Tufting leva texturas e aconchego à decoração
No último ano, a tapeçaria feita com a tufting gun virou hit nas redes sociais. Conheça seis artistas brasileiros que se dedicam à técnica.
Capaz de provocar sensações e acessar memórias antigas, a arte têxtil vive um momento popular nas redes sociais. A tapeçaria manual, feita com a pistola pneumática, mais conhecida como tufting gun, virou hit da quarentena no Hemisfério Norte. Somente no TikTok, a hashtag tufting contabiliza mais de 260 milhões de visualizações.
Por lá, os usuários se dedicam à produção de peças figurativas, pop e coloridas, que vão de capas de discos da SZA e Frank Ocean a personagens da Disney, Marvel e anime, ou até mesmo os logos das redes sociais concorrentes.
No Brasil, os entusiastas ainda sofrem com a inacessibilidade, pois não há fabricantes nacionais para os equipamentos e tecidos mais adequados. Quem deseja uma pistola para chamar de sua precisa encomendar da China ou dos Estados Unidos. E não é por se tratar de algum artefato de última geração. Segundo o site estadunidense Tuft The World, um dos maiores portais especializados no assunto, a tufting gun existe desde o início do século 20, como uma consequência da industrialização.
“Por não existirem assistências técnicas, eu mesmo sou o assistente da minha pistola, faço adaptações e ajustes”, comenta o designer paulista Jan Albuquerque, da marca Tapete Torto, lançada em novembro de 2020. Antes da epidemia, ele trabalhava como produtor de eventos corporativos e usava as atividades manuais para relaxar. Após criar algumas peças para a própria casa, despertou o interesse dos amigos, que fizeram encomendas e o incentivaram a lançar a marca autoral.
No caso da paulistana DaDa, lançada em 2017 pela designer Florence Dagostini, o último ano trouxe um aumento expressivo na busca pelos produtos da marca: mantas e tapetes produzidos em processo semi-industrial. “Percebi um aumento gigante na quarentena. Tento associar ao fato de as pessoas estarem mais em casa. À medida em que não podem sair, estão olhando e mexendo mais no lugar onde estão”, diz a artista, que se divide entre a tapeçaria e o trabalho em uma agência de design. Animada com a demanda, Florence planeja lançar em breve um site, novos modelos de tapeçaria e colaborações com outros artistas.
O ano de 2020 também representou um momento de mudanças na vida da artista têxtil paulista Luiza Caldari. Como muitas pessoas, a designer teve tempo para repensar algumas coisas e perceber que não encarava mais a tapeçaria como apenas um hobby, mas, sim, uma atividade que lhe exigia cada vez mais atenção e dedicação. “Acredito no acolhimento, não só pelo aspecto felpudo, quente e carinhoso, que agrada aos nossos olhos, mas pela força que tem em nos reconectar com o passado”, diz Luiza.
De certa forma, as tramas constroem pontes entre o presente austero e o conforto proporcionado por boas memórias. Se o espaço da casa ganhou ainda mais importância na vida das pessoas, esse lugar também passa a ser examinado por uma nova ótica. O aumento do desejo por itens de decoração também representa a vontade do público em tornar o próprio casulo ainda mais confortável. No caso de seis artistas brasileiros, apaixonados pelo tufting, o envolvimento e o afeto foi tanto que virou negócio. Conheça quem são eles a seguir:
Alex Rocca
Alex Rocca em ação: “Posso passar um dia inteiro em 20 centímetros. Demoro para entender as texturas.Foto: Arquivo pessoal
“Gosto que meu trabalho seja cenográfico, impactante, visual e sensorial. Tenha luz e sombra, volume e texturas”, conta Alex Rocca, artista nascido em São Paulo e radicado em Curitiba desde a adolescência. Com três faculdades na bagagem – informática, cinema e design de interiores –, e com experiência em agências de publicidade, ele sentiu, em 2018, a necessidade de mudar de vida.
Em janeiro do ano seguinte, encontrou com uma guru que, durante uma consulta de cinco horas, o alertou que via coisas na parede. “Não pinto, não desenho, mas sempre gostei de tapeçaria. Será que consigo fazer isso?”, lembra. O designer saiu da consulta, foi até uma loja e comprou os itens necessários para fazer a sua primeira peça. Passou pelo ponto russo e pelo bordado, mas se encantou com as possibilidades do tufting, e hoje conta com 13 pistolas no ateliê.Com o tempo, Alex começou a dedicar cada vez mais tempo para confeccionar uma ideia, que surge a partir de um esboço no iPad e passa por diversas versões até chegar ao resultado final. “Posso demorar uma semana ou três dias. Posso passar um dia inteiro em 20 centímetros. Demoro para entender as texturas”, diz, sobre o seu processo. Além da possibilidade de encomenda, o artista se prepara para lançar uma linha de espelhos e uma série exclusiva para uma galeria.
Um dos seus futuros sonhos possíveis é realizar uma exposição para que o público possa ter a experiência completa das suas criações. “Por causa da tridimensionalidade da lã, (a peça) está ali quase como um elemento vivo”, compara o artista, que deseja provocar sensações. “Quero que olhem e sintam.”
Luiza Caldari
Da moda para a tapeçaria: sem medo das cores.Foto: Arquivo pessoal
Em outubro de 2020, Luiza Caldari decidiu assumir a arte têxtil como a sua principal ocupação, depois de sete anos dividida entre a atividade e o trabalho como estilista da Colcci. Durante sua trajetória, Luiza pesquisou maneiras de experimentar e trabalhar com tecidos. Há uma década, quando saiu da capital paulista para morar em Santa Catarina, usava o tempo extra para bordar. A mudança de foco aconteceu quando encontrou peças têxteis na internet. De início, veio a tapeçaria manual em tear, seguida da talagarça, que se assemelha a um bordado, e por fim a pistola pneumática para produzir peças de maior porte. “A diferença é grande, porque são técnicas opostas – tear exige muito mais trabalho com o corpo praticamente parado. Já com tufting estamos falando sobre velocidade”, diz a artista.
Luiza comprou a sua primeira tufting gun em 2017, mas não imaginava que ia se deparar como algumas dificuldades, como o manual em chinês e a pouca informação disponível online. Demorou cerca de um ano para se sentir à vontade com o equipamento – a pistola pesa 4 kg – e encontrar o material para a base. “Por ser muito forte, a máquina costuma rasgar com facilidade, e não temos o tecido mais indicado no Brasil. Foram testes e testes”, conta.
Para produzir os volumes e texturas almejados, é preciso passar por várias etapas até a finalização. Durante a produção, Luiza costuma trocar as pontas da máquina para alcançar diferentes alturas nos fios sintéticos. Para reproduzir os desenhos, um projetor facilita o processo. As possibilidades cromáticas merecem um cuidado redobrado nas criações de Luiza, que se diverte criando combinações. “Costumo dizer que não podemos ter medo do Pantone”, diz a artista.
Tapete Torto
A arquitetura do centro de São Paulo inspira o designer Jan Albuquerque.Foto: Arquivo pessoal
Para o designer e produtor de eventos corporativos Jan Albuquerque, o artesanato era uma atividade lúdica, que o ajudava a desestressar. Isso foi antes da pandemia. Com a interrupção dos compromissos profissionais, ele começou a dedicar mais tempo à pesquisa sobre técnicas para incrementar a sua produção caseira de itens de decoração, como tapetes, vasos e luminárias. Em novembro de 2020, nasceu a Tapete Torto: a marca oferece peças únicas, feitas sob encomenda, pelo perfil no Instagram, com um prazo de produção de cinco semanas.
Antes de se dedicar a tufagem manual, o designer usava o ponto russo com uma punch needle, técnica frequente para conseguir o desejado efeito relevo. “Acreditei que seriam similares, mas a verdade é que são completamente diferentes”, lembra Jan. Para o artista, o resultado da pistola se aproxima do processo industrial, mas o fator manual possibilita a execução de novos formatos – o match perfeito para as suas criações, que utilizam linhas de acrílico ecológicas e lã natural, sempre produzidas no Brasil.
Morador do centro de São Paulo, ele se inspira na arquitetura da região e também na obra de nomes que admira, como Cândido Portinari, Roberto Burle Marx e Oscar Niemeyer. O gosto pelos tecidos vem de família: Jan cresceu observando as avós mexendo com tricôs, crochês e bordados. “Tecidos vestem a casa, o corpo e a alma. Eles me despertam uma memória afetiva de acolhimento, que me aquece nesses tempos pandêmicos”, reflete.
DaDa
Florence Dagostini: peças criadas a partir de desenhos com tinta e giz.Foto: Arquivo pessoal
Depois de anos no mercado da publicidade, a diretora de arte e designer Florence Dagostini estava com saudades de estudar. Em 2015, decidiu pesquisar técnicas artesanais de tecelagem, entre elas, a tapeçaria. O surgimento da sua marca, a DaDa, veio em 2017, quando buscava opções de mantas e colchas para a sua própria casa, mas estava cansada de clássicas como o chevron.
Na mesma época, havia trabalhado em um projeto com artesãos do sertão alagoano, que usavam técnicas como bordado e renda, o que só fez crescer a vontade de investir em algo artesanal. Hoje, trabalha sob encomenda, e seu catálogo conta com 20 desenhos inéditos para as mantas feitas de tricô digital, que demoram 20 dias para ficarem prontas.
No caso dos tapetes, a empreendedora optou por terceirizar a produção das peças: eles são feitos com tufting semi-industrial em uma fábrica. “Foi uma escolha para conseguir adequar a produção”, conta Florence.
A referência ao movimento dadaísta no nome da marca tem a ver com a busca pela espontaneidade e também com o uso de colagens, recurso característico do dadaísmo. Para cada série, Florence produz mais de 30 colagens, que serão agrupadas e depois selecionadas. Os produtos da marca não são figurativos nem possuem padronagens, são desenhos autorais com interferências manuais – ela usa tinta e giz para alcançar o efeito inesperado e colorido. “Estava cansada do computador, quis buscar uma forma de desenhar quase infantil, mas que eu pudesse errar”, conta.
Mitti Mendonça
Mitti e sua pistola: “Cresci entre fios, agulhas e pedrarias”.Foto: Arquivo pessoal
Mitti Mendonça descobriu o tufting enquanto navegava online: ela se apaixonou pelo trabalho dos estadunidenses da Tuft The World e da canadense Simone Saunders. “Tive certeza de que seria um ótimo investimento para dar vida às minhas ilustrações”, lembra a artista. Interessada e curiosa sobre técnicas, ferramentas e equipamentos, Mitti se aprofundou na investigação e percebeu a dificuldade de encontrar os tecidos adequados para a sua nova paixão, além de notar que havia uma porção de pessoas dando dicas em inglês, mas pouco se falava sobre o assunto em português. A segunda parte da questão, pelo menos, ela tratou de resolver. No final de fevereiro, a artista têxtil gaúcha lançou o primeiro canal brasileiro sobre tufitagem no YouTube.
Além de trabalhar com tufting, Mitti também realiza peças e encomendas com punching needle, a “agulha mágica”. Ela aprendeu a fazer ponto cruz aos 12 anos de idade, e nunca mais parou – hoje também domina o crochê e o bordado livre. Geralmente, dependendo do tamanho e da quantidade de detalhes do pedido, ela leva de 4 a 20 horas para produzir do zero.
Apaixonada por cores, ela explica que as capulanas, os tecidos coloridos de Moçambique, têm grande influência em seu trabalho: “muito geometrismo, texturas com aplicações e relevos. Uso também miçangas e lantejoulas por causa das mulheres da minha família, que são bordadeiras do carnaval”. Dentro de casa, a mãe e as tias continuaram o legado da avó materna, a Castorinha, que na década de 1920 começou a empreender por meio do bordado – ela realizava enxovais de casamento e peças de vestuário. “Não cheguei a conhecer a minha avó, mas ela sempre esteve muito presente pela oralidade aqui em casa. Cresci entre fios, agulhas e pedrarias”, lembra.
Futuro
Futuro: design lúdico e colorido.Foto: Arquivo pessoal
Não demorou muito para o hobby da dupla Isabela Maia e Leonardo Vieira se tornar um empreendimento. Com apenas um ano de existência, a marca paulistana Futuro já produziu mais de 100 peças feitas com lã, entre espelhos e tapetes. Para adquirir um, existem dois caminhos: além dos modelos disponíveis no site, há a possibilidade de encomenda com prazo de 10 dias para a entrega. A princípio, por serem apaixonados por moda, o projeto seria focado em looks feitos com materiais de upcycling, mas a demanda pelas peças para casa foi maior do que o desejo pelas roupas.
A Futuro é mais conhecida pelos espelhos com bordas coloridas e divertidas, mas também produz tapetes estampados e vibrantes. Leonardo, o responsável pelo desenvolvimento das peças, começou a experimentar ideias no tear manual e não demorou muito para chegar ao tufting por meio das redes sociais. “Achei linda a ideia de criar peças únicas. O que mais gosto é o poder de transformar qualquer desenho em decoração com formato de algo fofo e aconchegante”, lembra.
A sua primeira memória com os tecidos vem da infância, quando admirava os tapetes persas, por representarem o encontro entre arte e conforto. Entre as suas influências, estão o brasileiro Alex Rocca, a inglesa Alice Kelly, criadora da loja Al’s Place, e a estadunidense Trish Andersen.
Na base da tentativa e erro, tutoriais no YouTube e horas pesquisando referências online, o artista encontrou o que procurava: “Um trabalho que traz alegria, e não seja movido apenas pela questão financeira”.
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes