Às vésperas da estreia de Miguel Castro Freitas, relembramos as várias fases da Mugler
Nesta quinta-feira, o estilista português faz seu debut na Mugler, etiqueta que traz na bagagem alguns dos desfiles mais teatrais da moda parisiense.
No final dos anos 1980, enquanto Azzedine Alaïa exaltava os contornos femininos e Claude Montana se firmava como referência em sobretudos de couro inspirados em uniformes militares, Manfred Thierry Mugler erguia uma reputação de modernidade extravagante, nutrida pelo futurismo e pela tecnologia. Se havia algo que nunca faltava em seus desfiles era a teatralidade – herança direta de seus anos como bailarino no corpo de baile da Ópera da Renânia. Por coincidência, Miguel Castro Freitas, o novo diretor criativo da etiqueta fundada por ele, também tem a dança em sua história. No posto desde abril, o novo estilista herda o peso e o brilho desse legado e já desponta como um dos grandes frissons da temporada parisiense de verão 2026. Sua estreia acontece nesta quinta-feira (02.10).

Miguel Castro Freitas, o novo diretor criativo da Mugler. Foto: Divulgação
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Português de Santarém, Miguel vem de um percurso sólido e agora encara seu primeiro cargo-vitrine. Ele é dono de uma trajetória forjada nos bastidores, em contraste com um tempo em que muitas casas vem buscando nomes midiáticos para comandar o estilo. Sua carreira inclui a alta-costura e projetos especiais para celebridades na Dior, ao lado de John Galliano. Depois, integrou a equipe de moda feminina na Yves Saint Laurent de 2008 a 2010, sob o comando de Stefano Pilati. De lá, foi para Lanvin, onde atuou como designer sênior entre 2011 e 2013, sob tutela de Alber Elbaz. Ele também chefiou o prêt-à-porter feminino na Dries Van Noten, de 2017 a 2019. Formado pela Central Saint Martins, em Londres, esteve à frente da Sportmax, do grupo Max Mara, de 2021 a 2024.

O inverno 2022 da Mugler, quando a etiqueta era comandada por Casey Cadwallader. Foto: Getty Images
No comunicado que anunciou sua chegada à Mugler, Freitas destacou a honra de aceitar o cargo: “Como um dos grandes costureiros do século 20, Mugler imaginou o poder e os limites da moda. Juntamente com as equipes, estou entusiasmado por trazer a minha própria visão, história e emoção a este patrimônio monumental”. O que joga a seu favor, além da carreira, parece ser o entendimento do imaginário da grife. “Miguel vive e respira o espírito da marca. Seu profundo conhecimento do DNA da casa, somado à criatividade e ao talento, o tornaram uma escolha natural”, reforçou Danièle Lahana-Aidenbaum, presidente global da label.
O desafio é imenso. Freitas sucede o estadunidense Casey Cadwallader, diretor criativo de 2018 até março de 2025. Foi ele quem reacendeu a teatralidade nos desfiles e em filmes bombásticos (lembra de Megan Thee Stallion dançando de jeans ultrassexy?), além de redesenhar para o presente os códigos do corpo tão essenciais à maison. “Quando você trabalha em uma casa histórica, há uma pressão estranha. Um choque entre passado e presente”, resume o designer no documentário Inside the Dream: Mugler (2024), de Matthieu Menu. Antes dele, Nicola Formichetti havia assumido em 2010, conduzindo o retorno da etiqueta ao universo da moda até 2017 e reconectando-a com a cultura pop.

Thierry Mugler e Jerry Hall no desfile de inverno 1995 da casa. Foto: Getty Images
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Moldando o corpo
Desde a origem, Thierry via a mulher como um fetiche. Assim como Montana, amava ombros esculturais e cinturas esculpidas em um momento em que as feministas reivindicavam conforto e o japonismo era sinônimo de desconstrução. Mas, ao contrário do rival, ele não apenas destacava o corpo, mas o moldava por completo. Queria mulheres-deusas e dominadoras em látex e vinil. Entre desfile e espetáculo, preferia sempre o segundo – e sempre repleto de celebridades. Jerry Hall, Veruschka, Lauren Hutton, Diana Ross, Sharon Stone e Tippi Hedren deram pivôs em suas passarelas. Nada escapava ao seu olhar: maquiagem, cabelo, iluminação, trilha, cenário, tudo era dirigido pelo estilista.
Aos 14 anos, ele entrou para o balé, em Estrasburgo, na França. Do palco herdou o poder de seduzir uma plateia. Autodidata na moda, começou desenhando e montando vitrines. Em 1973, lançou sua primeira coleção sob o nome Café de Paris e, com um financiamento, abriu no ano seguinte a Thierry Mugler. Sua estética rompia radicalmente com a imagem da jovem hippie de vestido florido da época. Três anos mais tarde, ele inaugurou sua primeira loja e lançou uma linha masculina. Apaixonado por fotografia, foi o primeiro designer a clicar suas próprias campanhas, a partir de 1978. O ponto de virada da marca viria em 1984, quando ele montou um espetáculo revolucionário para mais de 6 mil pessoas – metade delas público pagante –, que mudou a história da moda francesa. Em 1986, comprou a parte de seus sócios e se tornou o único dono da etiqueta.

O inverno 1999 da Mugler. Foto: Getty Images
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A partir de 1992, a alta-costura virou seu parque de diversões e, os materiais não convencionais, seu brinquedo favorito. Para o inverno 1995, ele criou um desfile monumental no Cirque d’Hiver, com 300 looks fetichistas e James Brown de trilha sonora. O jornal The New York Times chamou o evento de Woodstock da moda. Para o verão 1997, imaginou mulheres-insetos. Já no inverno 1999, ousou cortar um tailleur, transformando o blazer em minissaia quase indecente, coroado por um chapéu gigante. Escândalo ou fascínio, Thierry vestia mulheres que adoravam seduzir. Naquele final dos anos 1980, já aclamado mundialmente, ele vivia rodeado pelas supermodelos Naomi Campbell, Claudia Schiffer, Kate Moss, Linda Evangelista e Cindy Crawford.
Em 1990, Thierry decidiu expandir o império com fragrâncias. Seu maior sucesso, Angel (1992), nasceu do pedido feito ao perfumista francês Olivier Cresp: criar algo infantil e suave, mas carregado de sensualidade. Foram cerca de 600 testes até alcançar a fórmula perfeita, inaugurando a era dos perfumes gourmand, com mel, chocolate, baunilha, caramelo, patchouli e sândalo. O frasco, em forma de estrela azul facetada como diamante, foi assinado pelo ateliê Verreries Bross.

Linda Evangelista na passarela de inverno 1995 da Mugler. Foto: Getty Images
Mudança de rumo
Em 1997, a Clarins tornou-se a principal acionista da marca, encerrando as linhas de vestuário para focar em fragrâncias. Em 2002, Thierry se aposentou e mudou para Nova York, adotando o nome Manfred. No entanto, ele não ficou parado: criou figurinos para o Cirque du Soleil, além de fazer consultoria artística e assinar os 58 looks da turnê I Am… World Tour, de Beyoncé, em 2009. A cantora se encantou por ele no ano anterior, ao ver um de seus espartilhos na mostra Superheroes: Fashion and Fantasy, no Museu Metropolitano de Nova York, que analisava como os superheróis são metáforas para a moda e como a moda traz poder e transforma o corpo. Em 2019, o criadore retornou aos holofotes com o icônico vestido de gotas usado por Kim Kardashian no MET Gala, feito de látex e com cristais que imitavam água escorrendo. Nesse mesmo ano, foi celebrado na exposição Thierry Mugler: Couturissime, no Montreal Museum of Fine Arts, que depois seguiu para o Musée des Arts Décoratifs, em Paris. O visionário Manfred Thierry Mugler faleceu em 23 de janeiro de 2022, aos 73 anos. Sua moda superlativa agora aguarda novos contornos.

Beyoncé usando Thierry Mugler na turnê I AM..., em 2009. Foto: Getty Images
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