O mergulho de Carolina Jabor no universo da política

Diretora registra o momento histórico que o país atravessa com o filme "Transe" e a série de humor "Eleita".


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Foto: Leo Aversa



Carolina Jabor tem uma frase que adora: “Não é sobre ter ideias, mas sobre fazer acontecer”. A cineasta carioca de 48 anos procura segui-la ao pé da letra. Instigada pelos acontecimentos na pré-eleição do Bolsonaro, saiu para filmar a manifestação Ele Não, em setembro de 2018, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, o que resultaria em Transe.

“É um filme que aconteceu no calor dos acontecimentos”, afirma. “Nos inserimos na realidade para fazer uma ficção. Resolvemos experimentar essa linguagem”, conta. O filme, dirigido em parceria com Anne Pinheiro Guimarães, foi exibido no Festival do Rio e na Mostra de Cinema de São Paulo, onde fará mais uma apresentação nesta terça-feira, 01.11. 

A partir do olhar de três jovens livres para amar e atônitos com o avanço fascista (interpretados por Luisa Arraes, Johnny Massaro e Ravel Andrade), o filme traz um registro histórico combinando ficção e realidade. “Eu queria fazer ficção, mas nenhum roteiro estava melhor que os fatos.” As cenas foram bastante discutidas, mas os diálogos eram improvisados na hora pelos atores. “Esse filme mudou meu olhar sobre a encenação”, destaca. “Adorei essa liberdade.”

Paralelamente ao filme, a cineasta, sócia da Conspiração, dirigiu a série Eleita, escrita por Clarice Falcão (que também é a protagonista) e Célio Porto, disponível desde o início de outubro no Prime Video. “É uma sátira política escrita por jovens criadores. Foi uma emoção fazer.” Depois de uma longa espera com a pandemia, vieram meses “eletrizantes”, de muito trabalho, e a diretora viu seus projetos serem lançados juntos. 

Carolina sempre viveu mergulhada no cinema, com influências fortes, do pai, Arnaldo Jabor, que faleceu em fevereiro deste ano; do ex-marido, Guel Arraes, pai dos seus dois filhos, João a Alice; e agora do namorado, o produtor Rodrigo Teixeira. Todas influências muito boas, mas Carolina faz um cinema autoral, atenta aos novos tempos, conectada com o que estamos vivendo. Para falar de tudo isso, ELLE conversou com a diretora em sua casa, no Rio de Janeiro. Abaixo, os principais capítulos desse papo:

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Foto: Pedro Perdigão

Uma ideia na cabeça

Um pouco antes do movimento Ele Não, estava já na minha cabeça a vontade de me aproximar desse olhar para os jovens. Recebi um flyer de uma festa que aconteceria no mesmo dia da manifestação com o tema surrealismo. Falei: ‘Como assim?’. Vi a movimentação das pessoas irem para os dois lugares e pensei, ‘vou filmar e juntar tudo. Vamos ter um evento à tarde, que é das coisas mais reais que a gente possa estar enfrentando e, ao mesmo tempo, a gente vai para uma noite para descomprimir’.” 

Take 1
“Pensei em ter uma atriz para conduzir tudo e foi quando a Luisa entrou no projeto. Ela estava fora do Rio, fazendo novela e filmando Grande Sertão: Veredas com a Bia Lessa, que gravou a peça. Falei com ela que precisava de uma menina para o filme. E a Luisa perguntou: ‘Por que não eu? Eu vou! Consigo ir’. E aí começamos. A primeira diária foi na manifestação Ele Não, na Cinelândia. Antes de tudo, queria tentar registrar esse dia. E sabia que queria fazer uma ficção, desde o princípio.”

Rodando
“A Lulu (Luisa Arraes) chegou e montei uma equipe. Gravamos na manifestação e depois fomos para festa, no mesmo dia, todos montadaços, muitos com itens do Ele Não. Logo na sequência, procurei o Daniel Venosa (diretor de fotografia) e falei ‘vamos fazer mais uma diária’. E ele quis produzir o filme. Foi lindo!”

Elenco
“Eu amo essa história. O Johnny Massaro estava na festa; eu, rodando com a Luisa. Ele passou por ela e falou, meio zoando: ‘E aí, Vídeo Show?’, como se ela tivesse gravando para o programa. Ela respondeu: ‘Não, tô filmando’. Ele deu um beijo de chupão nela, eu filmei, mas não entrou no filme porque estava escuro. No dia seguinte, ligamos para ele o convidando para participar. As pessoas foram chegando no filme. Ele foi acontecendo, conforme as situações se apresentavam. Luisa foi peça fundamental. Ela chamou o Ravel Andrade e começamos os encontros diários.”

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Dupla direção
“A Anne (Pinheiro Guimarães, codiretora do filme) e eu tínhamos feito uma colaboração bem-sucedida, no sentido de cumplicidade, na série Desnude (GNT). Ela é muito politizada, inteligentíssima, muito preparada. Estamos todos respirando a política e a Anne me dava uma grande segurança. As discussões ficavam bem embasadas.”

Influências
“Tivemos uma conversa com o Guel, com seu irmão, o Zé Almino (de Alencar, sociólogo) e o elenco. Uma série de perguntas foram sendo respondidas ao longo desses dias de escrita e discussão. Naturalmente, começamos a procurar nossas influências, as coisas que nos inspiraram para mexer com esse assunto. No filme, a gente tem um grupo de jovens hippies, artistas, acreditando em coisas que a gente acredita – o amor, a música, a poesia, a arte – e um contexto político singular que esses jovens não tinham vivido. Chegamos no Tropicalismo, o que Caetano falava na época da Ditadura, no Godard com La Chinoise (1967), seis meses antes de explodir Maio de 1968. Vimos que a gente estava fazendo um filme político, contextualizado o momento. Tem Os sonhadores (2003), de (Bernardo) Bertolucci também no filme, em que os meninos estavam dentro do apartamento, enquanto o couro comia lá fora. São filmes que nos emocionaram.”

Formato documental
“Anne, Luisa e eu escrevendo, escrevendo. ‘Vai acontecer o ato cristão, vamos lá.’ ‘Vai ter o vira voto, vamos lá.’ A cada situação que aparecia, relevante, preocupante ou apavorante, a gente tentava filmar, muito próximo a um formato jornalístico e documental, mas querendo fazer ficção. Nos inserimos na realidade para fazer uma ficção. Resolvemos experimentar essa linguagem.”

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Foto: Leo Aversa

Mergulho no improviso
“Eu vinha do meu último longa, Aos teus olhos, que é roteirizado, estudado com o elenco, tudo muito controlado no set, muito dirigido. E nesse eu me joguei no improviso, em cima de uma escaleta nada prévia. O elenco sabia o que ia acontecer, mas criava a cena. Nada do que falavam a gente pediu para falarem. Era um mistério se ia dar certo.”

Amigos em cena
“Não tinha figuração escalada. Só tinha amigo nas cenas – um primo da Luísa, a namorada do Ravel… Foi um coletivo o tempo todo. ‘Vamos lá filmar com a gente num bar!” O Matheus Torreão está numa cena fundamental, um pilar do filme quando ele fala: ‘Vocês vivem nos jardins suspensos da babilônia, com unicórnios e amor livre’. O Matheus é uma pessoa muito esclarecida, um roteirista, mas estava ali de Matheus. Essa experiência foi definitiva pra mim. Com certeza mudou meu olhar para a encenação. Meu próximo filme vai incorporar isso, de uma coisa mais solta. Você tem que deixar acontecer. Sou muito controladora, detalhista na vida. E essa liberdade foi muito prazerosa.”

Autocrítica
“O Transe é um filme imperfeito no sentido de estrutura. Um filme feito sem dinheiro, artesanalmente. Foi muito no calor dos acontecimentos, sem muito cálculo e isso é libertador. O filme é sobre uma coragem de filmar, uma angústia, sem pensar demais. É político. Não sou uma cineasta com proposta política, de guerrilha. Racionalmente, não tenho isso, mas o Brasil me levou a fazer esse filme.”

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Carolina e Arnaldo Jabor Foto: Helena Barreto

Enteada e madrasta
“A casa do Guel sempre misturou a vida com a arte. Luisa foi criada na coxia do teatro, com sua mãe Virginia (Cavendish, atriz) e fazendo filmes com o Guel. Foi crescendo e ganhando personalidade, força, voz e um olhar. Ela participou de todos os meus filmes. Neste, já é uma colaboração com ela adulta, cheia de vontades e ideias. Nossa relação sempre foi extraordinária, ela se abriu para a minha chegada, quando tinha 9 anos, de forma muito generosa, querida e amorosa. Eu, por minha vez, já tinha sido enteada, meus pais se separaram muito jovens. Tinha convivido com mulheres do meu pai e maridos da minha mãe. Já sabia como era ser enteada, o jeito de chegar, até onde dava pra ir: ‘Aqui eu entro, ali não’. Foi uma troca muito boa desde sempre.”

Cenas de um ex-casamento
Guel e eu não queríamos nos perder. Uma relação não termina, do nosso ponto de vista. A gente se dedicou a fazer uma transformação nela. A Luisa e nossos filhos fizeram parte disso, nossos namorados (depois da separação), o meu, as do Guel, todo mundo trabalhando pra ficar bom. Foi colaborativo (risos). Tem de preservar o amor. Quando o casamento não está bom, separa. A relação passa a ser de outro jeito.”

Método
O Guel me ensinou a ter método de trabalho. Quando fui fazer ficção em 2005, eu não sabia nem decupar um texto. Entrei no cinema fazendo publicidade e videoclipes na Conspiração, depois a produtora chegou na ficção. O Guel tem um estilo muito próprio, como o meu pai tem o dele, eu tenho o meu. Ele participou muito com metodologia, me ensinou muito.”


Corta para o pai
Eu, de repente, estou fazendo dois projetos políticos. Acho que a gente vai se moldando, se formando, com todo mundo que passa na sua vida. Obviamente, tenho uma influência muito grande do meu pai. E está muito ligada à beleza das coisas. Fui educada vendo Pina Bausch, indo aos shows do Caetano, ouvindo música.”

Luto
Eu estou vivendo o luto. Dá muita saudade, sempre penso no que ele (Jabor) estaria falando nesse momento para mim, sobre o filme. Certamente, ele estaria na frente ampla da democracia. Ele estava muito chocado com o que estava acontecendo. Foi um pai muito presente e forte, sinto muita falta dele. Mas o tenho dentro de mim, dos meus irmãos, Juliana e João Pedro.”  

Rodrigo Teixeira
“O Rodrigo é muito contemporâneo, a ponta do cinema. É o maior cinéfilo que já conheci. Vê filmes o dia inteiro. Tem muita memória, e eu tenho zero (risos). Isso é perfeito pra mim. Ele tem o olhar muito instintivo do que vai ser de vanguarda. Eles três (Jabor, Guel e Rodrigo) são sagitarianos, certeiros.”

Eleita
Ah, (a série é) um sucesso. Correu na paralela ao Transe. Foi uma ideia maravilhosa da Clarice e do Célio. Na hora que me mostraram, falei: ‘Vamos fazer!’. Construímos tudo. Considero heróico a gente ter conseguido, foi um trabalho árduo. Para as coisas saírem não tem milagre, tem de se dedicar muito.”

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