Mallu Magalhães fala sobre o novo disco, maternidade e a vida em Portugal

Cantora lança seu quinto trabalho, Esperança, adiado por causa da pandemia. "A Luísa é sempre minha fonte de saúde mental", diz, sobre a filha e o último ano.


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Foto: Divulgação/Daryan Dornelles



Mallu Magalhães tinha seu quinto álbum pronto ainda no início do ano passado. Mas veio a pandemia e tudo o que presenciamos até aqui. Mais de um ano depois, o disco finalmente chega ao público. Esperei um momento em que o cenário pandêmico tivesse alguma perspectiva de caminho, alguma luz no fim do túnel”, conta Mallu, que viu esse sinal no avanço da vacinação. E o álbum, originalmente batizado de Felicidade, passou a se chamar Esperança.

À parte dos tempos nebulosos, Esperança é um álbum ensolarado, em que a cantora passeia com sua MPB pelo jazz, rock ou ritmos jamaicanos, com produção de Mário Caldato Jr. (que já trabalhou com Beastie Boys e Jack Johnson). Nas canções, Mallu se reveza entre o português, inglês e espanhol. Para a filha Luísa, 5 anos, ela compôs “Deixa a menina”, o que ouvia da criança toda vez que tentava impedi-la de fazer algo. Para a música, contou com Preta Gil. Outra participação do álbum é Nelson Motta, que declama um poema na quase-bossa-nova “Barcelona”.

Mallu, 28 anos, equilibra sua produção musical com a maternidade, em Lisboa, onde vive com o marido, o cantor e compositor Marcelo Camelo, e onde também costuma andar de skate. Na entrevista a seguir, além do novo trabalho, a cantora fala da sua vida em Portugal, sobre ensinar a filha a ler na pandemia e conta que está criando uma marca de moda e objetos.


Como foi esse último ano de pandemia para você? Como procurou manter a saúde mental, observando o Brasil de fora?
Uma boa parte do tempo estive no Brasil, na verdade, por conta da perda de um familiar. Não consigo observar o país de fora… É meu país e as coisas que acontecem me atingem e me pertencem diretamente. Mesmo que grande parte do tempo eu passe viajando, acompanho de perto a situação do Brasil. A crise que se apresenta na esfera política acaba por desaguar, entre outros males, nessas lacunas da saúde pública. É preocupante e triste, sim. O Brasil pode e vai encontrar o melhor caminho.

A pandemia foi e é bastante desafiadora, para todos nós. Minha maior motivação foi a Luísa. Ela estava começando a aprender a ler e escrever, a fazer contas. Era o último ano antes da primeira série. Senti que era um ano importante para ela perder e as videoaulas não funcionaram para ela. Então, eu e Marcelo fizemos uma rotina diária de atividades para mantê-la divertida, feliz e aprendendo. Aprendemos juntas a aprender a escrever as primeiras letras e aumentamos nosso repertório de brincadeiras inventadas. A Luísa é sempre minha fonte de saúde mental. Já conhecíamos esse lugar de solidão por conta de viajarmos tanto e ficarmos longe da família. A memória que quero tirar disso é de como conseguimos estar ainda mais unidas e fortes, com ainda mais amor à vida.

“A Luísa é sempre minha fonte de saúde mental”

E o que te levou a Lisboa em um primeiro momento?
A primeira vez que vim à Europa foi a trabalho, claro. Adorei Lisboa, pela luz, pela calma e também pelo fato de falarem português. Decidimos passar uns meses aqui e acabamos por ter bastante trabalho na Europa. Tem voos direto para o Brasil. Então, é viável trabalhar no país também. Aí, com o tempo, fui me apegando pessoalmente, fiz amigos, (conheci) lugares que gosto… Virou mesmo um pouso que gosto muito.

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Foto: Divulgação/Daryan Dornelles


Você preferiu dar essa entrevista por email e é reservada em relação à sua vida pessoal. Como é para você divulgar um novo disco?
Tenho tentando simplificar as coisas e os sentimentos, procurando levar as coisas mais numa boa. Fico nervosa com a exposição, até hoje não entendi por quê. Gosto muito de conversar com as pessoas e fazer amigos, mas acabo ficando nervosa em situações de exposição – o que é bem engraçado para alguém da minha profissão (risos). Não tenho medo das pessoas, tenho amor por elas, mesmo pelo desconhecido. Simplesmente fico nervosa e não sei por quê.

Fico nervosa com a exposição, até hoje não entendi por quê.

Existe uma ideia que guiou este novo trabalho? Como vê Esperança em relação a Vem (2017), por exemplo?
Tentei fazer um álbum natural, simples. Tentei que ele acontecesse organicamente. O Vem foi mais visceral. Sinto que são forças complementares e é bonito que eles dois existam. Vejo uma caminhada ao longo da discografia, como um retrato do meu desenvolvimento como pessoa também. Mantenho minha música num lugar bastante íntimo e pessoal, por serem todas sempre fruto de uma busca e de uma entrega grande, mesmo quando soam leves e simples. Talvez possa dizer que a ideia de Esperança era justo essa simplificação da vida; estar ali, fazer músicas bonitas e tocar elas para as pessoas. Sempre acaba tendo músicas tristes, mas desta vez escolhi as mais alegres.

Como surgiram as participações de Preta Gil e Nelson Motta?
Vou compondo, gravando e as ideias vêm vindo… A Preta eu já imaginei desde quando comecei a compor. Minha admiração por ela foi também inspiração para a canção. Já a ideia do Nelson nasceu no estúdio, estava gravando e, na hora do solo, na minha cabeça vinha sempre ele falando. Fiz alguns testes com ele falando (em vídeos) no YouTube, em cima da música e fiquei convencida de que era perfeito. Eu amo o Nelson e admiro muito sua escrita e a pessoa que ele é. É alguém que você quer ter no seu jantar feliz.

 

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Foto: Divulgação/Daryan Dornelles

Como acha que a vivência na Europa tem influenciado sua musicalidade? Portugal te trouxe novos parceiros musicais?
Acabo por compor ao longo das viagens e cada lugar traz sua energia. Por aqui, tenho um dia a dia mais de rotina, cuido da parte burocrática da vida, organizo os documentos, pagamentos, mas é também mais calmo. Talvez essa calma influencie na composição mais tranquila. Mas para a composição sou mais influenciada pelos acontecimentos do que pelo entorno. Mas, sim, conforme andamos por aí, vamos encontrando novos amigos e parcerias. Os últimos feats daqui foram com o Branko e com a Capicua. O Brasil me inspira muito e frequentemente minha saudade de lá acaba aparecendo nas músicas.

Você conta que a canção “I’m ok” nasceu de uma experiência com o ensino superior que não foi adiante. Como foi isso?
Já tive grande dificuldade em terminar a escola por motivos variados. Há uns anos, tive uma infelicidade financeira com alguns parceiros de profissão com quem trabalhava na época. E resolvi voltar a estudar design e moda, que era o que eu gostava antes da música. Foi bom para esfriar a cabeça, mas não consigo acompanhar o ensino regular. É decepcionante e frustrante para mim. Não é falta de vontade, é apenas a maneira como minha cabeça funciona. Sou muito produtiva e ativa, mas tenho dificuldade em me encaixar nos métodos que limitem o fluxo das ideias. Não que isso seja bom ou ruim – é apenas o que é. Resolvi deixar o curso e comecei a trabalhar em um projeto que lançarei em breve: uma marca de moda e objetos, baseada em estamparia criativa. Tem sido realmente bom contar com esse trabalho, tenho o respiro criativo e volto à musica muito mais produtiva.

O que tem te interessado na música?
Tenho ouvido mais música eletrônica, dançante ou não. Acabo escutando muita música para andar de longboard, desde que rompi os ligamentos do tornozelo. Gosto de ouvir HNNY, Jungle e recentemente conheci Romare.


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