Toma um chazinho que melhora

Da China antiga aos dias atuais, a infusão com Camellia sinensis aquece, acolhe e ajuda a humanidade a ter alguns minutos de paz. Saiba mais sobre essa bebida reconfortante e cheia de sutilezas.


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Pegue sua xícara, relaxe e sente-se que lá vem história: chá é um assunto que rende uma longa conversa. Apesar de ser tão popular e acessível, o fato é que, quando você se depara com o volume de informações sobre essa bebida, pode chegar à conclusão de que ela é quase uma completa desconhecida. Felizmente, há uma trupe brasileira bem empenhada em esclarecer todos os mistérios do chá por meio de workshops, cursos e degustações – há até mesmo escolas totalmente voltadas para esse tema.

A origem do chá é um verdadeiro conto chinês. De acordo com a versão mais difundida, o mérito é de um imperador de nome Shennong, um apaixonado pela botânica de seu reino, que vivia em busca de novas flores, árvores e arbustos. Ao final de uma de suas empreitadas, adormeceu debaixo de uma árvore, mas não antes de deixar um pouco de água esquentando na fogueira ao lado. Prazerosa foi a surpresa ao acordar e perceber que algumas folhas daquela árvore haviam caído em seu pote de água quente, conferindo suave sabor e delicada cor ao líquido. A árvore era da espécie hoje conhecida como Camellia sinensis e a bebida que ali nascia era o velho e bom chá.


A história data de quase 5 mil anos e já percorreu o mundo. Em cada uma de suas paradas, o chá ganha novas notas e sabores. As notas mudam devido aos diferentes terrenos e climas em que o arbusto é cultivado, e os sabores variam conforme o gosto do freguês e sua cultura local. No Brasil, a mais longínqua notícia sobre o plantio do chá é de 1825, quando D. Pedro I pede para que um chazal seja preparado no Jardim Botânico da Lagoa de Freitas, na então capital Rio de Janeiro. A empreitada foi importante, mas não chegou nem aos pés da cultura que é sucesso no país até hoje: a do café. Aos poucos, no entanto, o chá vem ganhando terreno por aqui – de forma sutil, como tudo o que envolve o universo dessa bebida.

Mas antes de se aprofundar no assunto é importante esclarecer o que é, realmente, o chá. Trata-se do líquido obtido de uma infusão com as folhas da planta Camellia sinensis em água quente, idealmente, entre 80 e 95°C (ou seja, um pouco abaixo do ponto de ebulição da água, que é de 100°C). Os famosos chás verde, amarelo, branco e preto são todos feitos a partir dessa espécie, o que muda é a forma de beneficiamento das folhas.

ceramica com cha verde e uma flor

Utensílios japoneses para chá. O bule, chamado de shiboridashi, é usado para chás japoneses bem especiais, infusionados com grande quantidade de folhas e pouca água.Foto Frederico Telho

Qualquer outro tipo de receita que siga esse padrão de preparo, mas utilize outro tipo de planta, não é chá, é infusão. Esta é uma informação básica para quem se arrisca a adentrar no mundo do “líquido dourado”, como é chamado pelos orientais. E não parecem ser poucos os curiosos em terras nacionais. “O brasileiro está cada vez mais aberto às experiências em torno do chá”, diz Caio Barbosa, presidente da Associação Brasileira de Chá (AbChá) e co-fundador da marca Cha Yê. A AbChá foi fundada no ano passado, como consequência natural do aumento do interesse pela bebida no país e do surgimento de vários eventos, cursos e escolas especializadas. “Estamos nos organizando para normatizar e regimentar tudo aquilo que se refere a chá e garantir a pureza com a qual este produto deve ser tratado”, conta Caio.

À época em que Shennong fazia suas pesquisas, as infusões eram preparadas essencialmente com fins fitoterápicos, ou seja, para obtenção de benefícios à saúde por meio de seus componentes bioquímicos. Ao longo dos anos, apesar de os chás ganharem muitas outras leituras, por aqui a percepção de que a bebida é coisa de gente doente ainda é bem forte. “Isto se deve à nossa cultura indígena. Se você for passear por Belém, no Pará, verá dezenas de bancas de folhas e ervas utilizadas para infusões, popularmente chamada de chás, para as aúde. O brasileiro ainda usa muito as infusões com fins medicinais”, explica a especialista em chás Eloína Telho, de Brasília. Eloína não toma chás pensando na saúde, sua pegada é mesmo sensorial. Ainda assim, o chá serviu como “terapia” numa época em estava estressada e triste por causa de assuntos em seu trabalho como servidora pública. Em uma viagem à Índia, em 2012, Eloína conheceu o chai e voltou com sede de conhecimento. “Eu me apaixonei por aquilo tudo, por aquele comércio cheio de especiarias e chás de todas as qualidades”. De volta ao Brasil, saiu em busca de literaturas e cursos. De lá para cá, já foi para China, Japão, Nova York e Peru em busca de mais detalhes. Por aqui, ela se formou especialista em chá na Escola de Chá Embahu, em São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo.

Atualmente, Eloína é embaixadora da Embahu e ajuda a promover voluntariamente os vários eventos realizados pela escola para divulgar a cultura do chá. “Todo mundo que faz algum tipo de formação em chás tem como missão levar conhecimento aos demais que encontrar pela vida”, explica Yuri Hayashi, que fundou a escola Embahu em 2013, juntamente com o marido, Cláudio Brisighello. Até o semestre passado, a escola já tinha atendido 800 alunos in loco (atualmente, devido à pandemia causada pelo vírus Covid-19, o curso disponível é apenas online).

Apesar de estar em alta a formação em sommelier de chá, os cursos da Embahu vão além desse título. Um sommelier é aquele capaz de trabalhar comercialmente as informações a respeito da bebida. Ele aprende a reconhecer alguns tipos de chás, monta as cartas a serem apresentadas em casas especializadas, harmoniza e cria sabores. “Este é apenas um recorte de tudo o que deve ser aprendido sobre o tema. O chá é muito mais”, diz Yuri. Para ela, é essencial um aluno saber sobre o cultivo da planta, a procedência da infusão a ser utilizada, seu beneficiamento, seus sabores, sua história e seus rituais, para assim entender a complexidade dessa bebida tão rica em história, sentidos e significados.

mesa posta para curso de cha.

Mesa posta para uma aula na Escola de Chá Embahu. Os cursos presenciais serão retomados assim que o cenário permitir.Foto Divulgação

Para quem está interessado em aprender os rituais que envolvem essa bebida, uma dica de curso online é o Tao Te Chá – o chá como caminho da regeneração interna, da também apaixonada Claudia Gomes, instrutora de meditação, yoga, sommeliére e ritualista na arte de servir chá. Pesquisadora da cultura oriental, Cláudia escolheu os chás como caminho para se aprofundar nesse tema. E não ficou só na teoria: em Lima, no Peru, onde mora atualmente, conheceu uma senhora chinesa que passou a ela, assim como um mestre faz com um discípulo, toda a ritualística da cerimônia chinesa do chá.

Seja na cultura da China ou do Japão, a cerimônia do chá está sempre ligada à filosofia Taoísta. Tao significa caminho, e o caminho a ser percorrido é a busca da harmonia entre a natureza e o ser humano. “Durante a cerimônia do chá, o estar presente é imprescindível. Mais que apreciar seu aroma, o respeito e a concentração invocados durante todo o preparo da bebida é o grande caminho para o equilíbrio do homem com o meio”, explica Cláudia. Para ela, é uma experiência que leva o indivíduo a um espaço interno de conexão, silêncio, modo de vida, harmonia e compreensão de si mesmo. Uma tradicional cerimônia do chá, nos mosteiros japoneses, dura cerca de quatro horas, algo quase impensável no corre-corre do Ocidente. Ciente disso, Cláudia desenvolveu em seus cursos algumas orientações para que cada um crie o seu próprio ritual do chá, com respeito e intenção.

Como visto, tem chá para todos os gostos e aplicações, seja em sua pura definição, seja nas infusões aprendidas com nossas avós. Onde há chá, há harmonia. Sua xícara está vazia? Então, veja a seguir dicas de especialistas para preparar muitos outros bules.

DOIS CHÁS E UMA INFUSÃO

Dani Lieuthier é curitibana e fundadora do Instituto Chá, uma escola itinerante que já esteve em quase todas as capitais brasileiras levando cursos de formação de sommelier e teablender (aquela que faz misturas de sabores). Nos últimos cinco anos, já formou mais de 500 profissionais no mercado. Para a Elle, a expert escolheu dois chás e uma infusão para serem facilmente preparados em casa. Confira:

Chá branco
Esta variação da infusão de Camellia sinensis é uma das versões mais delicadas. Dani sugere um teste para verifica como tempo e temperatura modificam substancialmente o sabor do chá. Aqueça 200 ml de água a 70°C, tire do fogo, misture 2 g de chá e deixe em infusão por 3 minutos. Depois, use as mesmas medidas, mas aqueça a água a 80°C e deixe em infusão por 4 minutos. A segunda versão terá um sabor bem mais acentuado.

Massala chai (chá indiano com especiarias)
O importante é comprar um massala chai de boa procedência. Para prepará-lo, esquente uma xícara de água e uma xícara de leite integral e misture 3 colheres (chá) do massala chai. Assim que o líquido ferver, desligue o fogo, tampe o recipiente, aguarde por 5 minutos e sirva. Outra dica é misturar um pouco de licor Bailey’s no final, caso queira algo mais forte.

Blend para relaxar
Em uma chaleira, ferva por 5 minutos 1 xícara de água mineral com a casca de 1 laranja (ou mexerica). Em seguida, apague o fogo e adicione 1 colher (chá) de flores secas de camomila, 1 colher de chá de folhas secas de capim-limão e 1 colher de chá de folhas secas de melissa. Deixe em infusão por 10 minutos, coe e aprecie.

Não tem termômetro para medir a temperatura da água? Siga essa dica de Eloína Telho: quando aparecerem as primeiras bolhinhas, isso significa que a água está a 80°C. Quanto maior o tamanho da bolha, mais alta a temperatura. Se a água começar a borbulhar, ela já atingiu os 100°C.

CHÁ PARA TODAS AS HORAS

Para a especialista Eloína Telho, não existe hora certa para tomar chá. Mas para quem quer variar os sabores ao longo do dia, ela tem sugestões. Pela manhã, um bom matchá (chá verde em pó, feito com as folhas mais jovens) ou um English breakfast. Para depois do almoço um oolong, que é digestivo e levemente adocicado, com leve sabor chocolate e notas de café. E para a noite, ela indica uma infusão de rooibos, derivado de um arbusto sul-africano, que não contém cafeína e é rico em sais minerais e antioxidantes. Veja como preparar cada um deles:

Matchá
A dica é preparar o matchá como os japoneses: meça a quantidade com uma medida específica, uma colherzinha de bambu que se chama chashaku (ou o equivalente a ½ colher de chá). Passe o chá por uma peneira, para desfazer eventuais bolinhas, sobre uma tigela (chawan). Acrescente cerca de 150 ml de água aquecida a 75 °C. Misture o chá à água com um misturador próprio, que se chama chasen (ou um minimixer, daqueles usados para aerar leite), em movimentos de M ou W, até que se forme uma camada de pequenas bolhas na superfície. Depois, basta aproveitar o momento!

English Breakfast

Aqueça 250 ml de água a 85°C. No infusor, coloque 1 colher (chá) de English Breakfast. Despeje a água no bule com infusor e deixe por 2 minutos. Retire o infusor e descarte as folhas, para interromper o contato com a água, e sirva.

Oolong

Se possível prepare esse oolong como os chineses, em um gaiwan, uma espécie de xícara com tampa. Primeiro, escalde todos os utensílios, gaiwan, gong dao bei (a jarrinha do serviço) e copinhos, para que, ao receberem o chá, potencializem aromas e sabores. Coloque as folhas no gaiwan, em quantidade que cubra todo o fundo (em gramas, varia, de acordo com o tamanho do gaiwan) e acrescente água a 85 °C. Deixe por 45 segundos, passe do gaiwan para o gong dao bei e, dali, sirva as xícaras. Em um bule convencional, Eloína sugere o preparo de uma colher (chá) para cada 250 ml, com uso de infusor, com água a 80 °C, em imersão por 2 minutos.

Rooibos

Como ele tem folhas bem fininhas, use um infusor de buraquinhos bem fechadinhos, para que não escape nenhuma folha na água. Deixe por 5 minutos em água aquecida a 90 °C e retire o infusor.

ESCOLAS E CURSOS DE CHÁ

Escola de Chá Embahu (São Bento do Sapucaí, SP)

Cursos online durante a pandemia. Assim que o cenário permitir, serão formadas novas turmas para cursos presenciais.

Escola Cha Yê (São Paulo, SP)
Cursos presenciais, que voltarão à programação normal. Assim que o cenário permitir, serão formadas novas turmas para cursos presenciais.

Escola Chá Pra Quê?
Cursos online, incluindo uma opção gratuita para iniciantes.

Instituto Chá
Escola itinerante que leva cursos e workshops por todo país. Durante a pandemia, oferece curso online

Tao te chá
Curso online que une chá, meditação e autoconhecimento.

Para comprar chás e acessórios para o preparo

Tea Shop Shop

Cha Yê

Moncloa Tea Boutique

Caminho do Chá

Sítio Shimada

Talchá

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