Betty Dodson: a educadora sexual que luta pelo prazer feminino há quase 70 anos

No hospital, às vésperas de completar 91 anos, a educadora sexual garante a continuidade da luta pelo prazer feminino por meio de sua pupila Carlin Ross e seus workshops de masturbação.


origin 175



Jejum intermitente, limpeza de aura e até mesmo mergulhos em lagos quase congelados estão entre as práticas holísticas pesquisadas na série The Goop Lab, que chegou em janeiro na Netflix. Mas a busca pelo bem-estar comandada pela equipe de Gwyneth Paltrow teve um ponto alto: o episódio 3, “O Prazer é Nosso”. Nele, vemos a nonagenária Betty Dodson, ícone pró-masturbação e do autoprazer feminino, ensinar a atriz a tonificar o assoalho pélvico.

O sucesso de Betty, no entanto, não é novo. A artista visual do Kansas chegou em Nova York aos 20 anos, e antes de se tornar educadora sexual foi conhecida primeiro no mundo artístico por seus desenhos e pinturas de vulvas. Depois de dissolver seu casamento, começou a frequentar reuniões com outras mulheres onde percebeu que elas fingiam o orgasmo. Tomou isso como uma injustiça social e se tornou uma feminista pró-sexo, até criar seu próprio método para ensinar mulheres cis a gozar, o BodySex, que mantém até hoje com sua pupila Carlin Ross.

Primeiramente rejeitada pela mídia e também pela sociedade, que a criticava duramente, o tabu sobre o prazer feminino não deixou de fazer com que seu livro Sex For One (Sexo para Um) se tornasse um best-seller mundial. Hoje em dia, as imagens das conferências dadas por Betty estão expostas na Biblioteca da Universidade Harvard, na seção “A História das Mulheres na América.”

Betty Dodson e sua pupila, Carlin Ross

Betty Dodson e sua pupila, Carlin RossGetty Images

Interessadas em escrever um perfil sobre a educadora, entramos em contato com ela. Recebemos a notícia de que Betty, que completa 91 anos dia 24 e até poucos meses trabalhava a todo vapor, estava no hospital, bastante debilitada. Atuando com Betty há mais de 10 anos nos workshops de prazer feminino, responsável pela escrita de sua biografia, e também uma das mulheres que irá dar continuidade ao seu trabalho, Carlin topou uma entrevista retrospectiva sobre a vida e trabalho de Betty Dodson.

Carlin, no começo da vida de Betty em Nova York, o trabalho artístico dela estava profundamente conectado ao feminismo, certo? Isso era muito revolucionário nos anos 1950?

Betty veio para a cidade de Nova York nos anos 1950 como uma estudante de arte. Seu trabalho sempre foi muito político, desafiando noções de gênero e os “dois pesos e duas medidas” que são impostos na sexualidade das mulheres. No final dos anos 1960, ela foi parte da Revolução Sexual da América, participando de encontros de sexo em grupo, rejeitando a monogamia e a instituição do casamento. Ela rapidamente percebeu que as mulheres fingiam seus orgasmos. Para Betty, quando uma mulher conseguia gozar ela estava livre, livre para escolher a vida que ela queria para ela.

De onde veio o interesse dela nessa liberdade? Ela era fã de literatura feminista, como Betty Friedan, certo? Quais eram as motivações dela?

Ela sempre teve um senso se justiça, sabia? Para ela, não era justo que negassem às mulheres a igualdade em qualquer parte de suas vidas. “Pagamento justo e orgasmos iguais” era seu mantra. Ela se uniu ao movimento feminista logo quando ele estava começando, marchando pela Avenida Madison e se unindo aos grupos de criação de consciência nos quais as mulheres falariam em primeira pessoa sobre suas vidas — uma novidade até então, já que sempre falaram em nossos nomes. Betty decidiu que ela queria ajudar as pessoas a terem mais consciência física e sexual, o que mais tarde ela chamou de Bodysex e transformou em um workshop.

Você pode me contar como foi a infância de Betty?

Betty foi neta de fazendeiros irlandeses. Sua mãe, Bessiem cresceu em casa de chão batido e não foi para a escola. E ela acreditava que a masturbação era uma atividade natural para crianças. Betty cresceu com três irmãos, e passava muito tempo fora de casa, explorando o mundo e seu próprio corpo.

Como você lembra de Betty em suas conferências, como a que ela deu sobre vibradores quando já tinha 35 anos?

Betty reintroduziu o vibrador elétrico como um objeto de prazer na conferência NOW de sexualidade. Ela nunca deixou de ter coragem, mas ficava nervosa sempre que subia nos palcos ou desafiava o status quo. Ela acredita que se você não está nervosa, não está fazendo nada que valha a pena.

Como foi a resposta que ela recebeu em sua época?

Sua ideias foram rejeitada por feministas, jornalistas e pela maioria dos membros da sociedade. Eu acho que a maioria dos revolucionários enfrenta muita rejeição, né? Ainda bem que Betty viveu longamente o suficiente para ver seu trabalho e suas crenças serem valorizadas pela cultura.

Qual foi o momento de transformação da vida dela de fato? Quando foi que ela percebeu que estava tendo uma participação ativa na mudança de concepção de sexualidade e masturbação para mulheres cis?

Provavelmente isso aconteceu no começo dos anos 1980, quando a editora Random House comprou os direitos de seu livro feminista clássico, Liberating Masturbation. Ela voltou a escrever e publicou uma versão mais longa, que foi publicada como Sex for One. É um best-seller internacional e já foi traduzido em 25 línguas!

Como você e Betty se conheceram e como começaram a trabalhar juntas?

Eu entrevistei a Betty para um podcast do qual eu era apresentadora. Eu sabia que tinha que impressioná-la. Quando eu sentei e disse: “encontrei algumas frases atribuídas a você. Irei ler elas em voz alta e você me diz se você realmente é a autora, e se ainda acredita nelas. Os olhos dela brilharam e ela me disse: “você tem uma mente rápida!”. Nós conversamos, ela perguntou sobre meu trabalho, então ela esticou as mãos na mesa e disse: nós vamos trabalhar juntas. Pense nisso!”. E eu fui.

“Transformação, orgasmo, amor-próprio… Isso transcende o tempo e o espaço. É o testamento do poder do trabalho da Betty”

Como foi trabalhar com Betty?

Existem 50 anos de diferença entre a gente… Nós somos de gerações diferentes, então cada momento é uma experiência de aprendizado. Você aprende com o sucesso dessas pessoas, mas aprende mais com as falhas. Eu respeito a Betty por sua generosidade, abertura e irreverência.

Como é a resposta geral das mulheres que vão aos workshops Bodysex? Como a Betty se sentia ao dar essas aulas?

Círculos de mulheres são muito poderosos. Tem algo mágico sobre eles! Eu até consigo entender por que eles queimaram bruxas na fogueira. A energia sexual feminina é divina. Ensinar mulheres a gozarem me parece o chamado mais certo de todo o mundo. Para guiar e apoiar uma mulher a se mover pelo prazer — dentro de sua verdade — é uma honra, e Betty pensava isso.

Você acha que a relação de Betty com o prazer, o orgasmo e o autoconhecimento mudou agora que ela chegou aos 90 anos? Aumentou, ou trouxe mais solidão?

Betty tem muita gratidão pela vida que viveu. Ela ainda mora em seu apartamento em Manhattan, com a vida que ela criou do seu próprio jeito. Ela pensa na morte como o orgasmo final. Sua expectativa é sempre de ter prazer, e com a mente feita assim, é muito mais fácil ser saudável e sábia.

Agora, neste momento, como Betty se sente sobre seu trabalho e sua história? Você acha que ela sente que alcançou o que buscava quando começou sua jornada?

Ela está animada por seu trabalho ser levado à frente por mim e por mulheres que treinamos para darem os workshops de Bodysex. Levamos o trabalho para as plataformas online depois do surgimento do Covid-19, e ele funciona. Transformação, orgasmo, amor-próprio… Isso transcende o tempo e o espaço. É o testamento do poder do trabalho da Betty.

Hoje vemos muitos trabalhos em relação ao “sagrado feminino”. No entanto, Betty sempre foi muito mais voltada à política. Ela mudou de perspectiva?

A Betty acredita que a coisa mais revolucionário, feminista, e subversiva que uma mulher pode fazer é se dar um orgasmo. E então ela está livre.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes