ArtRio 2024: Rodrigo Garcia exibe velas feitas em parceria com neta de Picasso
Designer uruguaio traz para a feira de artes a coleção criada com Diana Picasso e a instalação Mushroom Conversations. Ambas têm no micélio seu ingrediente mais surpreendente.
Foi um motivo bucólico que levou o designer Rodrigo Garcia a uma descoberta que marcou sua carreira. Uruguaio de Flores, no interior do país, uma região que permaneceu sem energia elétrica até os anos 1990, ele sempre gostou de passar as noites à luz de velas. Mas vivia incomodado com o material de que elas eram feitas. Afinal, a parafina é um derivado de petróleo. Decidido a buscar uma solução mais limpa e natural, ele encontrou nos laboratórios de Grasse, a capital internacional da alta perfumaria, no sul da França, a parceria ideal. Ali, pôde desenvolver velas com materiais veganos, livres de parafina, e aromatizadas com essências puras. Assim nasciam as velas Amen, que, para completar, são envasadas em porcelanas produzidas em Limoges, também na França, uma referência nesse tipo de cerâmica desde o século 18.
Só faltava a embalagem. Pesquisando uma alternativa ao plástico, Rodrigo descobriu o micélio, o emaranhado vegetal que sustenta fungos e cogumelos. Resultado: as velas vêm em elegantes suportes feitos com esse material, 100% biodegradável e com carbono negativado. “Só reciclar plásticos não é uma saída. Hoje, apenas 9% deles são reutilizados, enquanto bilhões de novos são produzidos. Não vejo sentido em usar plásticos que levariam 500 anos para se decompor em velas que duram 50 horas”, explica.
Designer uruguaio e Diana Picasso desenvolvem linha de velas. Foto: Divulgação
A estreia, em grande estilo, foi na badaladíssima Dover Street Market, em Paris, e acabou chamando a atenção de ninguém menos do que Diana Picasso, neta do pintor nascido na Andaluzia, que preparava uma exposição baseada em cartas que ele havia enviado para avó de Diana, Marie-Thérèse, na época em que ainda eram amantes.
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Diana e Rodrigo criaram então uma coleção de cinco velas inspiradas nessa correspondência e nas obras do artista para acompanhar a mostra. Cada uma delas traz um desenho e uma essência diferentes. A da pintura “Violão e Mão Branca”, com as iniciais de Marie-Thérèse, vem perfumada com jasmim, já que em uma das cartas Picasso se dirige poeticamente à amante como “mãe de perfumes pungentes, com jasmins estrelados”. A de âmbar traz “Nu deitado”; a de figo, “Estudo para uma bandolinista”; a de gengibre, o “Acrobata”; e a de laranja e canela, aromas que lembram a infância do pintor, a “Figura”.
Garcia apresentará instalação Mushroom Conversations na ArtRio. Foto: David Foessel / Divulgação
Por coincidência, todas são do final da década de 1920 e início da de 1930, fase surrealista do autor. Foi justamente em 1927 que Picasso começou seu caso de amor com Marie-Thérèse. Apaixonado, ele passou a retratá-la compulsivamente em pinturas e esculturas, ressaltando suas formas sensuais, afastando-se do traço cubista.
Segundo Rodrigo, a escolha das obras foi muito intuitiva. “Eu e Diana passamos uma tarde olhando o catálogo de obras e rapidamente entramos em sintonia. Definimos os desenhos naquele dia. São todos muito simbólicos”, conta. Em seguida, veio a escolha das essências. Cada uma delas dentro do espírito da gravura, como a de âmbar, sensual, que acompanha o nu, enquanto o energético gengibre faz par com o acrobata.
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“Em vez de usar blends, preferi respeitar a natureza e manter as essências puras, sem mistura alguma”, revela. Uma curiosidade é que Grasse fica a menos de 30 quilômetros de Antibes, onde Picasso manteve um estúdio por muitos anos e conviveu com esses aromas, presentes na região. O fato de as velas serem livres de plásticos também guarda sintonia com o trabalho do pintor. “Em suas mais de 50.000 obras, ele nunca usou plástico como meio, embora tenha experimentado todo tipo de material e o plástico estivesse na moda no mundo da arte naquela época”, frisa Diana.
Detalhe da instalação Mushroom Conversations, que será apresentada na Artrio 2024. Foto: Divulgação
Agora, a coleção de velas Picasso, que estreou no museu dedicado ao artista, em Paris, passou pela Freeze Fair e pela Design Miami e marcou presença no Metropolitan Museum, de Nova York; no LACMA, de Los Angeles; e nas galerias Gagosian, desembarca no Brasil. Junto com a instalação de arte Mushroom Conversations, também assinada por Garcia, elas estarão na ArtRio, que abre sua décima quarta edição no próximo dia 25 de setembro, na Marina da Glória.
Além da Picasso, outra linha da Amen, a Chakras, que vem em sete versões (vetiver, eucalipto, jasmim, gengibre, lavanda, sândalo e rosas, para acionar os diferentes centros de energia do corpo), vai estar disponível por aqui. Ambas podem ser adquiridas na plataforma da ArtRio ou na Neeche, do Shopping Iguatemi, em São Paulo.
Mais do que mostrar seu design, Rodrigo tem uma proposta política com os trabalhos que vai apresentar aqui: “Meu propósito é gerar conscientização, abrir espaço para essas conversas, para essa busca por alternativas sustentáveis”, afirma. “Eu acredito no poder da arte e do design de questionar, de convidar a pensar. Vivienne Westwood costumava dizer que a arte não deve ser popular nem agradar todo mundo, no sentido de abordar o que não se está falando. Eu concordo. Como designers, temos a responsabilidade de nos posicionar”, diz Rodrigo, que termina a entrevista com uma brincadeira: “No final, consegui o que queria. Transformei Picasso em um ativista pelo meio ambiente.” Com razão, pelo planeta toda ajuda é mais do que bem-vinda!
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