Elle Fanning: “Nesta indústria, nem sempre me levam a sério”

A atriz produz e protagoniza The girl from Plainville, série sobre Michelle Carter, a adolescente acusada de incentivar o suicídio do namorado.


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Elle Fanning nunca teve medo de abraçar personagens desafiadoras, como a modelo de Demônio de neon (2016) ou uma das mulheres que acolhem um soldado ferido em O estranho que nós amamos (2017). Mas ela tem talvez seu papel mais complexo em The girl from Plainville, criada por Liz Hannah e Patrick Macmanus, que estreia neste domingo (10/07), no serviço de streaming Starzplay. A série é baseada na história real da relação doentia entre Michelle Carter (Fanning) e Conrad Roy III (Colton Ryan). Michelle foi acusada e condenada por incitar o rapaz, que vivia em uma outra cidade, a se suicidar, em 2014, por meio de mensagens de texto.

A série, que conta ainda com Chloe Sevigny no elenco, busca dar tridimensionalidade aos dois personagens e tentar entender o que teria levado Michelle a agir daquela maneira. Também aborda o papel da tecnologia e como uma jovem mulher é julgada antes, durante e depois da sentença, não apenas pelo crime de que é acusada, mas também por seu comportamento e até sua aparência.

É uma interpretação cheia de nuances de Fanning, que também se destacou na segunda temporada da comédia The great, no ar também no Starzplay, na qual interpreta a imperatriz da Rússia Catarina, a Grande. Ela teve um intervalo de poucas semanas para sair da maluquice de uma série cômica de época para o drama da vida real.


The Girl From Plainville | Trailer Oficial | STARZPLAY

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Em ambas, ela embarcou em uma nova função: a de produtora. Aos 24 anos, com uma carreira de mais de duas décadas, Fanning aprendeu a usar sua voz para moldar as séries e as personagens que interpreta para que elas não caíssem em clichês da representação feminina. Na entrevista à ELLE, a atriz falou das dificuldades que uma mulher jovem enfrenta e de como tenta derrubar as expectativas que as pessoas podem ter sobre ela.

Qual o apelo de interpretar Michelle Carter?
Como quase todo o mundo, eu sabia do caso. Eu me lembro de ver no noticiário. Era mais jovem, então não segui tudo obsessivamente. Mas me lembro de ver o rosto da Michelle nas telas, retratada como uma viúva negra manipuladora. E Conrad como vítima, o que obviamente ele foi. Mas, ao mesmo tempo, tudo era muito unidimensional. Era fascinante porque foi o primeiro caso do tipo. Ele estabeleceu um precedente que só poderia acontecer nessa época em que vivemos por estar relacionado à tecnologia. Na época, estava no ensino médio. Então, estava sentindo as mesmas emoções que os personagens, a relação com o telefone, com as redes sociais, bullying online. O falso senso de realidade me intrigava muito (na série, Michelle Carter vive em um mundo de fantasia, e a relação com Conrad se dá basicamente por mensagens, eles só se encontraram pessoalmente cinco vezes).

Mas aceitou de imediato?
Não foi um sim automático, porque essas pessoas ainda estão vivas, e um jovem morreu. Queria ter certeza de que a história ia ser contada de maneira a ajudar, sem sensacionalismo. Tive de pensar, mas depois de ouvir todo o mundo que estava envolvido, achei que queria participar e compartilhar essa história de maneira sensível e cuidadosa. Espero que tenhamos conseguido.

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Olhando para a sua carreira, a impressão é a de que você não tem medo de escolhas ousadas. A Michelle Carter foi condenada e é uma personagem bastante complexa, difícil de gostar. E muitas vezes, ainda espera-se que as personagens femininas, mesmo as complicadas, sejam simpáticas. Fazer uma personagem um tanto antipática é algo que te interessou?
Não foi algo em que pensei. Com cada personagem, tento escolher coisas que vão me empolgar ou me desafiar. Ou algo extremamente diferente do último trabalho que fiz. Tive duas semanas entre The great e The girl from Plainville. Não dá para ter dois papeis mais opostos. Na minha carreira, isso é algo que procuro porque preciso estar sempre atenta, e eu gosto de me sentir assim. Mas na verdade acho que não é preciso gostar do personagem que estou interpretando. Não posso julgá-la e é necessário tentar compreendê-la. Acho que acabei encontrando um ponto de entrada para entendê-la.

E qual foi?
Me ajudou saber que ela realmente amava YA (Young adult, literatura voltada para jovens adultos), Glee, vivia nesses mundos de fantasia. E eu vivo muito em mundos de fantasia porque sou atriz. Interpreto personagens, coloco figurinos, faço de conta, sonho acordada com cenários que não necessariamente vivo. Entendo que é possível às vezes se perder nisso. Especialmente por mensagens de texto, é tão fácil ser uma pessoa que você quer ser.

Acha que casos em que a suspeita é uma mulher chamam mais atenção?
Sim! Tanto hoje quanto ao examinar coisas do passado, vemos como a mídia transforma jovens mulheres em vilãs. Uma mulher jovem é julgada não apenas pelo suposto crime, mas também por não estar chorando ou sorrindo o suficiente. Por estar raivosa demais, ou por não parecer triste. Há muito foco na aparência e em como ela está reagindo e em como deveria estar nessas situações. Agora estamos revisitando histórias de pessoas como Britney Spears e percebendo como a mídia formou uma opinião sobre elas, e como isso mudou a maneira como são vistas.


The Great | Temporada 2 Trailer Oficial | STARZPLAY

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Você cresceu na frente das câmeras, tanto de cinema e televisão como de fotógrafos, paparazzi, redes sociais. Acha que por causa disso preocupa-se mais em como vai ser vista pelos outros?
Sim. Claro que sempre existem os caça-cliques, algo que você diz e que é percebido de uma maneira errada. É inevitável que algo perca o sentido. Acham que você é desse jeito porque usou certa roupa. Você tem de ser tal coisa se tem o cabelo dessa cor ou se sua aparência é assim. Amamos rotular as pessoas. Odeio isso. Cada um tem tantas facetas. Amo quando alguém me surpreende. Gosto de me surpreender comigo mesma. Às vezes, você tem ideias preconcebidas e é legal derrubá-las.

Você é produtora em The great e também em The girl from Plainville. Acredita que encontrou mais sua voz ao ocupar essa posição?
Sim, senti que realmente cresci muito na primeira temporada de The great como pessoa, como atriz, entendendo o que é preciso para comandar um set. Obviamente, eu cresci no set, mas é diferente ver as engrenagens por trás da máquina. Passei a me sentir mais participante de tudo. Sou muito sensível, ajo pela emoção e acho que tomo decisões muito emocionalmente também. Fui aprendendo a colocar mais minhas opiniões. Tenho orgulho disso.

“Cresci cercada de mulheres de opinião muito forte, em várias gerações.”

Nas duas séries, os figurinos são fundamentais para as personagens. Qual é a sua relação com a moda?
Os figurinos obviamente informam muito sobre os nossos personagens. E Catarina, a Grande realmente se vestia para manipular e por intenções políticas. Ela analisava o que precisava vestir em determinadas ocasiões, o que é realmente interessante. E acho que uso a moda da mesma forma, de acordo com o que quero passar naquela ocasião.

Como acha que se deu seu empoderamento pessoal?
Cresci cercada de mulheres de opinião muito forte, em várias gerações: minha avó, minha irmã (a atriz Dakota Fanning), minha mãe, minha tia, minha prima, somos todas meninas, muito próximas e moramos juntas há muito tempo. Felizmente, tive grandes exemplos de mulheres que podem fazer qualquer coisa. Sei que nem todas as mulheres têm as liberdades que tenho, mas tive esses exemplos.

Mas já sofreu por ser mulher, imagino?
Claro. Às vezes, nesta indústria, sou vista apenas como uma jovem, e nem sempre me levam a sério. Tenho de trabalhar um pouco mais nessas salas de reunião para transmitir meu ponto de vista. É preciso lidar com isso, infelizmente.


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