Mostras apresentam arte indígena sob a perspectiva dos povos originários

Exposições no Masp, Instituto Tomie Ohtake e no MAC Niterói apresentam produção que vai do Pará às comunidades aborígenes australianas.


Pintura que mostra uma comunidade indígena
"Nepu Arquepu" (Rede Macaco, 2019), de Duhigó Foto: Edson Kumasaka



Três mostras em importantes museus do Rio de Janeiro e São Paulo resgatam os saberes ancestrais e apresentam a arte indígena sob a perspectiva dos povos originários, valorizando seu protagonismo dentro das instituições culturas:

Acelino Tuin Huni Kuin Movimento dos Artistas Huni Kuin MAHKU Kapewe pukeni Jacare ponte Bridge Alligator 2022

Kapewë pukeni (Jacaré-ponte), 2022, de Celino Tuin Huni Kuin, Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) Foto: Hiromi Nagakura

Histórias indígenas, no Masp

Quais outras histórias a arte pode ajudar a contar ou abordar além da história da arte? Como podemos acercar-nos de histórias mais plurais, inclusivas, múltiplas e diversas? São essas perguntas que aparecem no texto assinado por Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, para a apresentação da exposição Histórias indígenas, que acaba de chegar ao museu.

As respostas a essas questões, que desafiam cronologias e hierarquias, no entanto, não são completamente respondidas pelo diretor artístico do Masp, mas aparecem por meio das decisões de diferentes curadores indígenas que assumem a organização da mostra. As obras apresentadas estão divididas em oito núcleos, com a ideia de contar as histórias indígenas sob a perspectiva dos povos da América do Sul, América do Norte, Oceania e Escandinávia.

No que se refere ao Brasil, o núcleo “Tempo não tempo”, com curadoria de Edson Kayapó, Kássia Borges Karajá e Renata Tupinambá mostra como, para os povos originários, o mundo é construído a partir de atemporalidades. Com peças assinadas por nomes como Carmézia Emiliano, Arissana Pataxó, Naine Terena, entre outros, a seleção traz pinturas e desenhos sobre símbolos e rituais, máscaras e cerâmicas e até mesmo performances registradas em vídeo, caso de O parto, de 2021, da cineasta indígena Olinda Yawar.

Já o núcleo “Histórias de pintura no deserto”, com curadoria de Bruce Johnson-Mclean, tem como foco o continente australiano, que é berço de centenas de povos originários. Mas dada a extensão das regiões aborígenes do país, e a incapacidade de abordá-las em uma única mostra, o núcleo propõe um recorte bastante específico. Apresenta a história e os desdobramentos de um projeto artístico que teve início em uma escola local no povoado de Papunta, no Deserto Ocidental, em 1971. À época, a proposta de fabricação de uma série de murais envolveu os moradores da comunidade, que tomou gostou pela pintura para nunca mais abandoná-la.

Até 25/2/24, no Masp

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Kojru me karõ (Menina pulando) Foto: Bepunu Kayapo

Mekukradjá Obikàrà: com os pés em dois mundos, no MAC Niterói

No caso dessa exposição, que será inaugurada no dia 28 de outubro, o tema é a constante transformação cultural do povo Mebêngôkre-Kayapó, que se divide entre terras indígenas no sul do Pará e no norte do Mato Grosso. O conceito (Mekukradjá Obikàrà) pode ser traduzido para o português como “cultura impura”, o que seria resultado do encontro da modernidade com as tradições, mas o Coletivo Audiovisual Beture, que assina a curadoria, prefere tratá-lo como “cultura misturada”.

A principal vontade do grupo, ao organizar a mostra, foi apresentar como os próprios indígenas entendem tais transformações, já que, durante a pesquisa de material, os integrantes se depararam com uma série de imagens que os retratavam de maneira “constrangedora”. “Na curadoria, escolhemos mostrar principalmente aquelas imagens que nos mostram de forma respeitosa e aquelas feitas por nós mesmos”, justifica no texto curatorial o coletivo. “Aprendemos com nossos antepassados a gostar das coisas e dos conhecimentos de outros povos e depois usá-los do nosso jeito, colocando neles as marcas da nossa identidade.”

Assim, grande parte das fotografias e vídeos, além de obras de artesanato e peças históricas que agora são exibidas, foi produzida por eles mesmos. A pesquisa, inclusive, incluiu uma série de viagens a aldeias Kayapó com o objetivo de produzir esse material e desconstruir os estereótipos que circulam sobre a população indígena. Um dos destaques da mostra, ainda, é uma tela deste ano pintada por 15 mulheres Kayapó durante o Acampamento Terra Livre (ATL).

De 28/10 até 26/11, no MAC Niterói

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Arina Yanomami, na aldeia Demini Foto: Hiromi Nagakura


Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, no Instituto Tomie Ohtake

Na mostra, que abre as portas no próximo dia 25 de outubro, embora as imagens expostas sejam do fotógrafo japonês Hiromi Nagakura, quem assina a curadoria é Ailton Krenak. O escritor foi o responsável, também, por guiar Nagakura durante as viagens que transcorreram em um período de quase cinco anos, entre 1993 e 1998. Por isso, o título da exposição: “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak.”

Desde a primeira conversa entre os dois, o intuito de Nagakura era claro: ser a sombra do líder indígena por onde ele fosse, quando estivesse acordado ou dormindo. A escolha, que precisou da presença de uma intérprete em tempo integral, foi o que lhe garantiu acesso a lugares onde só os indígenas andavam. Nessas incursões, o fotógrafo registrou conflitos de terra, garimpos clandestinos e invasões, além de festas e rituais. São imagens que aconteceram, de acordo com Krenak, em “momentos de intimidade”, “com algumas das pessoas que os receberam em suas cozinhas e canoas, praias e rios.”

Nas expedições, que incluíram estados como Acre, Roraima e Amazonas, Nagakura entrou em contato com os povos Krikati, Gavião, Xavante, Huni Kuin, Yawanawá, Ashaninka e Yanomami. No contato com os Huni Kuin, ele subiu o rio Tarauacá até quase a divisão com o Peru, e se encantou com as roupas das mulheres e crianças confeccionadas em tecidos com as cores da floresta. Já com os Xavante, que seguem praticando rituais de formação e iniciação espiritual, o fotógrafo vivenciou as danças circulares e registrou a reunião de homens, deitados no pátio central da aldeia, para sonharem juntos. Na tradição desse povo, é o sonho que direciona os rumos da vida e responde às questões cotidianas.

De todas as fotografias expostas, apenas uma se diz respeito ao povo conhecido como Gavião, pois, no convívio com os habitantes das margens do rio Tocantins, Nagakura realizou poucos cliques. O único deles no Tomie Ohtake traz o líder Payaré com seu filho e uma sobrinha em um barco sobre a sua antiga aldeia, que está agora submersa.

De 25/10 a 4/2/24, no Instituto Tomie Ohtake

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