Michi Provensi une realismo fantástico e histórias da infância em novo livro

Marinheira de açude será lançado em maio, nove anos depois da estreia da top na literatura, narrando suas aventuras no mundo da moda.


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Quando era criança, Michelli Provensi chegou a ser proibida de frequentar a biblioteca de Maravilha, em Santa Catarina, porque tinha o hábito de recortar os personagens dos livros para fazer suas próprias histórias. “Uma maneira de recriá-las”, lembra. Não havia livrarias na pequena cidade e aquele era o único acesso que ela, desde pequena leitora uma voraz, tinha aos livros. Corta para 2022, e Michi, como é conhecida, aos 37 anos, hoje mora em São Paulo. Tornou-se uma modelo com carreira internacional e se prepara para lançar em 01.05 seu segundo livro, Marinheira de açude, que tem certo gosto de estreia.

Se no primeiro, Preciso rodar o mundo, lançado há nove anos, Michi descreveu aventuras que viveu em seu dia a dia como modelo, na nova obra resolveu se aventurar no realismo fantástico, mas foi buscar inspiração em um outro universo que também lhe é familiar: sua infância. “O outro era dentro do ambiente que eu já vivo na moda. Este é o primeiro de literatura, então é um abre-alas em outro espaço.”

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Foto: Divulgação


Marinheira de açude
nasceu na pandemia, durante uma oficina de escrita criativa de que a modelo participa. Os 18 contos trazem as histórias fictícias de Clédis, Neusa, Julmir e Ivair, entre tantos outros personagens, em pequenas cidades reais como Saudades, Chinelo Queimado, Palmito, Tigrinhos e Flor do Sertão, no extremo oeste catarinense, onde cresceu. O seu laboratório sobre a vida dos colonos, personagens da trama, foi feito à distância, em conversas com familiares durante o período em que escrevia. “Teve essa parte boa de me conectar com eles. Não que uma pessoa tenha me dado uma história, mas cada um trazia alguma coisa, uma lembrança, um costume, um jeito de falar”, lembra. “Tem histórias como a da menina que vai ao baile de Carnaval e dança com o demônio, que eu escutava da minha avó quando era criança. O escritor sempre acaba escrevendo sobre o que ele vive, mas, claro, é um livro de ficção. Como um monte de gente lá da minha família estava comprando (Marinheira de açude já está em pré-venda), escrevi no começo: ‘Esse livro é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é inconsciente coletivo'”, diz, aos risos.

“Sou de uma família de agricultores, até os 6 anos cresci na roça, andava de carroça e ajudava na colheita, secava o açude. Depois, fui para Maravilha. Quando saí de lá, já existia internet, mas eu não tinha celular, computador, essa comunicação. Então, na minha cabeça, a região oeste estava ainda em um lugar muito analógico. E no livro ela ficou um pouco assim, o tipo de comunicação, as distâncias, é outro tempo”, conta. “É um livro de muita observação do que eu achava que era aquele universo, eu tenho essas lembranças de criança, de ficar embaixo da cadeira de alguém escutando alguma fofoca. Quando você é criança, escuta uma coisa e transpõe para um universo fantástico.” E o realismo fantástico hoje em dia, avalia, já nem parece tão inverossímil assim. “Sempre gostei (do gênero). E de uma certa maneira, o mundo já parece um pouco realismo fantástico. Olha o que aconteceu de o TSE tentar proibir os artistas de se manifestarem no Lollapalooza. É até difícil escrever ficção competindo com essa realidade.”

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Foto: Divulgação/Gil Inoue

E problemas enraizados na nossa realidade também estão lá. Machismo, relações precarizadas de trabalho e os agrotóxicos vão surgindo com o avançar das páginas. “Por mais que a história aconteça no passado, a gente tem que tentar trazer para o tempo presente em uma crítica à sociedade que a gente vive. Eu olhei para a região oeste catarinense, mas fui até o Amapá de carro recentemente e o interior do Brasil é todo muito parecido, as questões acabam sendo as mesmas, eu sei que são histórias universais.” Das amigas de infância da região, com as quais conversa em um grupo de WhatsApp, conta, sempre escuta relatos que a motivaram a tocar na questão dos agrotóxicos. “Quis colocar (no livro) porque é um lugar onde as pessoas estão desenvolvendo câncer mais cedo. O homem do campo tem muito contato com os agrotóxicos”, afirma.

Modelo ou escritora?

Embora proporcionem realizações totalmente distintas, as profissões às quais Michi vem se dedicando quase que se complementam, reflete. “Ser modelo é ser um espelho. Você está trabalhando toda hora com a idealização. As pessoas vêem o que querem consumir em você, o que não gostam nelas. A gente cresce achando que é um cabide. E escrever é poder criar muito mais espelhos para as pessoas. Na literatura, você tem a oportunidade de se enxergar nas histórias e de aprender.” E Michi conquistou sua bagagem literária graças ao trabalho em passarelas e campanhas de moda mundo afora. “Quando comecei a viajar como modelo, fui conhecendo um pouco da literatura internacional através das pessoas com quem eu morava. Até demorei a tomar gosto pela brasileira. A profissão de modelo me deu esse gosto pela leitura. Eu morei com muitas russas, por exemplo. Então aprendi a ler os russos. Descobri o meu autor favorito, Mikhail Bulgákov, que recentemente, com a guerra, me dei conta que é ucraniano.”

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Michi Provensi na capa da Elle View de fevereiroFoto: ELLE/Yuri+Ana

Assim, veio a vontade de lançar o primeiro livro. Mas dez anos atrás, uma modelo autora de livros não era vista com bons olhos. “Era uma época em que as pessoas viam uma problemática em você ser muito expansiva. Quando eu lancei, um dos meus bookers da época falou ‘é muito difícil te ‘vender’, porque você canta, dança, escreve e as pessoas só querem uma modelo’. Muitas pessoas vieram me perguntar: ‘Quem escreveu seu livro?’. Para elas, era incabível uma modelo escrever. Tinha muito do estereótipo de modelo ser fútil, burra. Era o oposto do que pedem hoje; para a menina mostrar seus outros talentos.”

E por talentos entenda-se também ser ativa nas redes sociais. “Dez anos atrás, ainda era o começo dessa coisa de influencer. Então, você tinha as meninas que eram famosas porque simplesmente posavam bem, eram boas modelos, entendiam de luz, e isso já não existe mais. Não tinha essa cobrança por comunicação. Pelo contrário, a comunicação era reprimida. Lembro de participar de manifestações políticas e ouvir ‘isso não é legal para a sua carreira’. Agora, se você tem uma causa, é legal defendê-la. Você pode falar de questões do corpo, e as pessoas apreciam”, diz. “Vejo que muitas meninas da minha geração que têm dificuldade de fazer essa transição. E é difícil, porque até então mandavam você ficar quieta, tudo bem se você trabalhava só pela sua aparência. Agora você tem que postar receita na internet”, avalia.

“Muitas pessoas vieram me perguntar: ‘Quem escreveu seu livro?’. Para elas, era incabível uma modelo escrever.”

Comunicativa desde o início da carreira, Michi lembra que por vezes era vista nos backstages como “a chata”, por não se furtar a comentar temas espinhosos ou dar entrevistas. “Eu já era conhecida no meio porque trabalhava com bons estilistas. Mas quando tinha algum jornalista no backstage de fashion weeks que queria falar sobre algum assunto polêmico, diziam ‘fala com a Michelli Provensi’.”

E, entre as passarelas e os livros, já naquela época também gostava de discotecar e cantar. Em 2013, lançou um rap em um clipe com amigas, “All the models in the house”, que satirizava o glamour da vida de modelo. Acabou atraindo a atenção de Emicida, que a convidou para atuar no clipe de “Boa esperança”, em 2015. No mesmo ano, se tornaria também apresentadora da MTV.

Às vésperas do lançamento de Marinheira de açude, está finalizando uma terceira obra e planeja, no ano que vem, que marca uma década de Preciso rodar o mundo, relançá-lo. “Eu leio e tenho faniquito porque era outra pessoa. Quase como se fosse a minha adolescente escrevendo. Quis passar o que era ser modelo, preto no branco. Foi um livro bem acolhido, vendi 5 mil exemplares, até por ser um assunto pop. Fui a primeira modelo (no Brasil) a escrever um livro, antes da Gisele (Bündchen) até, e as pessoas se aproximam muito mais da minha história porque é uma coisa muito mais fácil de alcançar. A vida de uma modelo dez anos atrás era muito mais parecida com o que vivi do que com a de uma top model”, lembra ela, até hoje procurada por modelos e suas mães por causa do livro. “Muitas meninas me escrevem porque leram o livro em algum apartamento de agência pelo mundo. Fico feliz de ter escrito naquela época porque se fosse escrever hoje acho que seria um livro até mais chato. Eu seria um pouco mais malvada também. Ali, fui uma doçura”, conta, gargalhando, para em seguida se corrigir. “Não, eu sou fofa, mas às vezes dá vontade de falar, né?”, encerra, aos risos.


Michelli Provensi – All the Models in the House Official

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