Mostra em Londres une as divas de ontem e de hoje

Rihanna, Maria Callas e Elton John são nomes reunidos pela exposição do Victoria and Albert, que investiga a origem do conceito de "diva" e sua mudança ao longo dos anos.


Tal Rosner/V&A London



O substantivo diva, no dicionário Oxford, possui duas definições. A primeira é “uma cantora famosa, especialmente de ópera” e traz entre os exemplos “a grande diva Maria Callas” e as “divas pop como Beyoncé“. Já a segunda explicação, um tanto mais negativa, é a de “uma pessoa que é difícil de agradar e exige muita atenção”.

Se a palavra, utilizada desde o século 14 para descrever deusas, encontrou seu lugar primeiro na ópera italiana, como forma de retratar um talento artístico excepcional, ela também se espalhou pela Europa conforme o gênero se popularizou no século 19, ganhando, muitas vezes, uma conotação pejorativa.

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Look de Whitney Houston em exibição na mostra Victoria and Albert Museum

Com a exposição intitulada Diva, em cartaz no Victoria and Albert até 7 de abril de 2024, o museu londrino busca entender a origem do conceito e sua flutuação no decorrer dos anos. O aspecto negativo, inclusive, que se colou várias vezes na nomenclatura e fez com que muitas artistas evitassem qualquer associação a ela, é para a curadora Kate Bailey resultado da misoginia e do patriarcado. “Quando você questiona quando e por que o termo passou a ser associado ao excesso de demandas, e olha para o contexto, percebe que essa opção por escrever apenas coisas ruins é também uma maneira de minar o poder”, diz Bailey à ELLE.

Na mostra, que reúne mais de 250 objetos, entre pôsteres, fotografias, revistas e figurinos de nomes que vão de Maria Callas a Lizzo, passando pela atriz estadunidense do cinema mudo Theda Bara, Prince e Lady Gaga, há uma preocupação clara em associar a trajetória das divas a conquistas políticas e sociais. Apesar dos percursos únicos de cada artista, a curadora assegura que “há em comum a luta para desafiar o status quo e fazer suas vozes serem ouvidas”.

Abaixo, veja uma seleção de divas da exposição e como elas foram responsáveis por importantes avanços históricos:

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Segmento da mostra dedicado a Prince Victoria and Albert Museum

ADELINA PATTI (1843-1919)
No século 19, a soprano era considerada a mulher mais conhecida do Reino Unido depois da Rainha Vitória. Nascida na Espanha, filha de pais italianos que emigraram para os Estados Unidos, ela fez sua estreia profissional em 1859 na New York Academy of Music, quando tinha apenas 16 anos. Dois anos depois, já estava sendo convidada para cantar no Convent Garden Theater, em Londres. A artista foi uma das primeiras cantoras de ópera a utilizar da fama para conquistar independência financeira. Ela conseguiu comprar o seu próprio castelo, no País de Gales, e construiu no local um teatro. Conhecida pelo modo de vida extravagante, chegou a usar um figurino desenhado pela casa de moda parisiense Morin-Blossier, conhecida por fornecer vestidos para a realeza europeia. Enquanto lutava contra as noções da imoralidade da época, associada às mulheres artistas em geral, Patti construiu para si uma aura de poder. Tanto que, quando o Los Angeles Times noticiou sua passagem pelos Estados Unidos, a ênfase recaiu no fato dela ter recebido 5 mil dólares para cantar duas canções, além de mesada e carro particular para uso exclusivo.

SARAH BERNHARDT (1844-1923)
Como parte da primeira onda feminista, a atriz francesa desafiou os limites do gênero ao interpretar tanto papéis masculinos como femininos, de Joana d’Arc a Hamlet. Embora não tenha sido a primeira mulher a representar o famoso personagem de Shakespeare, a atriz sabia da repercussão que essa escolha causaria: com ela, atingiu fama e estampou os principais jornais. Mãe solteira, com relacionamentos amorosos que incluíram figuras como o escritor Victor Hugo (1802-1885) e o príncipe Edward (1841-1910), seu comportamento ia contra os padrões e era considerado promíscuo para a época. Entre as suas extravagâncias, que a faziam ostentar joias e andar coberta de peles, estava também a manutenção de um “pequeno zoológico”, com leopardos, tigres e filhotes de leão, além de um macaco chamado Darwin e um jacaré de nome Ali Gaga.

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Maria Callas em La Traviata Houston Rogers © Victoria and Albert Museum, London

ISADORA DUNCAN (1877-1927)
Pioneira da dança moderna, a estadunidense ignorou o balé clássico e criou uma dança livre de espartilhos e sapatilhas, na qual as bailarinas se apresentavam vestindo trajes esvoaçantes, cabelos soltos e pés descalços. Sua opção por figurinos compostos de túnicas claras e curtas andava na contramão de uma sociedade que acreditava que as mulheres deveriam se vestir com recato. Declaradamente bissexual, sua vida atraía críticas constantes dos mais conservadores. Uma de suas missões era compartilhar o seu conhecimento e capacitar jovens por meio do aprendizado. Tanto que, em 1904, ela estabeleceu a sua primeira escola de dança, na Alemanha, subsidiada por suas turnês ao redor do mundo.

JOSEPHINE BAKER (1906-1975)
Em 1926, com apenas 19 anos, a dançarina franco-americana surpreendeu o público do lendário cabaré parisiense Folies Bergère ao aparecer usando apenas perolas, sutiã e uma saia composta de bananas de borracha. O figurino, somado a uma coreografia na qual balançava os quadris e cruzava as pernas no estilo do charleston, foi o suficiente para alçá-la à fama. A roupa é quase um detalhe na história da artista negra que se aproveitou do interesse das pessoas pelo “exotismo” da cultura não-ocidental para lutar contra o racismo e a misoginia. Dentro da militância política, ela chegou a atuar como espiã na Segunda Guerra Mundial e participou da Marcha pelos Direitos Cívicos de Washington, em 1963, onde discursou, ao lado de Martin Luther King, contra a segregação racial. Os restos mortais de Baker, enterrada primeiramente em Mônaco, foram transferidos para a França em 2021, quando ela se tornou a primeira mulher negra no Panteão de Paris.

Cher Elton John and Diana Ross at Rock Awards Santa Monica Civic Auditorium 1975 Photo Mark SullivanContour by Getty Images

Cher, Elton John e Diana Ross em 1975 Mark Sullivan/Contour by Getty Images

MARY PICKFORD (1892-1979)
À medida que o cinema se tornou a mídia mais popular do século 20, conforme a curadora Kate Bailey relata no catálogo da exposição, os estúdios de Hollywood notaram que o público estava ávido por notícias sensacionalistas e que as divas poderiam ser o pretexto para histórias que aumentariam os números das bilheterias. Neste contexto, Mary Pickford se utilizou do sucesso de filmes como Sua vida pelo seu amor (1925) e do rótulo de “queridinha da América” para retomar o controle sobre a forma como os estúdios assumiam as narrativas criadas para as mulheres. Ao lado de Douglas Fairbanks e Charlie Chaplin, a atriz estadunidense criou, em 1919, a companhia cinematográfica United Artists, pela qual ajudou a profissionalizar a atuação, pode produzir os próprios filmes e consolidou as bases para o estrelato feminino.

ELTON JOHN (1947-)
O icônico traje que o cantor vestiu na celebração de seu 50º aniversário, inspirado no rei francês Luís XIV e com direito à peruca e cauda, também é um dos destaques da exposição. A inclusão do artista, que abusou de cores e lantejoulas ao longo da carreira, mostra como o conceito de diva se tornou a partir da década de 1980 cada vez mais fluido. Conhecido por sua luta pelos direitos da população LGBTQIA+, o artista falou sobre sua sexualidade publicamente pela primeira vez em 1976, na revista Rolling Stone, quando se descreveu como “bissexual em certa medida”. Na época, a reação foi negativa e as estações de rádio pararam, inclusive, de tocar suas músicas. Doze anos depois, disse à mesma publicação que estava confortável com o fato de ser gay e, em 2014, assim que a união homoafetiva foi legalizada na Inglaterra, ele e o diretor de cinema David Furnish se casaram.

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O look Balenciag que Rihanna usou no Met Gala em 2021 Victoria and Albert Museum

RIHANNA (1988-)
A solicitação de um camarim com móveis totalmente brancos em sua turnê mundial de 2013 fez com que a cantora ganhasse o rótulo de diva em várias reportagens que destacavam o excesso de demandas. Alguns jornais têm enfatizado o fato dela ser uma das poucas que não autorizou que o público fotografasse os itens à mostra no V&A. Para a exposição, Rihanna emprestou o look Balenciaga usado no Met Gala de Nova York em 2021 e o Margiela que exibiu no mesmo evento três anos antes, inspirado no figurino dos papas. Também estão na mostra o look nude enfeitado com mais de 200 mil cristais Swarovski que ela vestiu no CFDA Awards, em 2014, e o vestido Alaïa que usou no Oscar deste ano, durante a gravidez do segundo filho. Com gola alta e mangas compridas, mas de malha transparente, ele deixava sua barriga em evidência. Nas duas gestações, Rihanna não abandonou sua vocação fashionista e declarou que queria redefinir o que era considerado “decente” para as grávidas.

 

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