Carta da editora

E esse tal de metaverso?

Há um ano venho tentando entender o que é exatamente esse tal de metaverso. Essa palavrinha nem é nova – foi cunhada em 1992 pelo escritor Neal Stephenson em Snow Crash –, mas ganhou nossa atenção plena a partir de 2021, quando Mark Zuckerberg, que não é bobo nem nada, decidiu trocar o nome do Facebook por Meta e anunciou investimentos bilionários na nova empreitada.

Oportunista (a troca de nome acabou abafando o depoimento de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, no Congresso estadunidense) ou só de olho no futuro das suas mídias sociais, que andam sofrendo queda de prestígio e perda de receita, Zuckerberg pode ser o garoto-propaganda desse admirável mundo a ser construído. Mas não está sozinho. Neste exato momento, muita gente trabalha para sair na dianteira da Web 3.0 – inclusive nós, já que a moda é o retrato de um tempo.

E aqui, talvez, valha de cara uma ressalva: metaverso não é um, são vários mundos digitais coexistindo. Numa analogia com o que ainda achamos mais concreto, real, seriam cidades para onde decidimos nos mudar, viver. Espaços que oferecem festas, como o Pavileon, onde fizemos o lançamento desta edição, compras, encontrinhos etc. Até casas, muitas já sofrendo especulação imobiliária, acredite se quiser, como explica o repórter Matheus Fernandes na matéria “O sonho da casa própria no metaverso”. Ser vizinho do Snoop Dog tem um preço on e off.

Sim, como você já deve ter intuído, esta é uma ELLE View que se debruça sobre o universo digital – com direito a Ellen, o avatar da ELLE Brasil redesenhado pela equipe do Pavileon, que passa a integrar nosso time a partir de agora (ela já tinha aparecido por aqui em agosto de 2020, mas volta numa versão mais tecnológica). Dar uma cara para ela, vesti-la, pensar nas suas poses e gestos foi, de certa forma, voltar a brincar de boneca.

Mas não nos enganemos. O metaverso traz a obrigação de refletirmos sobre que tipo de sociedade estaremos construindo, ainda que ela seja pixelada. Dos avatares às comunidades, das infinitas possibilidades, que ignoram as leis da física, não serão poucas as implicações nas nossas vidas.

Pense comigo: se por um lado, surgem novas oportunidades de aprendizado, entretenimento e impactos positivos na cadeia de moda, por exemplo, como o design 3D, que elimina parte do processo de fabricação, ajudando a reduzir têxteis nessa que é a segunda indústria mais poluente da Terra, existe o risco de nos perdemos pelo caminho.

“N” questões a serem respondidas.

Como lidaremos com a morte, uma vez que o metaverso comporta a nossa “eternidade” e a de nossos entes queridos? Como ficará nossa já combalida autoimagem em um mundo onde podemos literalmente nos fabricar? Em “Who whants to live forever”, “Como vai ser seu metacorpo” e “Ponto de interrogação” trazemos alguns insights a respeito disso e adoraria saber sua opinião – pode me mandar um e-mail, esse método de comunicação quase analógico.

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Foto: Vivi Bacco

Mais: em uma era figital, em que barreiras entre físico e digital se liquefazem, trazemos uma galeria de consumo com produtos para serem usados em qualquer realidade, uma reportagem imperdível sobre a dobradinha homem-máquina nas áreas criativas e um editorial de beleza inspirado nas cores dos games – não dá para falar em Web 3.0 sem pensar nessa estética. E vale a pena ver séries como Arcane para ir se familiarizando (e ousando, se assim você quiser) com a cartela de roxos e verdes.

Trazemos também a ELLE TV com Chantal Sordi, na sua versão avatar, Chantelle, mostrando a evolução das compras online. E as divertidíssimas ilustrações de Pedro Vinicio, um talento GenZ com questões existenciais Geração Y, em “Bug do Milênio“.

Para finalizar, ou iniciar nossas próximas conversas, deixo aqui as palavras de Ricardo Cavallini, expert da Singularity University no Brasil e sabe-tudo de cultura maker, com quem conversei durante esta edição para não bugar:

“A Web 3.0 é uma internet descentralizada. Porém, mais do que uma descrição, este é um desejo. Desejo de a internet voltar a ser o que era antigamente, antes de grandes corporações dominarem a rede e criarem tantos muros e algoritmos que decidem por nós.”

Nos diferentes metaversos dessa nova fase da internet, cada um de nós vai poder ser criador e dono da suas criações (via blockchain). Se informar, se educar, é o primeiro passo para que sejamos de fato livres das big techs – seja no mundo físico, seja no virtual.

Um beijo e boa leitura,
@renata_piza/ renata.piza@elle.com.br

PS: não podia deixar de trazer aqui um dado importante. Estamos aqui conectados, esse é um produto online, e tá tudo certo, sinal dos tempos, lembra? Mas, no Brasil, em 2021, tínhamos 28, 2 milhões de excluídos digitais. Para fazer de fato um universo mais justo, mais democrático, é preciso encontrar maneiras, via iniciativa pública e privada, de trazer essa galera para dentro. Caso contrário, o metaverso será só mais uma bolha.