiato de mais de 20 anos, desde Dançando no escuro (2000), de Lars von Trier, para uma participação em O Homem do Norte, longa do festejado diretor Robert Eggers, que traz cenários na Islândia.

Voltando ao show, Björk apresenta em São Paulo Orkestral, em que é acompanhada por uma orquestra (como o nome sugere), que recria os beats tão presentes em suas canções, além de um coro. Ao centro, ela veste figurinos elaboradíssimos, de Balenciaga à coleção da Moncler assinada por Pierpaolo Piccioli.

Gentil e falante, a cantora e compositora conversou com a ELLE sobre o novo disco, seus figurinos cada vez mais elaborados, sua luta pela preservação ambiental e seu retorno ao cinema:

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A cantora em apresentação de Orkestral Foto: Getty Images

Recentemente, você escreveu no Twitter que cada álbum seu sempre começa com um sentimento e a partir disso você tenta moldar em um som. Qual foi a sensação que deu início à Fossora?
Acho que meu último álbum, Utopia (2017), foi muito uma ideia de um elemento do ar. E é por isso que ele tem 12 flautas e um sintetizador que soa como ar. Era muito o que eu chamo de uma ilha de ficção científica nas nuvens. Mas eu fiz isso por três anos e era hora de descer à Terra. Fossora é muito sobre cavar um buraco no chão e enfiar os dedos dos pés no solo. Trata-se de voltar para casa na Islândia, na realidade do dia a dia de viver uma vida normal com amigos e familiares. Então, comecei a escrever as músicas. Mas a pandemia aconteceu e tornou ainda mais extremo esse sentimento de estar com poucos amigos e familiares e ser feliz com o que se tem. Então, surgiu esse tipo de sentimento terreno. Por isso, comecei a trabalhar com seis clarones e coisas do tipo, algum tipo de som muito profundo para obter esse tipo de sentimento.

Seus figurinos em shows estão cada vez mais elaborados. É um desafio cantar vestindo uma roupa que pode não ser exatamente confortável ou isso te ajuda com sua performance?
Acho que depende do show que estou fazendo. Em shows orquestrais, não me mexo tanto, fico principalmente parada em um só lugar. Geralmente, não há recursos visuais. Então, a gente tenta fazer um vestido bem grande (risos) para que eu não tenha que me movimentar tanto. É também um tipo de tradição da orquestra de cordas. Os vestidos podem ser enormes, mas eles são realmente confortáveis. Faz sentido?

Sim, claro.
Mas eu não seria capaz de subir escadas ou coisas do tipo, o que não faço. Tenho outro show em curso que se chama Cornucopia, que é muito diferente. Há 28 telas que se abrem e se fecham. Neste, tenho que subir e descer escadas e percorrer todo o palco. Então, escolho um tipo diferente de roupa. Quando faço um show de uma hora e meia ou 2 horas, digo não a muitas coisas, especialmente se forem pesadas ou restringirem meus movimentos ou meus pulmões. Nos videoclipes, posso usar algo desconfortável. Acho que em fotos pode parecer que estou usando algo assim, mas, na maioria das vezes, são tecidos bastante leves. Pode ser um momento em que aceito coisas que são desconfortáveis… Desculpe, é uma resposta longa.

Imagine, faz sentido. Você se apresentará no Brasil logo após as eleições, nas quais nosso atual presidente, Jair Bolsonaro, líder da extrema direita no país, busca a reeleição (a entrevista foi feita no início de outubro). Como você vê o avanço conservador na Europa como tivemos na Itália recentemente?
Bem, eu nunca votei. Não apoio nenhum partido político. Mas tenho sido muito ativa na Islândia, especialmente em questões ambientais. Isso é algo pelo qual luto muito ativamente há 25 anos ou mais. Nós somos um grupo na Islândia e todos os anos tentamos pensar em alguma outra maneira de lutar pela natureza e para manter intocadas as Terras Altas (uma região desértica e desabitada no país). E acho que do meu ponto de vista ambiental, Bolsonaro é uma notícia muito ruim, claro. Quero a Amazônia dure o maior tempo possível.

Como foi voltar a atuar em O Homem do Norte? O que fez você querer estar nesse filme?
Bem, levou apenas um dia, então não foi tão ruim. Fiz isso como um favor a um amigo. Me pedem bastante para estar em filmes, mas só quero fazer música. Sinto que há apenas tempo suficiente para fazer a música que quero fazer. Eu não quero desperdiçá-lo esperando em um set, em algum trailer (de filmagem) por horas. E depois, você apenas fala. Estou falando muito nesta entrevista agora (risos), mas este não é meu estado natural. Sou mais uma musicista ou uma cantora. Filmes não são muito minha praia, sabe?

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