Clube Do Coração Partido

Novos aplicativos prometem ajudar a superar o término de uma relação e fazem sucesso em um mercado cada vez mais carente por suporte afetivo.


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Ilustração Victor Aguiar Magalhães



Quem já sentiu a dor de um coração partido sabe como a superação pode ser difícil, especialmente quando se trata de um relacionamento amoroso. Por mais que a gente queira sacudir a poeira e dar a volta por cima, como bem cantou Beth Carvalho, não é uma tarefa simples. Dos primeiros dias em que temos dificuldade de levantar da cama, até a recuperação completa – que na maioria das vezes só acontece quando nos apaixonamos novamente –, o processo de cura pode ser demorado. E se já era difícil antes da pandemia, agora ficou um pouquinho mais complicado. Não bastasse cenário caótico, alguns de nós ainda estamos passando pelo fim de uma relação, em pleno isolamento social. Mas como toda crise também abre espaço para inovação, agora existem aplicativos específicos para resolver esse tipo de problema.

Diferentemente dos apps de mindfulness, como Headspace e Calm, novas plataformas como Mend, Rx Breakup e Break Up Tours prometem ser o ombro amigo de quem sofreu uma desilusão amorosa. “Verificamos como você está se sentindo diariamente, disponibilizamos treinamentos personalizados por áudio, incentivamos registros pessoais, entre outras funcionalidades”, explica Elle Huerta, CEO e fundadora do Mend, criado a partir de sua própria experiência. “Eu estava lidando com uma separação e, em paralelo, com o divórcio dos meus pais”, conta. “Senti que deveria haver uma maneira melhor do que pesquisar conselhos online e comprar livros de autoajuda”, diz a norte-americana, que teve passagem pelo Google e comandou um blog sobre relacionamentos antes de lançar o app, em 2018.

“Usamos nossos telefones para tudo, por que não fazer um pouco de terapia também”, questiona Jeanine Lobell, uma das fundadoras do Rx Break Up, que funciona em uma mecânica similar, com checagens diárias, dicas do que fazer em relação aos sentimentos, assim como um espaço reservado para extravasar as mágoas. As plataformas também monetizam da mesma maneira: com programas pagos que vão de 30 dias a 1 ano, e ainda possibilitam os assinantes de interagirem entre si, com compartilhamento de experiências e até possíveis novos encontros românticos.

“Temos que tomar cuidado com essas promessas de felicidade para não entrarmos numa lógica de consumo (curas rápidas mediante pagamento para acessar mais conteúdo) e acabar caindo na positividade tóxica.” – Lucas Liedke.

Um pouco distinto das concorrentes, o Breakup Tours começou em 2019 como uma startup de comércio eletrônico de viagens, oferecendo mais de 100 experiências temáticas personalizadas (para destinos como como Japão, Fiji e Tailândia) e pensadas para aliviar o estresse pós-separação. “Como você pode imaginar, o setor de viagens sofreu um golpe com o surgimento do novo coronavírus. Por isso, reformulamos o aplicativo para ser um guia completo, desde o momento que você fica solteiro, até conhecer um novo amor”, explica Stephen Chung, CEO da plataforma. Entre as novidades, está o projeto “10 perguntas que levam ao amor”, em que potenciais matches participam de um primeiro encontro por vídeochamada, se revezando para responder o questionário. “A ideia é criar intimidade entre as pessoas”, conta Chung. “Vimos casais que curtiram tanto a noite que continuaram namorando depois”.

Apesar de serem ferramentas positivas para o dia a dia da sofrência, é preciso ter cautela na utilização desse tipo de recurso. “Temos que tomar cuidado com essas promessas de felicidade para não entrarmos numa lógica de consumo (curas rápidas mediante pagamento para acessar mais conteúdo) e acabar caindo na positividade tóxica”, explica o psicanalista e analista de cultura e comportamento, Lucas Liedke. “É preciso lidar com a tristeza, aprendendo, se transformando e entendendo o que aconteceu”, diz. “Não sei até que ponto essas plataformas realmente se aprofundam nesse processo de autoconhecimento, ou se podem acabar sendo um desserviço para a maneira como lidamos com a dor”.

A experiência nesses apps pode mesmo se tornar um pouco superficial, já que uma parte da interação com os usuários é feita através da inteligência artificial. “Baixei o Mend após terminar uma relação de 3 anos que não ia a lugar nenhum, mas não conseguia desapegar, mesmo sabendo que ele já estava em outra”, conta a paulistana Isabela Gabriel. “No começo foi muito bom escutar os treinamentos de áudio e escrever sobre o assunto, mas depois de um mês utilizando o app, veio uma sensação de estar conversando com um robô, especialmente quando abria a verificação diária, que sempre repetia as mesmas frases”, diz. “Acho que funciona como um suporte a mais, mas não se compara a uma análise com um profissional.”

Para Liedke, ainda falta muito para que esse tipo de aplicativo possa vir a substituir as terapias tradicionais. “Apesar das ferramentas de diário, que são super válidas, elas nem sempre entram com mais profundidade onde precisa ser trabalhado.” A falta da atenção flutuante também é outro ponto a ser considerado. “Durante uma sessão, conseguimos fisgar detalhes aparentemente irrelevantes, como mudanças na modulação da voz do paciente, que podem ser importantes no tratamento. Isso nenhum robô conseguiu fazer até hoje.”

Para a blogueira Sarah Shah, a experiência foi positiva. “Estava em uma relação que já havia acabado, mas eu não queria aceitar. Comecei a procurar formas preventivas de aliviar a dor e, duas semanas antes do término oficial, entrei no Mend”, lembra ela, que manteve a assinatura por 7 meses. “No início fiquei com vergonha de admitir que usava um aplicativo de separação, mas sabia que precisava de ajuda e, nas primeiras semanas de uso, meu tempo no app foi se tornando cada vez mais precioso.” A plataforma também foi essencial no dia dos namorados, o primeiro que ela passou solteira em 6 anos. “A montanha-russa de emoções após um rompimento é única, tudo vai mudando inesperadamente, diariamente. A cura envolve não apenas outras pessoas nos escutarem, mas tempo e espaço para a gente se entender. O Mend me proporcionou isso”, revela. “Embora ele não substitua os cuidados de saúde mental que um médico possa oferecer, é um bom começo na direção certa.”

É importante ressaltar, mais uma vez, que nenhum app oferece diagnóstico preciso, tampouco deve ser vistos como ferramenta de cura miraculosa. Segundo uma pesquisa realizada em maio (cinco meses após a chegada da covid-19 no Brasil) pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os casos de depressão praticamente dobraram no país, enquanto as ocorrências de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80%. “A maioria dos sintomas de um diagnóstico depressivo são o que estamos vivendo na quarentena: falta de energia, de esperança, desmotivados e com pensamentos sobre morte”, diz Liedke. “Fomos privados de muita coisa então estamos cansados, tristes, com medo e também vivendo o luto por um mundo que foi embora, sem saber como ele vai voltar.” O mais indicado nesses casos é procurar a ajuda de um profissional de confiança e qualificado.

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