SPFW N58: Apartamento 03

A Apartamento 03, de Luiz Cláudio, desfilou nesta sexta-feira (18.10) falando de café na SPFW N58. Sempre atento à construção do produto, a perspectiva do tema que ele usa como referência vale muito a pena ser contada.

Sabe aquela ideia de chamar alguém para tomar um cafezinho em casa? Bem, quase todo brasileiro consegue se relacionar com isso, mas um mineiro, como Luiz Cláudio, sabe ainda mais como é.

Leia mais: PatBo e Apartamento 03 anunciam colab.

Apartamento 03 Foto: Marcelo Soubhia @agfotosite

Ele lembrou que é uma tradição servir o primeiro café para os pretos velhos. E tudo isso o levou à história desse fruto no Brasil e àqueles que o colhiam, principalmente nas fazendas no sudeste do país.

Para entrar no assunto com seriedade, o estilista conversou com Ronaro Soares, barista especialista no cultivo do café em terras brasileiras, e como aspectos raciais e sociais estão atrelados a isso.

Baseado em livros como Os barões do café e a escravidão, Luiz Claudio fez toda uma pesquisa sobre o tal do ouro verde que enriqueceu muita gente, gerações de famílias, levantou casarões, mas nunca foi parar nas mãos de quem plantava e colhia. O desfile tem como objetivo prestar uma homenagem a essas pessoas.

O artista Paulo André, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, criou pinturas com manchas de café que lembram um tie-dye. Elas foram digitalizadas, viraram estampas e estão em camisas e calças de seda, além de chemises e saias plissadas e balonê.

A paleta de cor da coleção vai da versão in natura do café, verde e vermelha, à torrada e coadinha, em marrons e pretos. Patches no formato da planta também são costurados para formarem um vestido, que lembra um pé de café ambulante.

Essa história é desenvolvida a ponto de chegar em produtos variados e muito bem resolvidos, como macacões e trench coats, uma alfaiataria rebuscada, com paetês ou com pedras incrustadas e canutilhos pontuando brilhos.

Uma cobra coral escapa dos looks e tem um significado espiritual para o estilista. Em religiões de matriz africana o animal não é visto como algo ruim. Pelo contrário, é um espírito bom que representa a esperteza, a sobrevivência e a sagacidade. Trata-se de mais um símbolo de reverência aos antepassados negros.

Por último, e, na verdade, a parte que é o começo da coleção, está uma colaboração quase imperceptível, mas importante: é com a dupla de designers Dane e Luiza Luz. As duas são donas do Estúdio Veste, que mantém um projeto chamado Pano Território, em que plantas da edificação de residências são bordadas em panneaux para contar a relação da arquitetura de uma casa com a história de uma família.

Apartamento 03 Foto: Marcelo Soubhia @agfotosite

Para a coleção da Apartamento 03, Luiz fez um convite desafiador para as duas: colaborarem com uma pesquisa sobre as plantas baixas dos casarões dos senhores de café paulistas, principalmente a parte dos porões, onde as pessoas escravizadas ficavam.

Em tecidos brancos, elas bordaram desenhos técnicos de casarões dos Campos Elíseos, bairro na região central de São Paulo. Elas encontraram também desenhos de engenharia usados para planejar os navios negreiros, ou barcos tumbeiros, que trouxeram forçadamente homens e mulheres da África para serem escravizados por aqui. Esses navios eram projetados de forma a encaixar o maior número de pessoas possíveis.

Segundo a dupla, a ideia do trabalho não é, claro, se opor a símbolos históricos, mas lembrar do passado, a partir de outros pontos de vista invisibilizados. Nas mãos de Luiz, esses panos viram roupas que lembram vestes litúrgicas, de modo a também recordar que todo esse esquema foi feito com o aval da igreja.

“Ao mesmo tempo, quando eu olho para essa série de brancos vejo de alguma maneira esses antepassados voltando. Eu queria fazer uma coleção para agradecer a eles, os que vieram antes. Eu estou aqui por causa deles, falando de beleza por causa deles. Preciso agradecer”, afirma o estilista.