Esta casa de vidro tem vista privilegiada de Belo Horizonte
Três blocos de concreto se empilham e se debruçam sobre a capital mineira formando uma casa de vidro com uma vista espetacular. Um projeto em família, que reúne o arquiteto Marcelo Alvarenga e, no papel de cliente, seu irmão.
Num estado plural – plural de montanhas, plural de minérios, plural de mineiros, como o escritor Affonso Romano de Sant’anna definiu as Minas Gerais –, são raros os terrenos planos. Projetos erguidos em aclives ou declives fazem parte da paisagem da capital. Muitas vezes, você chega a um topo, onde está a garagem, e a construção fica para baixo, mais escondida, discreta, “mineirinha”. Isso é justamente o que o morador desta casa de vidro não queria.
Como proposta para o seu terreno-penhasco de 1.500 m² na paisagem de cerrado de Nova Lima, pertinho de Belo Horizonte, o cliente desejava uma casa “comercial”. “Como assim, Guilherme?”, perguntou o arquiteto. Instalou-se um ruído divertido e curioso na comunicação, mas rapidamente desfeito. Afinal, eles são irmãos, cliente e arquiteto mineiros, respectivamente Guilherme e Marcelo Alvarenga, que está à frente do escritório Play Arquitetura e trabalhou como colaborador de Isay Weinfeld por sete anos em trabalhos importantes, como o Hotel Fasano Las Piedras, em Punta del Este, Uruguai.
Vista da caixa de vidro, em balanço, que abriga salas e cozinha; no volume de cima, escritório, sala de TV e terraço voltado para as montanhas. Foto: Studio Tertúlia
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Aos poucos, Marcelo entendeu o pedido aparentemente insólito. O sentido de “casa comercial” para o irmão, que é engenheiro, era exatamente o oposto do imaginado: ele queria um projeto arrojado, e não convencional. “Uma casa aparecida”, como expressou, e não que desaparecesse para baixo. A partir dessa constatação, Marcelo deu início a uma obra verdadeiramente exuberante.
Sala de estar com sofá assinado por Marcelo e Susana Bastos. Mesinhas da linha Leva, com tampo metálico, que funciona como bandeja, e banco BO, que ganhou esse nome em referência a Maria Bonita e Lina Bo Bardi. Todos da Alva. Foto: Studio Tertúlia
Três imensos blocos empilhados, como se brotassem da terra, se debruçam sobre uma belíssima vista da capital mineira. Uma casa aparecida de verdade. Altiva, grandiosa, ela é bruta e igualmente etérea. Contrasta com o ambiente natural e ao mesmo tempo está integrada a ele. Todos os andares nos levam às alturas, mas todos também dão acesso ao terreno. “A relação da arquitetura com a topografia foi o maior desafio”, conta o arquiteto.
Em terrenos bastante íngremes, as casas muitas vezes se configuram como apartamentos, já que a pessoa não coloca os pés no chão. “Eu queria uma casa que tivesse acesso tanto para o terreno natural como para uma área que pudesse ser um jardim mais fácil de usar.” Assim, Marcelo inverteu o esquema convencional, fazendo os quartos junto à garagem, no primeiro pavimento, embaixo da área social. Sobre o teto dos quartos, fica um jardim com piscina e a varanda.
Sobre a mesa de centro, escultura Abacate, de pedra-sabão e latão. Todas as peças são da Alva Design. Foto: Studio Tertúlia
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Castiçais de bronze fundido, pedra-sabão e madeira, da Alva Design. Foto: Studio Tertúlia
A área interna desse segundo andar é uma caixa de vidro, um balanço, onde estão cozinha e estar – um estar voando, que é a sensação que se tem recostado em um sofá da sala e em suas “esquinas”. “Como a casa tem essa vista, eu fiz questão das esquinas, de as pontas serem puro vidro. Existe pilar, mas internamente e bem levinho. O destaque é o envidraçado”, afirma o arquiteto. Em cima, ficam o escritório, uma sala de TV e o solário. A parte da frente de todos os pavimentos está dependurada e de cara para um cenário deslumbrante e, atrás, todos os pavimentos levam ao terreno. “Eu criei o acesso. Acomodei o terreno para que tivesse essa relação mais gostosa”, diz Marcelo.
Detalhe da cozinha e do gramado com horta. Basta abrir a janela e colher. Foto: Studio Tertúlia
O projeto foi desenvolvido em duas etapas. Em 2011, quando foi inaugurado, e em 2022, ao ganhar uma reforma e a finalização do décor de interiores. Nesse ínterim, o casal foi morar com os dois filhos nos Estados Unidos. Para o retorno da família, com os filhos já emancipados, foi pedida uma reforma. Guilherme sempre achou a cozinha um ambiente que não era exatamente exibido (como tinha proposto para a casa), mas pequena, tímida. Agora, com a chegada dos equipamentos eletrodomésticos no padrão estadunidense, avantajados, nada cabia. Além disso, a moradora, Eliane Alvarenga, conta que queria manter o american way, com uma cozinha grande, a família toda ali reunida, enquanto se cozinha. “O paladar não retrocede”, diz, brincando, Marcelo “Play”, apelido carinhoso dos tempos de garoto por causa do cabelo à la Playmobil – uma brincadeira que acabou dando nome ao seu escritório de arquitetura.
Na estante, as caixinhas de laca azul saem e se encaixam nas amarelas, formando um divertido zigue-zague. Foto: Studio Tertúlia
Os moradores também pediram mudanças na varanda, cujo uso era prejudicado pelo forte sol poente. O espaço foi estendido, transformando-se numa área de lazer, que surge do vazio da antiga varanda. Alguns degraus e um grande banco fazem a transição para essa nova área, construída sobre o jardim e protegida por um pergolado. Marcelo assina todo o design de interiores, mesclando peças da Alva, uma empresa de móveis e objetos que mantém com sua irmã, a artista e estilista Susana Bastos, e o mobiliário dos donos da casa, de cuja escolha ele participou ativamente.
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Painel também foi desenhado pelo escritório Play Arquitetura. Foto: Studio Tertúlia
Como arquiteto com cabeça de designer, seu escritório faz uma arquitetura de interiores que inclui fortes elementos de marcenaria. É o caso do imenso lambri de cumaru, que envolve a porta de entrada, uma adega e o lavabo. “Viva os lambris que disfarçam portas!”, diz, brincando, Marcelo. Uma peça-evento: o enorme painel colorido de fórmica, com padrão geométrico cortado a laser. Ele tinha uma vocação para a camuflagem, “mas não era para camuflar nada. Ao contrário, era para ficar bem expressivo”, conta o arquiteto. Ou ainda uma estante para ser montada ao gosto e humor do morador, com desenhos arquitetônicos. Já o imenso volume em balanço ganhou da família outro balanço, imprimindo um traço poético em meio à grandiosidade arquitetônica.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 2 da ELLE Decoration.
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