Por que Sade é tão cool?
Cantora anglo-nigeriana lança música inédita depois de seis anos e se mantém como um fenômeno mesmo longe dos holofotes.
Sade é um fenômeno e um mistério. Sem lançar um álbum há 14 anos (Soldier of love, 2010) e músicas inéditas desde 2018 (os singles “Flower of the universe” e “The big unknown”), a banda britânica que leva o nome artístico de sua cantora (Sade Adu, que é acompanhada pelo saxofonista e guitarrista Stuart Mattewman, o baixista Paul Denman e o tecladista Andrew Haleor) renova seu séquito de fãs mesmo sem fazer questão de estar no centro dos holofotes.
Na semana passada, o silêncio foi rompido com a faixa “Young lion”, que confirma que o magnetismo em torno desse nome da música pop e seu estilo inconfundível seguem inabaláveis. Não por acaso, a canção foi escolhida como uma das cinco primeiras entre um total de 46 a serem divulgadas da compilação Transa.
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O disco é o 38º título da série Red hot – que, desde 1990, organiza repertórios em torno de um tema específico. O primeiro Red Hot + Blue, por exemplo, traz versões para músicas do compositor estadunidense Cole Porter e artistas do porte de Neneh Cherry, David Byrne, além de um dueto entre Debbie Harry e Iggy Pop. A música brasileira já foi o mote para dois lançamentos, Red Hot + Rio (1996) e Red Hot + Rio 2 (2012), e reuniu um time estelar que inclui Beck, Caetano Veloso, Cesária Évora, Seu Jorge, Emicida, Sting e muitos outros.
A Red Hot é uma organização sem fins lucrativos dedicada ao combate a AIDS. Transa, especificamente, celebra as comunidades de pessoas trans e não-binárias. Sade Adu tem um filho trans, Izaak Adu, de 28 anos. Em “Young lion”, ela canta: “Forgive me, son / I should have known” (“perdoe-me, filho/ eu deveria saber). Além dela, participam do projeto Andre 3000, Devendra Banhart, Fleet Foxes e Jeff Tweedy (vocalista e líder da banda Wilco), entre muitos outros.
A canção foi escrita e produzida pela cantora, em parceria com Aaron Taylor Dean e Ben Travers. É uma música que se encaixa mais no repertório introspectivo da Sade, sem aquela pulsação dançante e radiofônica de clássicos como “Smooth operator” (1984), “The Sweetest taboo” (1985) e “Paradise” (1988).
Com destaque nas principais publicações musicais, a notícia do lançamento da faixa suscita a reflexão: por que Sade continua sendo tão cool? O passar das décadas, aliás, parece ter elevado a banda a um status do qual ela não desfrutava nem no seu auge de popularidade. A sonoridade que parecia algo datada nos anos 80 e 90, hoje é celebrada justamente por representar uma estética de bom gosto atemporal e original.
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O feito ganha contornos de enigma com a constatação de que Sade parece andar na contramão do que indicam as setas da indústria fonográfica em 2024. A banda tem apenas seis álbuns de estúdio em 40 anos de carreira, não faz turnê desde 2011 (quando, inclusive, veio ao Brasil) e se mantém discreta nas redes sociais. Além disso, a cantora raramente dá entrevistas e, quando abre exceções, não fala quase nada de sua vida pessoal.
ELLE destaca a seguir alguns pontos que fazem de Sade esse fenômeno que mobiliza uma média de 15 milhões de ouvintes mensais no Spotify e acumula mais de 50 milhões discos vendidos.
Abrindo caminhos para Alicia Keys, Erykah Badu e Solange
Desde o primeiro álbum, Diamond life (1984), Sade ocupa um espaço de destaque na música pop. Afora o sucesso alavancado pelos hits “Smooth operator” e “Your love is king”, a banda consagrou uma sonoridade que não tinha precedentes naquele momento. Formada por músicos fãs de soul e jazz (mas sem a pretensão de fazer soul ou jazz), o então quarteto encontrou uma receita musical em que o principal ingrediente era (e tinha de ser) a voz de Helen Folasade Adu.
Ao mesmo tempo que presta tributo a divas do soul dos anos 60 como Aretha Franklin e Diana Ross, a interpretação de Sade e a base instrumental minimalista ergueram uma ponte entre as décadas e pavimentaram um caminho pelo qual percorreriam os artistas de R&B nos anos 90. Alicia Keys, Erykah Badu e Solange encontram os atalhos próprios para seus respectivos sucessos a partir dessa estrada construída por Sade ao longo dos anos 80.
A cantora foi firme ao longo dos anos em não abdicar das próprias convicções estéticas e não ceder à pressão das gravadoras. Depois do sucesso de “Smooth operator” (1984), ela foi convidada para se mudar para os Estados Unidos e trabalhar com o badalado Quincy Jones – produtor, por exemplo, de Thiller, o disco mais vendido da história, lançado em 1982 por Michael Jackson. Poderia parecer loucura, mas ela resistiu à tentação para se manter fiel à formula musical que tinha encontrado com a banda e o produtor musical Robin Millar. O tempo provou que ela estava certa.
Sade, em 1985 Foto: Paul Natkin/Getty Images
O cool também no visual
Sade é uma banda, mas ninguém discute que a identidade visual é pensada em torno da imagem de sua cantora, principal compositora e também produtora dos álbuns a partir de Stronger than pride (1988). Todos os seis discos de estúdio lançados trazem uma foto de Helen Folase Adu estampada na capa. Alguém se lembra do rosto de algum dos outros três integrantes do grupo?
Nascida na cidade de Ibadan, na Nigéria, em 1959, ela se mudou para Inglaterra com a família aos 4 anos. Antes de ingressar na música, Sade se formou em moda na Saint Martin’s School of Art, em Londres, e conquistou algum reconhecimento como designer e modelo no começo dos anos 80. A intimidade com o mundo fashion se reflete no estilo que ela consagrou e inspira até hoje.
O minimalismo que guia os arranjos da banda parece também ser uma referência para o seu visual. Se nos anos 80, a tendência era muitas cores tanto nas roupas como na maquiagem, a artista optou por um visual sóbrio em que o branco, o preto e os tons neutros predominam. Calças de cintura larga e golas altas estão entre suas marcas. O batom vermelho, os brincos de argolas douradas e o cabelo preso em rabo de cavalo completam a receita fashion.
Curiosamente, as redes sociais viram surgir neste ano a tendência Sade Girl, com vídeos tutorias que ensinam como se vestir e se maquiar como a artista anglo-nigeriana. Aos 65 anos, ela segue cool também na moda.
Militância do amor
A palavra “love” está no título dos quatro últimos discos lançados por Sade e no nome de alguns de seus maiores hits: “Your love is king”, “Love is stronger than pride” e “No ordinary love”. E se tem algo que não fica datado (na vida ou na arte), é o amor.
Versão brasileira
Ao mesmo tempo que reconhece influência da cantora Astrud Gilberto no seu jeito de cantar no começo de carreira, Sade Adu é reverenciada por artistas de diferentes gêneros e gerações da música brasileira. O fã desavisado de Racionais MC’s, por exemplo, sentirá um frio na barriga quando ouvir com atenção a faixa “Pearls”, do álbum Love deluxe (1992). Aos 3 minutos da música, ela canta o verso “aleluia” que o grupo de rap mais popular do Brasil sampleou no clássico “Capítulo 4, versículo 3”.
Já “Paradise”, do álbum Stronger than pride (1988), ganhou regravações de duas cantoras brasileiras. A primeira foi lançada em 2018, na voz de Thalma de Freitas; a versão mescla batidas house e samba-jazz e é feita sob medida para as pistas de dança. A outra está no repertório do álbum Um gosto de sol (2021), da cantora Céu, em 2021. No encarte do disco, ela reconhece a importância de Sade em sua formação. “Foi através dela que tive contato com outro tipo de música”, diz. “Antes, era tudo dentro de um formato muito intérprete no Brasil. De repente, chega aquela mulher lindíssima compondo e cantando com um timbre mais quente, mais baixo. Me cativou profundamente.”
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