Fotobiografia escancara a paixão recíproca entre Sonia Braga e a câmera

Lançamento traz de imagens da infância aos trabalhos mais recentes e confirma a atemporalidade da atriz e o fascínio que ela exerce.


sonia braga em vestido drapeado colante de um ombro só
Foto: Miro / Acervo Sonia braga



Uma das melhores definições sobre Sonia Braga foi dada pelo cineasta e jornalista Arnaldo Jabor. “Sonia tem alma de nitrato de prata. Precisa ser filmada”, disse ele, referindo-se ao composto químico utilizado no processo de revelação das antigas fotografias e películas. A própria atriz, aliás, confirma isso. “Da mesma forma que no set de filmagem me coloco à disposição das ideias dos diretores, em frente a uma câmera fotográfica me deixo conduzir pelo olhar e sensibilidade de quem está apertando o clique. Talvez venha daí a tão decantada ideia de que a câmera me ama, quando na verdade sou eu que amo a câmera. Acho que nos damos muito bem”, declara Sonia à ELLE.

De fato, são raras as personalidades que possuem o magnetismo dessa diva de 72 anos, nascida na cidade paranaense de Maringá. Em meio século de atuação, ela deu vida não apenas a personagens clássicos da literatura brasileira – em especial os do escritor Jorge Amado –, mas também eternizou tipos simbólicos da teledramaturgia brasileira, como Julia Matos (da novela Dancin’ days, de Gilberto Braga). Possui uma carreira internacional de respeito, tendo atuado num filme candidato ao Oscar (O beijo da Mulher Aranha, de 1985) e participado de diversas sitcoms de sucesso nos Estados Unidos. Por fim, se permitiu embarcar em projetos de ascendentes cineastas brasileiros: atuou em Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, e Bacurau (2019), do mesmo diretor, em parceria com Juliano Dornelles.

Se a breve descrição da trajetória de Sonia já engloba tudo isso, imagine o trabalho do editor, pesquisador e designer Augusto Lins Soares e da jornalista, escritora e roteirista Melina Dalboni na realização da recém-lançada Sonia em fotobiografia (Edições Sesc São Paulo e Cepe, 256 págs, 170 reais). Foram mais de 20 mil imagens analisadas e 250 entrevistas de revistas e jornais impressos e publicações online, além de livros e televisão. O resultado é um retrato biográfico bem detalhado de uma das mais importantes atrizes brasileiras. “Sonia deixou claro que o conteúdo deveria ser pautado pelas coisas que já tinham sido publicadas. Segundo ela, o resgate histórico e a pesquisa documental são importantes para construir a imagem de alguém”, diz Augusto.

1 Jean Pagliuso Photography Inc

Sonia em foto publicada no livro Jean Pagliuso: In plain sight (Damiani, 2018). Jean Pagliuso Photography Inc

Uma das conclusões que tiramos ao nos deparar com Sonia em fotobiografia é a atemporalidade da atriz, que se comunica com diferentes gerações. Augusto tem 58 anos e foi testemunha do vulcão que arrebatou a televisão em Gabriela, novela de 1975, onde ela foi a dengosa personagem do livro
de Jorge Amado. Melina, por seu turno, tem 41 anos e por causa da pesquisa tomou uma consciência melhor da atriz como símbolo de liberdade e empoderamento. “Sua importância para a minha geração parece ainda estar sendo compreendida pelo público, na medida em que Sonia continua a quebrar regras ao protagonizar um filme aos 65 anos, romper estereótipos ao assumir longos cabelos brancos e se posicionar politicamente. Penso que, talvez, ela tenha sido julgada com injustiça muitas vezes pelo público exatamente por não ter seguido padrões. Fazer apenas o que se quer e investir sua energia em toda sua potência, o que hoje é exaltado, nos anos 1980 e 90 ainda causava estranhamento”, comenta Melina.

Há vários nus na publicação, mas eles nunca soam gratuitos. A própria atriz vê a nudez como algo natural. “Sonia tem o espírito genuíno do artista. Acha que o corpo é um instrumento de trabalho. Os ensaios de nu foram utilizados na divulgação de uma obra, estão atrelados a algum momento”, explica Augusto. A sensualidade de Sonia é um capítulo à parte, como bem lembra Melina numa história em relação à sua escalação num dos tipos mais famosos de sua biografia televisiva. “Ao conhecer Sonia e o diretor Walter Avancini, pouco antes de eles fazerem Gabriela, Jorge Amado ligou para o Boni (então superintendente de produção e programação da TV Globo) e impôs uma única condição, a de que a personagem não deveria ser uma sedutora, e sim a sedução. Isso significa que as pessoas se apaixonavam por ela sem que ela fizesse qualquer esforço. Assim como Gabriela, Sonia não é sedutora. Ela é a sedução”, lembra a jornalista.

A mulher para quem Caetano Veloso desfiou os versos “O mel desses olhos luz, mel de cor ímpar/ (…) Teu cabelo preto/ Explícito objeto/ Castanhos lábios ou, para ser exato, lábios cor de açaí”, em “Trem das cores”, mudou de Maringá para Campinas (SP) na infância e depois para São Paulo. A morte do pai, aos 8 anos de idade, transformou radicalmente a estrutura econômica da família. Passou da escola particular para a pública e, quando a mãe adquiriu uma padaria, Sonia tinha de levar lenha para alimentar o forno. “Foi a vida como ela é”, declarou ao jornal O Globo. Em 1964, Sonia tinha 14 anos,
quando o diretor Vicente Sesso a convidou para trabalhar no programa infantil Jardim encantado. Foi o ponto de partida de uma carreira que se tornou internacional a partir dos anos 1980. Com o sucesso de O beijo da Mulher Aranha, Sonia Braga migrou para os Estados Unidos, onde vive até hoje. Em 2003, ganhou a cidadania estadunidense.

sonia braga entre gravetos emaranhados

A atriz no filme inglês Two Deaths (1995), de Nicolas Roeg. Michael Woods/Bridgeman Images/Fotoarena

Seria Sonia Braga uma antecessora de Anitta no sonho da conquista do mercado internacional? “Sonia não tinha um estrategista pensando sua carreira e não tinha o mesmo tino que Anitta tem para o marketing. Sua carreira em Hollywood foi construída tijolo por tijolo. Curiosamente foram dois filmes recentes brasileiros, Aquarius e Bacurau, que a levaram à lista dos 25 maiores atores do século 21 do New York Times”, lembra Melina.

Em 2022, Sonia Braga declarou abertamente seu voto em Luiz Inácio Lula da Silva para presidente. Embora um ou outro fã possa ter se admirado, a consciência política sempre fez parte de seu repertório. “Ela começou a carreira nos palcos em 1968, num grupo de teatro de Santo André ligado ao Centro Cultural do ABC Paulista, exatamente quando começavam a surgir alguns dos principais líderes sindicais. A diretora que a acolheu e formou foi a ativista política Heleny Guariba, que está entre os milhares de desaparecidos políticos da ditadura militar. Isso diz muito sobre sua atuação como pessoa pública. Sonia esteve no palanque das Diretas Já, visitou presos políticos em greve de fome, lançou campanhas em prol da limpeza das áreas urbanas, se aproximou do Movimento Sem Terra e foi a passeatas para denunciar o desmatamento da Amazônia”, explica Melina.

Muitas fotografias vieram do próprio acervo da atriz, simpática a projetos desse naipe. Ela, no entanto, não quis dar pitaco sobre o processo de escolha. “É um projeto de autor, do Augusto Lins Soares, que aceitei com simpatia porque seria a oportunidade de reunir em um mesmo livro o trabalho desses grandes fotógrafos e profissionais com quem tive a chance e o prazer de trabalhar em diferentes momentos da minha vida. Por isso não quis participar”, explica. “Escolhi só ver a fotobiografia depois de pronta. Ouvi dizer que está ficando linda”, completa. Mais do que linda… Está divina, Sonia.

Esta reportagem foi publicada originalmente no volume 10 da ELLE impressa. Para comprar seu exemplar, clique aqui.

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