SPFW N56: João Pimenta
João Pimenta encara as dores e belezas do Brasil de frente em desfile sobre sincretismo religioso na SPFW N56.
João Pimenta decidiu tratar de sincretismo religioso em sua apresentação na SPFW N56. O tema é difícil, bastante complexo.
A mistura que se tornou uma convenção ao tratar a espiritualidade no Brasil é marcada por violências, principalmente raciais, e demanda um mergulho profundo, um olhar sensível, uma pesquisa cuidadosa. E vale dizer: João Pimenta é um homem branco.
Ainda assim, essa história também passa por ele. Primeiro, porque João é também um criador brasileiro interessado pela história de seu país, principalmente a religiosa. E, até aqui, esse interesse parecia puramente imagético – talvez até fosse.
João Pimenta. Foto: Ze Takahashi/ @agfotosite
Em várias coleções da trajetória do estilista, esse olhar para a história religiosa do Brasil virou praticamente uma assinatura sua. A influência cristã se fez presente em muitas roupas com jeito de batina ou na decoração ostensiva que ele emprestou de igrejas barrocas.
“Acontece que o sincretismo religioso não é uma história completamente bonita. Essa mistura, na verdade, nos desceu goela abaixo forçadamente. Ela aconteceu com muito silenciamento do povo preto”, explica o doutorando e professor Kledir Salgado. O designer e pesquisador de moda foi convidado por João para uma mentoria sobre o tema, uma consultoria de linguagem.
João Pimenta. Foto: Ze Takahashi/ @agfotosite
“O João já trabalhava com sincretismo antes, mas ele se preocupou em ser um homem branco respeitoso ao abordar essa história mais profundamente”, diz Kledir. Além dele, Cintia Félix, professora e estilista da marca Az Marias, também participou como consultora de diversidade. E vale pontuar que as coleções de João Pimenta também contam com a participação ativa de seus alunos do Senac. Aliás, a beleza do desfile da SPFW N56 é, pela primeira vez, assinada por estudantes da instituição.
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“Um fato curioso é que, antes mesmo dele me contar o tema, eu brinquei que tinha achado a coleção uma mistura de Nossa Senhora com Orixás. Foi então que percebemos um caminho interessante ali: havia uma multiplicidade no design a ponto de não sabermos mais de onde vinha cada coisa”, conta Kledir. Apesar disso, o professor afirma que, após as discussões, vários rearranjos estéticos foram feitos para que houvesse uma real delicadeza em relação ao tema.
João Pimenta. Foto: Ze Takahashi/ @agfotosite
Por essas razões, apesar de pouco fácil, a história se desenrola bem nas roupas do estilista. Em uma paleta majoritariamente preta, dourada e branca, a bata caiu pesada em cima das rendas brancas do candomblé, as linhas eclesiásticas encontraram as curvas da umbanda e as túnicas duras foram amarradas por laços e babados da baiana.
João Pimenta. Foto: Gabriel Cappelletti/ @agfotosite
Existe ainda um outro fator que contribui com a linha de pensamento proposta pelo estilista e seu colaborados nesta SPFW N56. O homem que ele veste é, em si, uma mistura intrincada. Usa casacos pesados, sobreposições, renda com bordado, jacquard com tecido acetinado e por aí vai.
João Pimenta. Foto: Ze Takahashi/ @agfotosite
O resultado não poderia ser outro: um relato em roupa do que é o Brasil, encontros forçados que construíram uma beleza múltipla, mas que é muito nossa.
João Pimenta: olhar cuidadoso sobre um tema delicado. Ze Takahashi/ @agfotosite
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