Margareth Menezes corre para conciliar agendas artística e ministerial

Ministra da Cultura reduziu participações musicais em 90% neste início de ano, mas vai conseguir se apresentar neste sábado no festival GRLS!, em São Paulo.


Margareth Menezes com casaco com grafismos PB
Foto: Lucas Assis



O início de 2023 foi diferente de todos os anos anteriores para a cantora e compositora Margareth Menezes, pioneira da invenção do samba-reggae, que se tornaria o carro-chefe de muitos carnavais brasileiros do final da década de 1980 em diante. Agora alçada à condição de ministra da Cultura no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a artista conta que abriu mão de 90% da agenda artística que costuma cumprir no verão brasileiro, em especial no período carnavalesco de sua Bahia natal. Fez poucas exceções, e uma delas é o festival GRLS!, pelo qual Margareth volta a subir ao palco neste sábado (4.3) no Centro Esportivo Tietê, em São Paulo. Ela integra um elenco musical exclusivamente feminino, que também inclui Sandy, Duda Beat, Lexa, Rachel Reis, Negra Li e as estadunidenses JoJo e Mariah Angeliq (no sábado); Anavitória, Alcione, Manu Gavassi, Majur, Day Limns, Lan Lanh e as estadunidenses Tinashe e Blu DeTiger (no domingo), entre outras.

Intérprete do primeiro samba-reggae que se popularizou nacionalmente, “Faraó (Divindade do Egito)”, de 1987, Margareth manifesta estranheza por se ausentar dos trios do carnaval baiano, onde tem sido figura infalível há mais de 30 anos. “Foi duro fazer isso, mas foi necessário nesse primeiro momento de refundação e reorganização do ministério, em que minhas atenções estão focadas nisso”, ela afirma em entrevista por escrito a ELLE, depois de cancelar seu tradicional trio elétrico no carnaval de 2023, fazendo apenas participações especiais em apresentações no Camarote Expresso 2222, de Gilberto Gil, em Salvador.

Exceção de outra natureza foi sua aparição no carnaval carioca como destaque no último carro alegórico da Mangueira, que defendia o enredo “As Áfricas que a Bahia canta”. Ela obteve aval da Comissão de Ética Pública da Presidência da República para fazer apresentações, a exemplo do que já havia acontecido, sob restrições, com seu antecessor Gil, ministro da Cultura de Lula entre 2003 e 2008. Em outubro, a cantora participará do festival Mada, em Natal (RN), ao lado de Luedji Luna e Liniker. 

Na política institucional, Margareth iniciou sua gestão ministerial enfrentando o legado de desmonte do setor cultural pelo governo Jair Bolsonaro. Em fevereiro, por exemplo, exonerou 14 superintendentes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nomeados pelo antecessor de Lula numa política de privilegiar o relaxamento de regras de proteção do patrimônio, em benefício da especulação imobiliária.

Outro exonerado pela nova gestão foi Marco Frenette, coordenador do Centro de Informação e Referência da Cultura Negra da Fundação Cultural Palmares, que, espelhando práticas nazistas contra o que o regime classificava como “arte degenerada”, promoveu expurgo de obras literárias de Marquês de Sade, Karl Marx, György Lukács, Eric Hobsbawm e Celso Furtado da instituição. Impedido por liminar judicial de destruir ou doar os livros, Frenette os trancou numa sala cuja porta recebeu um cartaz com o desenho de uma foice e um martelo e a inscrição “acervo da vergonha”. Escolhido pela nova ministra para substituir o controverso bolsonarista Sérgio Camargo na presidência da Fundação Palmares, o produtor cultural e militante negro João Jorge Rodrigues, fundador e presidente do bloco afro baiano Olodum, ainda não foi empossado.

A proliferação de eventos musicais centrados em representatividade feminina, negra e LGBTQIAP+ é celebrada como avanço civilizatório pela agora ministra, embora ela observe que há muito a caminhar ainda. A seguir, Margareth fala sobre o festival GRLS! e os malabarismos para a conciliação de agendas.

Além de ter sido nomeada ministra da Cultura, você é uma das atrações principais do festival GRLS!, composto apenas por artistas femininas. A que devemos atribuir esse bom momento do Brasil para a questões de gênero, sexualidade e raciais?

O fato de estarmos com mais liberdade para discutir essas pautas é crucial para que se estabeleça um ambiente democrático real. Penso que ainda não chegamos a um momento propício, mas o fato de a sociedade poder falar sobre esses e outros assuntos e, livremente, lutar pelos seus direitos é muito importante. 

Como é possível conciliar a agenda de ministra com a de artista? Que logística usa para continuar se apresentando mesmo estando num cargo político tão importante? São compatíveis as duas atividades simultâneas?

Estou cumprindo uma agenda com shows que já estavam fechados antes mesmo do convite e de eu assumir o posto no Ministério da Cultura. Ainda assim, a minha agenda artística de verão e carnaval foi reduzida em 90%. Foi duro fazer isso, mas foi necessário nesse primeiro momento de refundação e reorganização do ministério, em que minhas atenções estão focadas nisso. Mas é possível sim conciliar. No carnaval, por exemplo, recebi homenagens e cantei na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro.

Como você vê sua própria trajetória de consolidação do samba-reggae e do afropop brasileiro com as tendências atuais da música brasileira que muitos chamam de afrofuturistas e que estão representadas no festival GRLS! por artistas como Rachel Reis e Majur? O futuro da música brasileira é afro e feminino?

Não existe perspectiva de uma sociedade mais justa se não houver oportunidade para que o povo brasileiro, com toda sua diversidade, se veja representado e em lugares de destaque e de poder. Tenho uma música recente, chamada “Afrocibernética” (apresentada apenas nos palcos, no final de 2022), que fala justamente sobre esse protagonismo da visão afro urbana. Só pode haver transformação social se forem levadas em conta as produções de artistas das periferias. Talento e competência já provamos que temos, mas é mais do que necessária a promoção de ferramentas para difundir essa produção. Desejo boa sorte e parabéns para todas as supermulheres que irão se apresentar nesse lindo festival.

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