Os destaques da 35ª Bienal de São Paulo

Edição reúne 1.100 obras de artistas de origens e culturas múltiplas para interpretar o caos do mundo hoje.


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Pink-blue (2017), obra de Kapwani Kiwanga Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo



As estrelas da primeira edição da Bienal de Artes de São Paulo, em 1951, foram o belga René Magritte, o suíço Alberto Giacometti e o espanhol Pablo Picasso. Entre os brasileiros, Victor Brecheret, Oswaldo Goeldi e Lasar Segall. Todos homens brancos. A cada dois anos, durante décadas, essa fórmula se repetiu, com algumas exceções que confirmavam a regra do patriarcado responsável por dominar e escrever a história da arte.

Mais de 70 anos depois, a 35ª Bienal de Artes de São Paulo, em cartaz a partir desta quarta-feira (6.9), inverte essa dinâmica ao prestigiar 121 participantes, sendo mais de 80% deles não brancos, com equidade entre homens e mulheres. A seleção traz cerca de 1100 obras de artistas de origens e culturas múltiplas, escolhidas para refletir sobre o tema desta edição, Coreografias do impossível.

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O pavilhão da Bienal de São Paulo Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

“Esta Bienal não é para afirmar tudo aquilo que sabemos, todo o saber que nos foi dado ancorado numa história de violência, colonial e patriarcal. E que não nos dá nem a linguagem, nem o vocabulário para lidar com o agora e com as urgências do hoje. Queríamos criar liberdade para novas narrativas, essa foi nossa primeira coreografia do impossível”, disse a escritora e artista portuguesa Grada Kilomba, uma das curadoras da exposição, durante a coletiva de imprensa de abertura do evento.

Coreografar o impossível, aqui, serve de metáfora para a maneira que nós, como sociedade e humanidade, encontramos para nos movimentar em meio a um mundo repleto de crises, injustiças, catástrofes, diferenças, pandemias. Não há apenas um caminho possível ou um ponto de vista comum a todos. Para interpretar tantas realidades sem ficar preso a uma única visão – até agora, a dos países europeus colonizadores –, os artistas que compõem a mostra são de todas as partes do mundo e ganham o mesmo destaque daqueles oriundos das regiões que tradicionalmente dominam a economia e a cultura ocidentais. 

Entre artistas, curadoria e programação de talks e performances, veja alguns dos principais destaques da 35ª Bienal de Artes de São Paulo.

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Obra do coletivo Sauna Lésbica Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Artistas brasileiros e internacionais

Organizador e sede do evento, o Brasil é representado por 40 artistas. Há nomes já estabelecidos, como Rosana Paulino, Ayrson Heráclito e Arthur Bispo do Rosário, e jovens talentos, como o coletivo Ocupação 9 de Julho, com obras de artistas, mulheres e crianças que vivem nas ocupações do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro) e a Sauna Lésbica, coletivo criado por Malu Avelar, com as artistas convidadas Ana Paula Mathias, Anna Turra, Bárbara Esmenia e Marta Supernova, que também é DJ. 

Do total dos 120 participantes da exposição, mais de 12% são de origem indígena, repetindo uma representatividade importante dos povos originários brasileiros já vista na edição da Bienal de 2021. Uma plantação de milho de sementes crioulas, obra de Denilson Baniwa, ocupa a entrada do pavilhão. Já no segundo andar há as telas do coletivo Mahku, de artistas da etnia Huni Kuin.

A história do silenciamento e da opressão de mulheres artistas negras é representada na Bienal pela obra da poeta Stella do Patrocínio (1941-1992), da artista performática Xica Manicongo (século 16) e da pintora Aurora Cursino (1896-1959). Patrocínio, internada nos anos 60 à força num hospício onde viveu por três décadas até sua morte, tem sua obra transformada em instalação sonora. Xica Manicongo, escravizada e queimada viva sob a acusação de feitiçaria, é considerada a primeira travesti do Brasil. Já Cursino, que trabalhava como prostituta e também foi internada num hospital psiquiátrico, produziu 200 telas, parte delas em acervos de museus e da Bienal de Berlim.

Entre os artistas internacionais, há o filipino Kidlat Tahimik, que criou obra especialmente para a Bienal, com estátuas da mitologia de seu país cercando um navio de madeira junto a personagens da cultura pop, de Disney a Star Wars. O salvadorenho Guadalupe Maravilha, que expôs ano passado no MoMA (Nova York), é outro destaque, com uma instalação de caráter de cura espiritual, criada a partir de sua experiência pessoal ao enfrentar um câncer agressivo. Canadense de origem tanzaniana, sediada em Paris, Kapwani Kiwanga traz a instalação Pink-Blue, feita a partir de pesquisa dos mecanismos de controle em presídios e instituições psiquiátricas, criando um paralelo com a sensação causada pela luz rosa e azul. Kiwanga, cujo trabalho lida com questões de colonialismo, gênero e diáspora africana, já expôs no Centro Pompidou (Paris), e ganhou o prêmio francês de arte Marcel Duchamp, em 2020.

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Coletivo curatorial da 35ª Bienal de São Paulo: Manuel Borja-Villel, Diane Lima, Grada Kilomba e Hélio Menezes Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Curadores

A curadoria desta edição ficou a cargo de um quarteto: a pesquisadora e crítica brasileira Diane Lima, o antropólogo brasileiro Hélio Menezes, a escritora e artista portuguesa Grada Kilomba e o espanhol Manuel Borja-Villel, ex-diretor do museu Reina Sofía (Madri). Com duas mulheres negras dividindo o comando do evento, a Bienal mostra sua intenção de ter uma visão mais igualitária em termos de raça e gênero desde o topo da hierarquia. Segundo os curadores, o poder entre os quatro é igual. “Essa visão nasceu em nossa equipe curatorial, onde abraçamos um sistema descentralizado, afastando-nos das normas tradicionais. Escolhemos conscientemente não ter um curador-chefe, buscando dissolver estruturas hierárquicas”, disseram. “O próprio coletivo curatorial é uma coreografia do impossível, pois lidamos com perspectivas, vocabulários e conhecimentos diferentes. E só podemos dançar aprendendo juntos”, completa Kilomba.

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Talks e performances

Um dos objetivos desta Bienal é o de promover encontros, como diz um dos curadores, Hélio Menezes. Por isso, há uma programação intensa, muitas delas dentro de obras que foram feitas pensando na interação com o público. É o caso da Sauna Lésbica, que promove vários talks como a da próxima sexta-feira (8.9) com o Collectivo Ayllu, formado por migrantes queer e pessoas racializadas originárias de ex-colônias espanholas. No mesmo dia, Aline Motta promove uma leitura performática de seu livro A água é uma máquina do tempo. Já o artista ganês Ibrahim Mahama promove, além de conversas, oficinas de dança e até apresentações de ballroom em sua arquibancada-instalação Parlamento de Fantasmas. O coletivo Ocupação 9 de Julho e os artistas marroquinos Nadir Bouhmouch e Soumeya Ait Ahmed também promoverão encontros. As primeiras atividades já estão na agenda do site da Bienal. Para saber de tudo, é preciso ir acompanhando as atualizações aqui.

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