Leandra Leal fala sobre maternidade, envelhecimento e machismo

Atriz interpreta uma policial em Alemão 2, filme sobre uma operação policial que não sai como o planejado.


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Leandra Leal nunca tinha feito cenas de ação em sua carreira. Mas, para uma atriz curiosa como ela, sempre há uma primeira vez. Em Alemão 2, de José Eduardo Belmonte, continuação do longa de 2014 que estreia nesta quinta-feira (31.03), a atriz interpreta a policial civil Freitas, que tem sua primeira missão no Complexo do Alemão. Ao lado do comandante Machado (Vladimir Brichta) e do policial Ciro (Gabriel Leone), Freitas precisa prender o chefe do tráfico de drogas local, em uma operação arquitetada pela delegada Amanda (Aline Borges). As coisas não saem como esperado, e os três se veem em meio a uma guerra, que vitima membros de grupos rivais, mas deixa também os moradores no fogo cruzado. São pessoas como Mariana (Mariana Nunes), a única personagem que segue do filme original e tenta proteger seu filho neste.

Alemão 2 trata de vários assuntos que são caros à atriz, como as repercussões das operações policiais nas comunidades, a dificuldade de ser mulher, especialmente em um ambiente muito masculino, o racismo que ela, mãe de uma menina negra de 7 anos, já viu de perto.

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Foto: Divulgação/Cassia Tabatini

Prestes a completar 40 anos, Leandra Leal está realizando um sonho: dirigir a série de ficção A vida pela frente, em parceria com Bruno Safadi, que acompanha uma turma de escola na virada de 1999 para 2000, época em que ela própria era adolescente – a produção tem estreia prevista para ano que vem, no Globoplay. “Fala sobre saúde mental na adolescência, um tema super relevante para o que a gente está passando agora, em tempos pandêmicos”, conta Leandra. Na entrevista a seguir, ela fala de feminismo, racismo e envelhecimento:

Por que você quis fazer o papel dessa policial novata?
Um dos motivos para topar um trabalho é com quem eu vou atravessar o processo. Acho muito importante trabalhar com pessoas que acrescentem em sua vida. E eu queria muito fazer um filme de novo com o Belmonte, com quem fiz Se nada mais der certo (2008). Acho um diretor sensível, um cara generoso, uma pessoa maneira.

E como foi fazer um filme de ação?
Para mim, foi um convite inusitado. Achei um desafio. E achei um desafio também a proposta de fazer um filme de ação que lida com uma temática de tanta dor, que mostra os personagens percebendo a falta de sentido na guerra em que estão. É um filme que tem três personagens femininas muito importantes na condução da trama – a Freitas, a Amanda e a Mariana. Duas estão na polícia. Então, estamos mostrando duas mulheres em uma corporação bastante masculina, tentando implementar o jeito delas, uma nova forma de agir. Elas são idealistas. E também a personagem da Mariana, que é uma moradora e a única que cruza do filme Alemão 1 para o 2. Ela é muito simbólica, porque é uma sobrevivente, cuidando do seu filho.


Alemão 2 | Trailer Oficial EXCLUSIVO

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Foi difícil fazer as cenas de ação?
Foi difícil colocar a violência, não é uma coisa com a qual eu conviva. Não tenho esse yang. Até tenho, mas em outros lugares. Foi um desafio, mas muito maneiro. Adoro fazer filme de composição de personagem, de interpretar pessoas que são distantes de mim. É o encanto da minha profissão, eu, aos 39 anos, aprender uma coisa nova.

Alemão 2 fez com que pensasse mais nas consequências das ações policiais nas comunidades?
Com certeza. Quis fazer também para ter a oportunidade de mergulhar nesse assunto. É um tema difícil. Para tratar dele no audiovisual precisa ter muita responsabilidade, porque a gente está vivendo as consequências dessa guerra. É um assunto atualizado a todo instante. Mas o que a gente vê é uma perpetuação do ciclo, o Estado entra nas comunidades com a polícia, esquecendo outras formas de presença, como educação, saúde, cidadania, lazer e cultura.

Você já se disse a favor da legalização de algumas drogas. Acredita que isso poderia ajudar?
Essa é uma pergunta ótima, mas tem várias pegadinhas. Ser a favor da legalização de alguma coisa não quer dizer ser a favor daquela coisa. Mas eu acho que sim. A legalização é uma tendência no mundo. A gente já está vivendo a regulamentação da maconha medicinal, baseada em pesquisas. Quem está lucrando com essa guerra não está na ponta levando bala. O policial, a comunidade, as pessoas estão morrendo. Quem está na ponta só enxuga gelo. Acho que a legalização pode ajudar, mas também uma política diferente, um olhar diferente do Estado para essas comunidades, oferecendo educação, saúde e cultura.

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Leandra Leal e Gabriel Leone em “Alemão 2”Foto: Divulgação


O filme mostra com muita clareza quem são as pessoas afetadas, que são majoritariamente negras. Gostaria que o longa provocasse reflexão?
Espero que o filme traga esse questionamento para quem ainda não fez. Não é coincidência. Quando você atira de fuzil dentro de uma comunidade, não existe bala perdida. E são corpos pretos, que não recebem a mesma indignação, a mesma comoção da sociedade. Por isso a presença da Mariana é muito forte. Essa mulher preta resistindo, sobrevivendo, dentro dessa guerra, criando seu filho com valores, com ética, tentando protegê-lo. Eu me emociono com essa personagem. A emoção pode ser transformadora. Claro que é um filme, que não vai solucionar o mundo. Mas ele pode emocionar uma pessoa, e ela pode mudar algo.

Muitas vezes a sua personagem precisa se impor por ser mulher em uma organização muito masculina e no mundo. Como você costuma lidar com isso na sua vida?
Ainda não estamos vivendo um momento de alívio, mas acho que temos conquistas. Uma delas é a gente ter mais consciência, é falar mais sobre machismo, é entender comportamentos machistas, saber identificar. O problema desses comportamentos estruturais é que eles vão limitando sem que a gente perceba. No momento em que a gente fala sobre isso, começa a entender que o problema não é nosso, é do outro. É da sociedade. E isso traz liberdade. Vamos conseguindo nos libertar de padrões. No filme, a minha personagem enfrenta isso. Ela tem os ideais dela, mas é fechada, porque precisa desenvolver uma defesa. E isso, às vezes, machuca. Mulheres em ambientes extremamente masculinos têm de desenvolver uma casca muito dura.

Você é mãe de uma menina. Tem esperança de que vai ser diferente para ela?
Já é e vai ser. Toda geração dá um passo além. Essa é a beleza da vida. Pelo menos eu tenho essa fé.

“Mulheres em ambientes extremamente masculinos têm de desenvolver uma casca muito dura”

Como prepara sua filha para viver em uma sociedade machista e racista também?
Eu procuro muito fortalecer a autoestima dela. Ela tem 7 anos, é nova, mas já sofreu racismo e começou a entender o que é. E isso é muito duro, é muito cruel. É inacreditável e acontece, é real. Sempre me achei muito consciente, mas, depois que eu me tornei mãe de uma menina negra, eu entendi, eu senti. É uma dor que eu não tenho como diminuir. Posso estar ao lado dela, fortalecendo-a, brigando onde posso brigar, mas é uma coisa difícil porque nunca vou sentir o que ela sente. É uma angústia. Mas é algo que me fez estar mais atenta, mais vigilante, me repensar, provocar meus amigos, minha família. Porque uma sociedade mais igualitária, que não tem preconceito, é melhor para todo o mundo. Ser antirracista é um momento de vigilância profunda, constante. De a gente se desconstruir.

Em setembro, você chega aos 40. Como está se sentindo?
Maravilhosa. Todo aniversário eu dou festa. Adoro. Espero que a pandemia permita. Estou me sentindo super bem, em um ano super bonito, dirigindo uma série de ficção, A vida pela frente, que criei com minhas sócias e vou dirigir com o Bruno Safadi. Estou realizando um sonho. Minha filha está bem, Minha mãe está bem. Sempre vivi muito o presente. Nunca quis voltar ao passado. Gosto do que está acontecendo hoje. Vejo o que precisei passar para estar aqui hoje e acho bom. Acho bom mesmo.

Não tem galho de envelhecer?
Cara, a juventude é um defeito que se corrige a cada dia.

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