​​”What’s going on​​”, álbum marco de Marvin Gaye, completa 50 anos

Daniel Ganjaman, Larissa Luz e Liniker falam sobre a importância do disco, em forte sintonia com os tempos atuais.


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What’s going on, o álbum mais importante de Marvin Gaye, completou 50 anos neste 21 de maio e em forte diálogo com os tempos atuais. Em setembro passado, o disco passou a ocupar a primeira posição da lista de “500 melhores álbuns de todos os tempos”, da Rolling Stone, atualizada pela publicação, desbancando os Beatles e seu Sgt. Pepper’s lonely hearts club band. Quatro meses depois, Gretchen Whitmer, governadora do Michigan (maior cidade do estado, Detroit é casa da Motown, gravadora que lançou os discos do cantor), anunciou que o 20 de janeiro, data de lançamento do single que dá nome ao disco, passa a ser o What’s going on day, por todo seu legado e questionamentos sobre guerras ou brutalidade policial.

“Acho que o disco todo tem belezas e texturas maravilhosas. Mas a faixa título me emociona toda vez que ouço por sentir que Marvin Gaye direciona sua canção e suas palavras para seu povo, numa intenção de dar um papo reto e, ao mesmo tempo, de acolhimento, ressaltando que não estamos sós. Uma canção de 1971 que faz sentido até hoje e continuará fazendo: o que está acontecendo?”, diz a cantora e compositora Liniker sobre a canção de protesto. “É um grito de desespero! É inconformismo! Me identifico com a força e a coragem que essa canção carrega”, diz a cantora e compositora Larissa Luz.

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Foto: Reprodução

Marvin Gaye (1939-1984) já era uma cantor de sucesso, de hits como “I heard it through the grapevine” e “Ain’t no mountain high enough” (dueto com a amiga Tammi Terrell), quando, após um período de reclusão, gravou a canção. Mas Berry Gordy, criador da Motown, decidiu não lançá-la por não considerá-la comercial. “Foi por insistência de Marvin (que ela chegou ao público). Ele se recusou a gravar qualquer outra canção antes dessa ser lançada”, lembra Larissa. Com o sucesso comercial do single, em janeiro de 1971, o cantor gravou o restante do álbum em março, e a Motown o lançou em maio daquele ano.

O compositor deu voz a todas suas angústias pessoais e às tensões sociais e políticas da época, quando vivia o luto pela morte de Tammi, vítima de um tumor cerebral, e acompanhava o terror vivido pelo irmão, veterano da Guerra do Vietnã (1955-1975) – Spike Lee usou faixas do álbum na trilha-sonora de Destacamento blood (2020), ficção sobre quatro estadunidenses que lutaram no conflito. Em uma época em que os grandes sucessos da soul music eram canções românticas, Marvin Gaye tratou de temas como ecologia, desigualdade social, além de abuso policial e a Guerra do Vietnã. O álbum foi o primeiro dele a alcançar o top 10 da Billboard, além de se tornar o disco mais vendido da história da Motown. Considerado um dos melhores discos de soul de todos os tempos, também deu uma outra relevância ao cantor.


Mercy Mercy Me (The Ecology)

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“Acho que deve ter sido o primeiro disco a abordar de forma clara assuntos como meio ambiente, política e racismo. É um disco que tem uma espiritualidade até pela forma musical que imprime. E esse é o ponto em que Marvin Gaye foi genial: conseguiu traduzir numa estética sonora totalmente sofisticada, sutil e agradável de se ouvir temas muito importantes”, analisa o produtor musical Daniel Ganjaman. “Este é o melhor disco dele, exatamente por abordar temas tão urgentes para aquela época de forma tão delicada. Ele conseguiu acessar as pessoas de uma maneira muito assertiva. Foi algo muito transformador e revolucionário naquela época”, completa Ganjaman.

“Como dizia Nina Simone, o artista precisa refletir o seu tempo. E ele fez isso, brilhantemente.” Larissa Luz

Cinquenta anos depois, o questionamento levantado por ele em um dos versos da canção “Mercy, mercy me (The Ecology)”, que trata da temática socioambiental nunca fez tanto sentido: “Quantos mais abusos do homem você pode suportar?”. O disco, que aborda a violência policial, também foi lembrado após a morte de George Floyd em 2020. “What ‘s going on virou um hino nos protestos do ano passado, nos Estados Unidos. A obra continua sendo atemporal por refletir muito um histórico de luta que vem sendo travado há bastante tempo”, diz Ganjaman. “É um grito sobre as raízes das mazelas sociais que nos assombram até hoje, não só nos Estados Unidos, mas em muitas partes do globo. Se para nós ter que abordar racismo e violência é duro ainda hoje, imagina numa época em que ainda estávamos avançando em tantos quesitos da militância. What’s going on é encorajador, é uma pisada firme no chão!”, diz Larissa. “Como dizia Nina Simone, o artista precisa refletir o seu tempo. E ele fez isso brilhantemente, abordando questões urgentes e inerentes à nossa história. Na minha opinião, compartilhar da forma como ele fez acabou por unir pessoas pretas ao redor do mundo”.

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