Exibição em Paris mostra a intensa relação entre moda e movimento
Na onda dos Jogos Olímpicos de 2024, exposição lembra como esse jogo começou há mais de três séculos e influenciou décadas depois estilistas como Coco Chanel, Rick Owens e Yohji Yamamoto.
Houve um tempo em que as roupas que melhor definiam o status de uma mulher eram feitas para limitar seus movimentos. Pense no espartilho estrangulando cinturas por pelo menos dois séculos (18 e 19) e dificultando a respiração, perigosamente feito de pontudas barbatanas de baleia. Ou as crinolinas de metros de circunferência que impediam as mulheres de sentarem e até mesmo de atravessar uma porta na era vitoriana. E quem conseguiria dar uma corridinha básica em cima de um salto num momento de urgência, tipo um atropelamento de carruagem, bicicleta ou automóvel?
Em termos de liberdade corporal, tudo caminhava mal (ou nem caminhava) até que surgiu a prática moderna do esporte. E a moda, então, nunca mais foi a mesma. É essa relação de influência entre esses dois universos que a exposição Mode en Mouvement (moda em movimento), inaugurada este mês no Palais Galliera, museu em Paris, quer explorar. Mas não apenas ela. “Já tínhamos há muito tempo esse projeto de estabelecer a ligação da moda com, mais do que o esporte, o movimento. A ideia é entender como as roupas são adaptadas ao movimento do corpo, do ponto de vista de uma liberação corporal desde o século 18 até hoje”, resume Marie-Laure Gutton, curadora da mostra, em entrevista ao canal de televisão francês BFM.
Segmento histórico da exposição no Palais Galliera, em Paris ©Palais Galliera - Paris Musees - Gautier Deblonde
Aberta pouco mais de um ano antes dos Jogos Olímpicos de 2024 (26 de julho a 11 de agosto), sediados em Paris, a exposição reúne cerca de 250 peças de roupa, acessórios, documentos e fotografias, com itens históricos do próprio museu e dos acervos das maisons Chanel, Hermès, Yohji Yamamoto e Sonia Rykiel, além de empréstimos do Museu Nacional do Esporte (Nice) e da Bibliothèque Forney (Paris), especializada em artes decorativas (dentro da qual o vestuário está incluído).
A curadoria mostra, por um lado, a evolução surpreendente das roupas para práticas não só esportivas, mas que envolvem movimento, caso do banho de mar, cujo look nasce de um conjunto de calça e túnica de algodão em 1815, passa pelo macaquinho de malha de 1925 (demonstrando também o surgimento dos tecidos elásticos), e culmina no modelo Atôme (átomo), do estilista francês Jacques Heim, considerado o criador do biquíni, em 1946 (ele disputa o título com o também francês Louis Réard, que popularizou as duas peças).
Linda Evangelista desfila com sua prancha de surf na passarela do verão 1991 da Chanel © CHANEL
A partir de exemplos como este, a exposição vai mostrando os paralelos e as intersecções entre roupas esportivas e a moda, com influências recíprocas a partir do fim do século 19, quando o vestuário feminino do dia a dia passa a ser adaptado para a prática do esporte, que naquele momento se transforma em uma grande tendência entre as aristocratas e burguesas francesas.
A moda do esporte (com o perdão do trocadilho) como um hábito cotidiano da era moderna – vale lembrar que o esporte em si nasceu bem antes, lá na Grécia Antiga – surgiu primeiro na Inglaterra do século 18, criada a partir do valor da atividade física como parte de um ritual de higiene corporal. Logo, a tendência foi incorporada pelos franceses e pelo mundo, e atividades como o nado e as caminhadas (promenades) viram hit, ganhando looks específicos.
Look do inverno 2001 de Yohji Yamamoto inspirado na Adidas © Palais Galliera / Paris Musées
No século 19, as mulheres da alta sociedade adotam a equitação, o golfe, o tênis e a esgrima como esporte, aspirando um corpo saudável e preparado para ter muitos filhos (o objetivo na época era o de serem boas progenitoras).
O excesso de pano reinou nas roupas esportivas por conta da adaptação dos vestidões usados na época, mas a partir do início do século 20, dois estilistas franceses, Coco Chanel e Jean Patou, começam a fazer o caminho inverso, e se inspiram nos esportes para criar peças mais leves, que favorecem o movimento, dentro do prêt-à-porter. É em 1913 que Coco Chanel começa a vender as revolucionárias peças em jersey em sua loja inaugurada três anos na cidade de Deauville (França), assim como seus modelos inspirados no guarda-roupa masculino, duas trends que possibilitaram que, enfim, as mulheres pudessem ter mais liberdade de movimento.
Se no início da difusão da prática esportiva como tendência de lifestyle foi a roupa do dia a dia que influenciou o esporte, não demorou muito para que o caminho inverso acontecesse, e o esporte se transformasse em grande fonte de inspiração da moda. Parcerias de estilistas de high fashion com gigantes esportivas são um bom exemplo, como os casos dos superconceituais Rick Owens e Yohji Yamamoto para a Adidas – em 2003, o estilista japonês criou com a marca a Y-3, uma referência às três listras da companhia. Também são exemplos peças originalmente criadas para a prática de esportes, como os tênis, que hoje são verdadeiros objeto de desejo da moda (vale lembrar do Converse, criado originalmente como calçado para jogar basquete, os do tênis Nike, inicialmente feitos para a corrida). Logo, acessórios esportivos ganharam o glamour do design de maisons centenárias, que passaram a criar suas versões de bicicletas, raquetes de tênis e pranchas de surf, desfiladas nas principais semanas de moda do mundo.
Dividida em três fases, a exposição fica em cartaz até 7 de setembro de 2025, proporcionando mostras diferentes durante esse período. Isso porque, por conta da preservação das peças históricas, vários itens serão trocados e renovados, criando experiências diferentes dependendo da data da visita. A primeira etapa segue até 15 de março de 2024; a segunda, de 20 de abril a 5 de janeiro de 2025; e a terceira, de 8 de fevereiro a 7 de setembro de 2025.
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