Quem é o coreógrafo de Normani e Lil Nas X que hipnotiza o público

Nome por trás de clipes como "Wild Side" e "Industry Baby", Sean Bankhead fala à ELLE sobre sua trajetória e seu processo criativo.


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Qual é a linha que costura sua vida? Aquela que está nas suas primeiras memórias de afeto da infância e cresce com você, em todos os meios que você frequenta, seja família, amigos, escola ou trabalho. Qual é aquela coisa que te envolve, te diverte e te move também? Para Sean Bankhead, o coreógrafo por trás dos movimentos hipnotizantes de videoclipes como “Industry Baby” e “Wild Side”, a dança sempre foi um pódio e um remédio. “Mesmo se não trabalhasse com isso, eu ainda estaria mexendo meu corpo toda vez que a música começa a tocar. É contagiante para mim: música me faz querer bater meu pé, música me faz querer mexer meu quadril”, diz Bankhead à ELLE Brasil

Quando criança, Bankhead gostava de assistir a videoclipes e shows das premiações de música. Em reuniões familiares, como aniversários ou Dia de Ação de Graças, ensinava passinhos para seus irmãos, primos e primas. Agora, o coreógrafo deseja levar os videoclipes para outro gabarito criativo, sem esquecer que dança é primordialmente diversão.

“Se eu pudesse ter 100 dançarinos em um trabalho, eu teria”, dispara. “Estou tentando levar videoclipes e coreografias de volta para quando eu me sentia inspirado por eles. Quando eu assistia um clipe da Janet Jackson, Aaliyah, Britney Spears, por exemplo. Essas produções têm mais de 20 dançarinos, o que torna tudo mais intenso e incrível de ver, porque tem tantos corpos fazendo o mesmo estilo de coreografia juntos.”


Lil Nas X, Jack Harlow – INDUSTRY BABY (Official Video)

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Segundo Bankhead, o ritmo da cultura pop hoje não permite mais vários dias de ensaio nem libera dinheiro para contratar um elenco muito numeroso. Quando tem a oportunidade, no entanto, ele sempre pede o máximo de dançarinos possível – com o cuidado de escolher o profissional ideal para cada trabalho. “Consigo olhar para um dançarino e ver que ele pertence à dança suave, meio R&B, meio Normani; ou então é uma pessoa com uma dança mais extravagante, fora da caixa, um tipo de trabalho do Lil Nas X”. Além do já citado clipe Industry Baby, Bankhead também assinou a impactante apresentação ao vivo de Lil Nas X no BET Awards de 2021.

Mas “Wild Side”, de Normani, é o xodó do momento. Por um lado, pela música em si, um R&B lento e melodioso, estilo que ele adora. Por outro, por ter contado com um orçamento maior e tempo suficiente para testar ideias. “Antes de ‘Wild Side’, a gente fez ‘Motivation’, que já gerou um grande impacto, mas fizemos em três dias e com dois figurinos, sabe?”, comenta. Bankhead conta que tem uma relação de de confiança muito forte com Normani e que os dois gostam de se estimular criativamente. Por isso, no novo clipe, quiseram confrontar a imagem consolidada da cantora. “Quando a gente pensa em Normani, pensa em diva, sensualidade, feminilidade, cabelo e quadril, né?”, diz Sean. “Então, a gente quis fazer o oposto disso, dançar como um garoto, tomboy. Queria fazer grooves macios que as pessoas não veem desde Aaliyah. E tivemos tempo para ensaiar tudo muito bem. ‘Wild Side é a sinergia entre eu, ela, diretores, stylists, set designers. Foi bem divertido, mas muito desafiador também!”

Bankhead faz coreografias tanto para videoclipes quanto para apresentações ao vivo e, apesar de gostar de ambos, encanta-se com as possibilidades criativas do filme. “No ao vivo, você é restrito aos elementos do palco, não tem suporte para incrementar a cena, e quem está filmando não teve o melhor ensaio, se teve algum. E tem o nervosismo de alguém errar ou um sapato sair, o que me deixa muito mais ansioso – e eu já sou uma pessoa ansiosa”, explica. Já nos videoclipes a situação é mais confortável: “Você pode criar um tesão no olhar do seu público, fazer truques com movimentos de câmera, regravar a cena para que fique perfeita, sabe?”

Em “Wild Side”, esses recursos foram fundamentais. “A gente sabia que queria continuar mudando e progredindo as cenas, fazendo movimentos que fizessem quem está assistindo se perguntar: ‘Ela está dançando com ela mesma? Ela está deslizando ou o chão está se mexendo?’ Esses elementos são saborosos, mas complicados de coreografar”, conta. A cena do chão é uma das mais marcantes do videoclipe e traz, ao mesmo tempo, um elemento sinestésico e uma perturbação que instiga o olhar a ficar vidrado. Bankhead diz que a ideia surgiu no ensaio, com ele literalmente arrastando Normani em cima de uma toalha. Algo do tipo: ajoelha nessa toalha e deixa eu ver como isso parece. “Quando você tem tempo para testar e planejar, investimento para viabilizar, você chega a um videoclipe como ‘Wild Side'”.


Normani – Wild Side (Official Video) ft. Cardi B

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Sean tem também uma parceria de seis anos com a lendária Missy Elliott, que já rendeu sete videoclipes, além das apresentações ao vivo. Missy é uma pessoa que ele define como rígida, mas em um bom sentido: o tipo de artista que gosta de estimular sua equipe criativamente ao máximo. “Quando você trabalha com lendas como a Missy, que já fez de tudo e tem videoclipes históricos, existe uma pressão para manter essa maré – e melhorar!”, comenta. “Com certeza, é a artista que me deu os trabalhos mais desafiadores da minha carreira, as experiências mais malucas. Toda vez que você pensa em um videoclipe para ela, vai ter uma suspensão, uma pintura corporal, próteses, horas de preparação. E aí você tem que entrar debaixo d’água”, diverte-se. E isso não é força de expressão: “Uma vez ela, quis referenciar ao vivo o icônico videoclipe ‘She Is A B*tch’, mas queria começar com os dançarinos debaixo d’água”, conta. “Ou seja, os dançarinos estavam todos carecas, cobertos de tinta corporal preta e precisam segurar o fôlego debaixo da água. Como é ao vivo, a música começa, o dançarino não sabe que a música começou porque está imerso, então, não consegue ver nem ouvir nada. Chega o momento, eles têm que sair da água e dançar a dança mais difícil que já aprenderam na vida, ensopados.”

Entre histórias de bastidores, Sean confessa que em toda sua carreira sempre teve uma grande preocupação e uma voz de insegurança que dizia: “espero que minhas ideias não estejam acabando”. Na realidade, o que tem acontecido é o oposto: a inspiração vem da animação com um projeto novo e o ciclo sempre se repete. “Se eu gostar da música e tiver um bom elenco de dançarinos, eu coreografo o combo primeiro e depois vou montando formações e mudanças de formação depois – e essa é a parte fácil”, diz. “A parte difícil são os negócios, a organização, o gerenciamento de grana, minha cabeça e meu overthinking antes de começar o trabalho. Isso é estressante. Quando eu entro na sala e começo a criar, a coreografia sai.”

Monsters of Hip-Hop

Embora presente a vida inteira, dança só se tornou um assunto sério para Sean no ensino médio, quando começou a se inscrever para testes de clipes de Ciara ou Usher. Mesmo sem conhecer nada sobre dança profissional, o estudante ia para os testes e tentava. Antes disso, o dançarino teve uma formação muito mais musical, com aulas de piano, saxofone e bateria. “Acho que ter esse passado musical sempre foi uma das minhas armas secretas, porque consigo ouvir e ver música de uma forma diferente quando crio coreografias”, comenta. “Eu posso ver uma melodia, ouvir a bateria e criar meu próprio padrão de bateria com o pé. Ou consigo ouvir aquele sino no fundo, que ninguém está prestando muita atenção, e vou realçá-lo com a dança.”

No momento em que Bankhead começou a se inscrever para testes, buscou também aulas de dança profissional e passou a frequentar convenções na área. Uma, em especial, lhe deu gana para apostar todas suas fichas em si mesmo: Monsters of Hip-Hop. Trata-se de uma convenção de dança nacional, realizada em várias cidades, que promove aulas e encontros entre profissionais iniciantes e mais experientes. “Então, eu fui para Los Angeles, fiz os ensaios e estava trabalhando com os melhores coreógrafos”, relembra. “Toda minha perspectiva sobre dança mudou radicalmente.” Ao final da convenção, há um teste para um show em Los Angeles, que marca o final da temporada, e Sean foi selecionado. “Depois do show do Monsters, eu deveria voar de volta para Atlanta para começar a faculdade. Mas Brian Friedman, que era o coreógrafo da Britney Spears, chegou para mim depois da minha apresentação e disse: ‘Ei, eu quero que você faça o teste para o videoclipe da Britney amanhã, você pode ir?’ Eu disse: ‘Com certeza’. Foda-se a escola. Fiquei em Los Angeles, fui no teste, fui muito mal, obviamente não passei, mas foi o momento em que percebi que era isso que eu queria para mim.”

A preocupação com não ter um ensino superior levou os pais de Bankhead a confrontarem fortemente sua busca pela dança. Ele acabou voltando para Atlanta, marcou presença em três dias de aula e agendou uma turnê com Teyana Taylor e Tiffany Evans. “Fui na turnê e nunca mais olhei para trás”, conta. “Foi o momento em que percebi que estava brigando contra meus pais para buscar um sonho que eles não entendiam e nem era para eles entenderem. Acho que muitas vezes eu soube que, se não encarasse essa bronca, eu não teria a gana dentro de mim para passar por algumas experiências da indústria.”

Essa ruptura levou Bankhead a morar em uma república com amigos que conheceu na Monsters of Hip-Hop, e os vínculos que o grupo construiu há mais de uma década continuam firmes. Segundo o coreógrafo, são seus melhores amigos e colegas de trabalho até hoje. “Eu acho que esse é exatamente o tipo de coisa que você precisa quando é jovem e vive em Los Angeles”, reflete, “Você precisa de uma comunidade, um tipo de família. A indústria do entretenimento pode muito bem mastigar você e cuspir. Ter pessoas que são seus amigos e estão nas mesmas lutas, indo nos mesmos testes, querendo aprender juntos, é muito importante.”

E, se Sean pudesse dar um conselho a si mesmo mais jovem, ele diria: “Tudo vai valer a pena: todo o trabalho duro e estresse perseguindo essa paixão ardente e improvável que é dançar. Eu diria que seus sonhos vão se multiplicar dez vezes.”

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