Agora vai: manual da meditação para 2023

A gente sabe que o contexto brasileiro não ajuda nadinha, mas tenha fé na sua mente e confira dicas que vão ajudar você a ter alguns momentos de paz interior.


Ilustração mostra mulher negra meditando, em posição de lótus
Ilustração: Victoria Lobo



Antes de começar a escrever uma matéria sobre meditação, seria preciso praticar um pouco bem no meio do expediente, pensei. Eram 15h30 de uma segunda-feira chuvosa. Abri o app com práticas guiadas, senti fome, fui fazer um sanduíche, tocou o telefone, quase queimei o pão no forno, respondi mensagens comendo o lanche e, quando me dei conta, não tinha sobrado mais do que três bocados – e eu não havia sentido o gosto de nada ainda. 

Afastei a cadeira de rodinhas, encarei a janela por onde se via a chuva que caía e comi cada pedacinho que restava saboreando o queijo, o rosbife, a cenoura, o molho tarê. Será que isso é meditar? Resolvi questionar quem entende do assunto para saber como uma pessoa capaz de responder a mais de 50 pessoas diferentes no Whatsapp por dia pode começar a meditar em 2023. 

O que você vê a seguir é um manual para quem está pós-graduado em multitarefas, mas ainda no berçário da meditação. Vamos juntos?

Para começar, a gente precisa tirar da cabeça essa história de que só medita quem está parado, sentado, com a coluna ereta, respirando. “Qualquer momento em que você se familiarizar com sua própria mente é um momento de prática. Você pode abrir o Whatsapp e perceber que a respiração está travada. É possível pensar em responder com calma, usar o inspirar e expirar e cultivar um estado mental mais condizente à felicidade”, afirma Gustavo Gitti, criador de O Lugar, comunidade online que promove práticas meditativas diárias desde o início da pandemia, abertas aos cerca de 1 mil membros. Aliás, como está a sua respiração enquanto chega ao fim desse parágrafo, mesmo que esteja na correria? “Não é o que você vive, é como você vive”, completa.

Mas como permanecer focados enquanto vivemos uma cultura acelerada e dispersa, que nos tira de nós mesmos? “O entretenimento não é a Netflix ou o Instagram, mas a mente se distraindo com isso. Você pode, sim, usar esses aplicativos e não sair do foco o tempo todo. A distração é um fenômeno mental”. Nesse raciocínio, dá para deixar de culpar o trabalho, a demanda familiar ou as redes sociais e, mesmo num mundo conectado e cheio de ocupações, ficar mais conectado consigo mesmo. “Nossa mente é uma cartola mágica. Mesmo que tudo esteja tenso, dá para tirar dali relaxamento, senso de humor e calma. O treinamento é esse: lembrar que há tudo isso na própria mente”, diz Gustavo.

Íntimo de si

No idioma tibetano, a palavra meditação nem existe. Eles usam “gom”, que significa familiarização. A ideia é se tornar mais íntimo do funcionamento da sua mente. Gustavo afirma que a gente veio de fábrica assim, só precisamos nos familiarizar com isso. Já temos compaixão, amor, clareza, senso de humor e sensibilidade para lidar com qualquer situação. Tá, mas como eu acho isso aqui dentro?

A psicoterapeuta Taiana Davila afirma que o início é um trabalho de recondicionamento. “É esperado que você observe sua mente desviando do foco e se perdendo no fluxo mental. Nesses momentos, é comum pensar que meditação não é para você, mas é só uma questão de tempo para fortalecer a habilidade”, explica ela, que é instrutora de ioga e meditação. Nesses momentos, podemos observar também tendências de autojulgamento ou de desconforto com o que exige alguma motivação e trabalhar nessas tendências fortalecendo a autoaceitação e a força de vontade. 

“Esse trabalho de trazer a mente para um foco único e sustentar a atenção é o trabalho inicial: a partir disso, é possível ampliar para estados mais profundos de meditação”, afirma ela.

Há uma pesquisa de 2020 chamada “A Plasticidade do bem-estar”, feita por Cortland J. Dahl, Christine D. Wilson-Mendenhall e Richard J. Davidson, pesquisadores da neurociência da meditação e da ciência do bem-estar e do florescimento humano. O estudo faz um panorama da neurociência da meditação e da psicologia clínica e chega a quatro pilares: 

  1. Consciência: usar a respiração para aumentar o senso de presença, relaxamento, equilíbrio e paz. A capacidade de não ser levado pela situação e perder o controle, apenas estar presente.
  2. Conexão: são práticas ligadas ao amor, alegria e compaixão. Às vezes, basta mentalizar que as pessoas tenham um bom dia, fiquem alegres. Só isso é suficiente para mexer com sua conexão com a própria mente.
  3. Insights: são práticas de sabedoria. A pessoa fica menos ignorante em relação ao funcionamento das coisas. Observa a impermanência (nada dura para sempre) e lida melhor com as críticas externas.
  4. Propósito: aqui entra a noção de que todos querem ser felizes. Várias pessoas nem entendem o que é ser feliz, mas estão buscando. A motivação seria ajudar e não atrapalhar a busca do outro por felicidade. “Que a gente possa entrar nas reuniões com o desejo de facilitar a vida de uma pessoa. Só de pensar nesse desejo, temos uma sensação de estar em paz. A motivação traz até um jeito mais calmo de falar”, reflete Gustavo. 

Conexão consigo e com o todo

Ter relações positivas, claro, também ajuda. Estudos dizem que não conversar com as pessoas e se isolar é mais prejudicial para a saúde do que beber ou fumar.

Taiana Davila lembra que, nos últimos anos, vários fatores abalaram a noção de comunidade: a pandemia, o isolamento, a falta de conexão presencial entre as pessoas, o estresse e os conflitos que foram comuns no processo eleitoral. “Ter uma rede é uma base importante para o equilíbrio emocional e senso de conexão. Somos seres relacionais, nos constituímos nas relações, então, não basta estar em conexão consigo, temos que estar em conexão com nossas redes também. Grande parte das pessoas foi levando a vida do jeito que deu nesses últimos anos”, afirma.

Com um estado de mente fortalecido e flexível, há mais espaço e estrutura para sustentar os desafios emocionais da vida. “Nos tornamos ótimos observadores de nós mesmos, aumentando a percepção dos pensamentos e sua influência no estado de humor. Aí, se atua com mais autonomia na regulação emocional”, ela diz.

A ideia não é negar a irritação – é aceitá-la, vivê-la e seguir de maneira menos reativa. Gustavo afirma que é possível perceber que tudo está meio estranho agora, mas vamos seguindo. Tudo é impermanente e amanhã se resolve.

Um jeito simples de praticar é ver algo maravilhoso que aconteceu com o outro e se alegrar por isso. O movimento é contrário ao que fazemos no Instagram, quando é comum se irritar com a praia que não frequentamos, o corpo que não temos, os sucessos profissionais que não alcançamos. “Se alguém escreveu um livro, você se alegra como se tivesse escrito o livro. Expande a sua sensação de ‘minha vida’ se alegrando por seres que conseguem fazer coisas nas próprias vidas. Em vez de inveja, alegria empática”, ele diz. \

Mas será que meditei?

Para responder minha pergunta do início do texto, Gustavo afirma que o melhor cenário é ter um professor excelente – que pode ser online, no Youtube, ou presencial (há sugestões de práticas ao fim deste texto). Livros e orientações boas, mesmo que por momentos curtos, vão dando confiança. O importante é ter clareza na instrução. Saber que os pensamentos surgem, mas que você não precisa deixar que eles te carreguem. Minha experiência naquela tarde chuvosa comendo vagarosamente um lanche era, sim, meditação – mesmo que tenha durado só três bocados.

“A respiração nos deixa mais presentes. Relaxar na raiva, no ciúme, na depressão… não é ficar num status especial. É ficar livre em qualquer que seja a sua consciência. É respeitar seu estado em qualquer experiência e descansar”, ele explica.

Praticar querendo sentimentos positivos e evitando os negativos é um erro. É muito importante ter a visão clara de que a essência da meditação é reconhecer sua consciência. “Não evite experiências, não rejeite, porque isso é contraproducente – você medita justamente para lidar com as emoções difíceis. As pessoas acham que meditar é não pensar em nada, ficar bem, curtir um clima gostosinho… não é isso. É mais fácil tomar uma caipirinha se for esse o objetivo”, afirma Gustavo. 

Como começar a meditar em 2023 

– Compre um bom livro sobre o assunto. Gustavo sugere A Alegria de Viver, de Mingyur Rinpoche.

– Há retiros curtos de instruções em grupo que dão um bom norte ao iniciante. 

– Meditações guiadas em aplicativos, como o Insight Timer, podem dar segurança. Depois, você mesmo aprende a se guiar.

– Sem livro, sem grupo, sem internet? Marque 5 minutos no relógio, respire e vá sentindo o corpo. Esteja presente, não precisa fazer nada – e se a mente ficar agitada, deixe, aceite, receba. 

– No final, dedique sua prática. Deseje, por exemplo, que todos os seres possam encontrar uma não-reatividade, uma calma interior e que isso transforme tudo que você vê de ruim no mundo. 

– Se achar bom, procure um grupo, que dá a sensação de comunidade, de rede. Há práticas online, como as que acontecem todos os dias em O Lugar. 

– Centros tem bons professores (dá para checar se o profissional é bom e tem referências pela internet mesmo). 

– Doeu o corpo? Faça sessões curtas, mude de postura e tenha paciência.

Outros recursos que podem ajudar

  • Vídeos com legenda:

Mingyur Rinpoche é um líder espiritual budista considerado a pessoa mais feliz do mundo. Abaixo, algumas sugestões de vídeos em que ele ensina suas técnicas de maneira bem prática. Seus livros são best-sellers mundiais.

Sobre a essência da meditação:

 

Instrução para praticar consciência da respiração:

Meditação guiada por Mingyur Rinpoche:

 

Fazendo amizade com pânico e ansiedade (com meditação guiada):

 

Meditando com a dor:

 

Meditando com as emoções:

 

Como praticar apreciação:

 

Como se conectar com sua consciência — por que meditar é mais fácil do que você pensa (palestra de Mingyur Rinpoche no TED 2022):

  •  Apps:

Healthy Minds (apenas em inglês, com práticas de Consciência, Conexão, Clareza e Propósito): https://hminnovations.org/meditation-app

Práticas de Jeanne Pilli no Insight Timer:
https://insighttimer.com/jeannepilli

Lojong, app brasileiro:
https://lojongapp.com/

  1. Grupos de prática no Brasil
  2. Vários grupos presenciais viraram online durante a pandemia e seguem assim, então, aproveite.

Grupo de meditação Tegar:
https://portugues.tergar.org/brasil/ 

Manhãs de silêncio da comunidade O lugar:
https://olugar.org

 

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