Exposições e projetos revisitam legado de Burle Marx 

Passadas quase três décadas de sua morte, o maior paisagista brasileiro é tema de exposições e inspira criações de profissionais como Alex Hanazaki.


Burle Marx: vista aérea do sítio do paisagista em Barra de Guaratiba
Vista aérea do sítio de Burle Marx em Barra de Guaratiba. Foto: Leonardo Finotti



Celebrado em exposições mundo afora, referenciado por colegas de profissão e com o seu acervo em catalogação pelo instituto que leva seu nome, Roberto Burle Marx tem seu legado visionário, e mais atual do que nunca, revisitado. Conheça os paisagistas que se inspiram em sua trajetória

Burle Marx faz parte de uma galeria de gigantes. Nomes como o dele, assim como os de Tom Jobim e Oscar Niemeyer, ajudaram a formatar o imaginário de um Brasil melódico, exuberante e atraente. Um dos grandes que ajudaram a colocar o país no mapa cultural do planeta. 

Leia também:
Osklen faz coleção em homenagem a Burle Marx

Morto em 1994, o paisagista, artista e escultor modernista era também um ativista ambiental. Muito além das combinações surpreendentes que criava em seus jardins, misturando com criatividade a flora natural brasileira, ele temia pela Floresta Amazônica e sempre que podia alertava sobre os perigos de sua devastação. Isso desde os anos 1970, década em que se deu início ao desmatamento na região.

Esse era apenas um dos temas sobre os quais ele versava com profundidade e firmava seu pensamento visionário. Entendedor de ópera e de música lírica, aprendeu a ouvir os clássicos eruditos na Alemanha, onde morou quando criança. Nesse mesmo país, começou a tomar gosto pelas plantas, inclusive as tropicais, presentes no Jardim Botânico de Berlim. Ali, nascia a sua vocação de senhor do tempo. 

Burle Marx: paisagem da Fazenda Marambaia

Jardim de Roberto Burle Marx na Fazenda Marambaia, em Petrópolis (RJ).. Foto: César Barreto

Burle Marx dizia que “um jardim é criado para as gerações futuras”. Afinal, o esplendor de um jardim leva anos para maturar e dispensa prazo de validade. 

Foi ele também quem ensinou, à sua geração e às seguintes, a preservar aquilo que melhor demonstrou ao mundo: a beleza da vegetação nativa do Brasil, suas cores, texturas e formas exuberantes. Quase 20 anos depois de ter nos deixado, seu legado permanece vivo e em transformação.

Haruyoshi Ono, morto em 2017, seu pupilo e sócio de escritório, foi por anos o principal nome à frente dessa missão. Mas esse é um trabalho coletivo, que segue sendo feito por muitas mãos. Desde 2019, o Instituto Burle Marx existe para catalogar o acervo paisagístico de sementes e plantas e digitalizar a obra visual do artista, que tem tapeçarias, desenhos, pinturas e esculturas. 

A entidade também conta com ações nacionais e internacionais com o propósito de difundir a importância de Burle Marx e de seus colaboradores, por meio de exposições, publicações e atividades dentro e fora do Brasil.

“Nosso objetivo é perpetuar e fazer reverberar sua memória para as gerações de hoje e de amanhã, promovendo um diálogo entre as coleções do acervo e as questões atuais, relacionadas principalmente aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Acreditamos que esse legado vivo e coletivo pode inspirar novos futuros, mais plurais e verdes, tão necessários”, explica Isabela Ono, diretora executiva do Instituto Burle Marx.

Burle Marx em exposição

Em 2022, a obra do artista foi revisitada na Fiesp, em São Paulo, na exposição Paisagem construída: São Paulo e Burle Marx e na Fundação Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, com O tempo completa: Burle Marx, clássicos e inéditos, primeira exibição oficial do acervo do instituto, que rendeu um livro com o mesmo título. Foi lançado também o livro Folhas em Movimento, Cartas de Burle Marx (Editora Luste), com a correspondência trocada entre o paisagista e nomes modernistas, como Walter Gropius e Eero Saarinen.

Leia também:
Desvendando Burle Marx

A exposição Garden Futures, inaugurada em março de 2023 no Vitra Museum, em Weil am Rhein, Alemanha, é um desses exemplos. A mostra conta com fac-símiles de obras paisagísticas do acervo do instituto e o catálogo traz uma entrevista de Ono.

Já para 2024, está prevista uma exposição no Rio de Janeiro com a releitura contemporânea do acervo do instituto, abordando temas como a valorização dos biomas brasileiros e a construção de cidades mais saudáveis e inclusivas. A mostra terá também um mapa georreferenciado dos 100 jardins brasileiros mais importantes realizados pelo paisagista e seus colaboradores.

Alex Hanazaki e a mistura de Burle Marx

Ao longo dos anos, uma revolução se sucedeu nos jardins nacionais a partir dessa escola. É impensável imaginar as paisagens brasileiras sem que haja alguma referência a Burle Marx. Seus preceitos de jardins livres, texturas, formas em expansão e o uso de espécies nativas são encontrados no trabalho de importantes paisagistas contemporâneos.

Entre eles, está Alex Hanazaki. “Acredito que a necessidade de exaltar a flora brasileira, assim como sempre ousar na mistura de espécies vegetais, nativas ou de outros países, é a melhor lição que podemos reter desse legado incontestável”, fala Hanazaki, especialista em jardins que mesclam o tropical com o minimalismo.

No projeto retratado abaixo, criado para acompanhar a arquitetura de Valéria Gontijo, em uma casa em Brasília, Hanazaki explorou a mistura de vegetações a fim de criar um jardim de memórias para os moradores. 

projeto de alex hanazaki com referência a burle marx

O paisagismo Hanazaki traz texturas que completam a proposta do escritório Valéria Gontijo + Arquitetura para esta casa em Brasília Foto: Joana França

projeto de alex hanazaki com referência a burle marx

Aqui, o destaque é o telhado verde, outra referência a Burle Marx. Foto: Joana França

“Temos espécies que trazem muitos significados aqui, como oliveiras e cerejeiras de Okinawa. Misturadas às plantas tropicais brasileiras, como guaimbés, filodendros e mangueiras, chegamos a um resultado plural e equilibrado”, conta. Um dos destaques do projeto, que também faz referência à obra modernista, é o telhado verde sobre parte da casa. Nele, um desenho de espécies variadas cria melhor conforto térmico e camufla a vista do telhado para quem está no segundo pavimento.

Criar cenários nem sempre será uma tarefa de cenógrafos, mas sempre será obra de um artista. E Burle Marx criava os seus a partir de seus próprios desenhos e pinturas — parte delas, segundo o próprio, inspirada nas linhas orgânicas de Jean Arp.

Hanazaki, que admira o traçado característico de Burle Marx e seus variados balés, entre curvas e simetrias, também absorveu do mestre outro de seus princípios básicos: entender um jardim como obra de arte.

 

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes