Café e amor: um guia para os coffee lovers
Confira a importância da torra, do terroir, dos acessórios e de outros fatores, para curtir ainda mais a sua xícara de café.
Não faz muito tempo, quem sentava em uma cafeteria só precisava pedir um café – e ele chegava fumegante na xícara ou, no caso dos botequins, em copo de vidro (e já adoçado!). Poucos segmentos avançaram tanto em tão pouco tempo. Hoje, é possível escolher a origem do café, o método de extração e a técnica de beneficiamento dos grãos, só para citar algumas perguntas que se tornaram corriqueiras nas cafeterias da terceira onda – aquelas que, nos últimos anos, elevaram o café ao status de iguaria. Outra tendência, acelerada pela pandemia, foi a transferência do universo das cafeterias para dentro de casa. “O consumo de cafés especiais aumentou, as máquinas migraram dos escritórios para as residências e nunca se vendeu tanta cápsula como do ano passado para cá”, atesta Vanusia Nogueira, diretora-executiva da Specialty Coffee Association of America. Se você também faz parte da turma dos coffee lovers ou quer aprender um pouco mais sobre esse universo delicioso, sente-se, pegue sua xícara e confira o guia que preparamos para você.
Não é tudo café do mesmo saco
Há duas classificações para os cafés de qualidade superior: Gourmet, selo criado pela Associação Brasileira da Indústria do Café, e Especial, conferido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), que segue o método internacional da Specialty Coffee Association.
Até março de 2021, somente cafés da espécie arábica chegavam ao mercado com tais selos, o que já mudou – a espécie canéfora, que era associada a cafés de baixa qualidade, acaba de entrar no universo dos especiais em função do ótimo trabalho de produtores do Espírito Santo e de Rondônia. Além de concentração de cafeína até 50% maior comparada à da espécie arábica, o canéfora é mais encorpado. “Para quem até hoje só tomou cafés comuns, considero uma boa porta de entrada para os especiais. É um sabor mais familiar”, afirma Henrique Ortiz, da cafeteria Catarina Coffee.
Torra, agora, é questão de gosto
O que o brasileiro se habituou a considerar como café forte é resultado da torra excessiva, recurso para esconder defeitos dos grãos mal selecionados. Não por acaso, muita gente acha o café especial “fraco”. Quando se fala de cafés especiais, cujos grãos chegam ao torrador em sua plenitude, a torra tem como função realçar as características sensoriais – e funciona como uma espécie de assinatura de cada profissional. “A minha é mais para clara, para que as pessoas sintam o equilíbrio entre doçura e acidez. É o padrão que meus clientes gostam”, afirma Tiago de Mello, da cafeteria Pato Rei. Na Catarina Coffee, é possível comprar kits com três cafés iguais em diferentes padrões de torra – não há melhor maneira de comparar, perceber a diferença e escolher a preferida.
Ondas que vêm e vão
Quem acompanha as notícias e postagens sobre café já deve ter ouvido falar sobre cafeterias da terceira onda. A classificação, criada pela estadunidense Trish Rothgeb, refere-se ao movimento mais recente do setor, iniciado nos anos 1990, quando começamos a atentar para questões como origem do café, terroir e avaliações sensoriais. A segunda, que vigorou entre as décadas de 1960 e 1990, coincidiu com o surgimento de grandes redes de cafeterias que iam além do cafezinho puro e simples – a Starbucks, por exemplo, nasceu em 1971. Bem anterior, a primeira onda se refere à explosão do consumo de café no pós-guerra.
Há quem já aponte uma quarta onda em formação – o momento em que os rituais relacionados ao preparo e consumo do café ganham status de arte, extrapolam os salões das cafeterias e invadem o ambiente doméstico, com aficionados (os chamados coffee geeks) fazendo até a própria torra em casa. Será?
Esse tal de terroir
No mundo da gastronomia, a palavra em francês significa a relação íntima entre o território e o produto. As características do solo, do clima e até dos micro-organismos que vivem em uma localidade geram produtos únicos, que jamais poderiam sair de outro lugar. É por isso que muitas embalagens de café, inclusive das grandes indústrias, passaram a informar a região produtora. Entre as mais conhecidas no Brasil estão o Cerrado Mineiro, a Mogiana Paulista e o Sul de Minas, embora haja muito mais territórios a explorar. As cafeterias, no entanto, estão um passo adiante e, quando se trata de origem, já preferem identificar o nome da família produtora. “Muito mais legal do que provar um café do Cerrado Mineiro é conhecer o café daquela família em especial, saber como ela plantou e processou os grãos. É uma informação que equivale à mão do enólogo no vinho”, opina Henrique Ortiz, da Catarina Coffee.
A moda dos fermentados
Cada vez mais produtores de café estão adotando a técnica da fermentação: eles deixam que a polpa dos grãos se degrade naturalmente pela ação de micro-organismos, processo que gera uma infinidade de novos aromas. A fermentação pode ser feita a seco, nos terreiros, ou dentro d’água, em tanques ou bombonas plásticas, e permite ao produtor fazer mil experiências. Mariano Martins, do Martins Café, é um entusiasta da técnica e pôs à venda três lotes de ultrafermentados, que passam quatro dias dentro d’água, em tanques abertos, mais 14 dias dentro de bombonas. “As leveduras comem o açúcar e devolvem gordura, gerando notas aromáticas frutadas e textura amanteigada, aveludada na boca”, ele explica.
Parece mel, mas não é
Nas cafeterias mais descoladas, já é possível encontrar o café honey (mel, em inglês), técnica de processamento na qual não se remove a mucilagem dos grãos durante a secagem. Como se trata de uma película rica em açúcares, o café vai ficando grudento durante o processo, como se estivesse caramelizado, o que ajuda a incorporar aromas. Quanto mais tempo se passa, mais escuros eles ficam – o ápice é o black honey. “São cafés complexos, exóticos, que exigem muito conhecimento técnico do produtor e, portanto, custam mais caro”, afirma Ortiz.
O coador está de volta
Foi nos anos 1980 que as primeiras máquinas de espresso chegaram ao Brasil – e, durante muito tempo, a bebida tirada sob alta pressão foi sinônimo de café bom. Mas não é que os coados voltaram com força total? Nas cafeterias da terceira onda, é possível escolher até o tipo de coador – entre os mais apreciados pelos coffee geeks estão o Kalita, cujo porta-filtro tem três furinhos, e o Hario V60, cheio de ranhuras em espiral, ambos fabricados no Japão. Também tem fãs o estadunidense Chemex, que traz porta-filtro e jarra em peça única, em formato de ampulheta. E até o coador de pano, quem diria, foi reabilitado. “Vejo uma busca crescente por soluções mais sustentáveis, com tecidos especiais, inclusive desenhados para porta-filtros importados, como o V60 da Hario”, afirma Giuliana Bastos, uma das criadoras do evento São Paulo Coffee Fest.
Para quem gosta da potência do espresso, mas não tem máquina em casa, há três opções interessantes: a aeropress e a French press (prensa francesa) funcionam com êmbolo, coam por pressão e ficam no meio do caminho entre o coado e o espresso. Já a moka, ou cafeteira italiana, tem três compartimentos e deve ser colocada diretamente sobre o fogo: quando ferve, a água passa pela peneira onde está o pó e chega à parte superior em questão de segundos. Seja qual for o método de preparo, é importante comprar o café na moagem correta – somente nas cafeterias onde os grãos são moídos na hora é possível pedir a granulometria ao gosto do freguês.
Vale a pena ter moedor?
Eis uma unanimidade entre os experts em café: quem espera uma bebida que expresse o potencial máximo dos grãos precisa ter um moedor em casa. Logo depois de moído, o café começa imediatamente a oxidar e vai perdendo gradativamente seus aromas. A boa notícia é que os modelos básicos, tanto manuais quanto elétricos, estão cada vez mais acessíveis – e funcionam muito bem para o uso doméstico. Aliás, sabia que é possível comprar café em grãos, em quantidades maiores, e congelar? Tiago de Mello, da Pato Rei, é um entusiasta da ideia. “É ótimo para aumentar a longevidade do café, basta guardar no freezer em pacotes bem vedados. E você pode moer os grãos ainda congelados.”
Que fria!
Beber café frio, o chamado cold brew, é uma tendência forte nos países do Hemisfério Horte, mas que ainda engatinha no Brasil – apesar de combinar tanto com o nosso clima. Fruto da falta de informação, na opinião de Mello. “Os brasileiros associam o cold brew ao café quente que esfriou e ficou ruim”, acredita. Na verdade, a bebida é extraída a frio e vai para o mercado já engarrafada. Pode ser ingerida pura, com gelo ou em drinques com e sem álcool.
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