Vila Nova de Gaia abriga paraíso para quem ama vinho 

Se há algo que nos conecta diretamente com o Velho Mundo, é a língua. Alguns estudiosos afirmam que estamos cada vez mais próximos de falar “brasileiro”, mas, por enquanto, falamos mesmo é o bom e velho português, como os portugueses.

Há diferenças em certos termos e no trato com as palavras. Por aqui, as deixamos mais maleáveis e com ginga. Por lá, são mais diretas. Não ouse, por exemplo, pedir uma mesa para sentar, ao chegar em um restaurante lusitano. Literais que são, eles te dirão que, no lugar, podem providenciar uma cadeira.

Os ditados e expressões são igualmente pragmáticos. “1143, quem não sabe essa data não é bom português” lembra da fundação do país. “Em abril, águas mil” brinca com o mês chuvoso. E uma das mais certeiras: não há melhor lugar para ver o Porto, a não ser em Vila Nova de Gaia. 

É fato. Não há vista mais plena de Porto, a não ser da beira oposta à cidade, no outro lado do rio Douro. Dali, se tem boa distância para saborear a região. É possível ver as igrejas e as ladeiras e observar o silêncio, o modo provinciano e aquele jeito de que o tempo parou, mas de um jeito vivo. É como um cartão-postal diante dos olhos.

Desde 2020, a afirmação ficou ainda mais incontestável: um complexo cultural foi inaugurado em Vila Nova de Gaia para tornar a experiência de contemplar e compreender Porto de forma imersiva. O World of Wine, ou simplesmente Wow, é um espaço com mais de 50 mil metros quadrados, com 7 museus e 12 restaurantes, além de lojas e galerias de arte.

O tamanho se justifica pela vasta história. O cultivo de uvas na região remonta à Antiguidade, e o vinho é consumido ali há mais de 2.000 anos. Quando os romanos chegaram, no segundo século antes da Era Comum, o vinho já era produzido nas margens do Douro. Foi na segunda metade do século 17, no entanto, que o vinho do Porto, com as características e o nome que conhecemos, surgiu.

É que, em 1386, o Tratado de Windsor estabeleceu um acordo político, militar e comercial entre Inglaterra e Portugal. Nele, estabeleceu-se que os comerciantes dos dois países poderiam residir e negociar em ambos os territórios com condições de igualdade. Depois, o acordo comercial anglo-português de 1654 fez com que os vinhos portugueses abastecessem com mais força (por facilidade e custo) as taças inglesas, até então carregadas apenas de uvas francesas. 

Resumindo, Porto virou a segunda maior cidade de Portugal e, certamente, a mais britânica delas. Casas como Croft, Symington, Graham’s, Cockburn’s e Taylor’s viraram as grandes empresas da região. E, em Gaia, a bebida produzida que chegava pelo rio era envelhecida, engarrafada e exportada. Na Taylor’s, fundada em 1692, um desses armazéns ainda pode ser visitado para ver as barricas e pipas de madeira centenárias. 

Acontece que, antes, o transporte do vinho em Porto era feito por barcos e, depois, passou a ser realizado por caminhões. As ruas estreitas, porém, já deixavam o acesso difícil, mas tudo ficou ainda mais complexo, quando o volume de exportação cresceu. Os armazéns, então, foram deixados de lado até hoje servirem como o corpo físico do Wow – com as mesmas características preservadas, tipo as paredes de pedra e o telhado terracota.  

Tudo isso se aprende nos museus do empreendimento, como o Porto Region Across the Ages. Lá, se entende melhor a Invasão Francesa de 1807 ou a Guerra Civil de 1832. Descobre-se, assim, que Porto é conhecida como a cidade invicta, devido a tantas batalhas.

Há também passeios-curtição. O Planet Cork, por exemplo, é um museu sobre a cortiça, a casca da árvore de sobreiro. No The Chocolate Story, visita-se a fábrica de chocolates Vinte/Vinte e se aprende a harmonizar. Já no Pink Palace, sobre vinho rosé, a visita é animada, boa de tirar fotos e para começar os trabalhos: lá, degusta-se cinco rótulos do vinho rosado.  

A exposição mais curiosa e surpreendente é sobre a história da humanidade a partir da evolução dos copos e taças. Chamado de The Bridge Collection, o local tem mais de 2.000 peças, que percorrem 9.000 anos, com o recipiente para beber servindo como fio condutor – atenção para uma tacinha em formato de concha que pertenceu a Elsa Schiaparelli.

O Wine Experience fala das variedades de uvas locais, técnicas de produção e dá uma aula de como degustar. Spoiler: veja a cor, cheire, gire a taça, prove, deguste e jogue o gole para dentro – ou para fora, se quiser evitar uma embriaguez com opções das 14 regiões vinícolas do país. Quem quiser aulas mais profundas e customizadas pode fechar um curso na Wine School, que dá certificado WSET (Wine & Spirit Education Trust). 

A ideia é também ir além do robusto vinho do Porto, com variações dos chamados vinhos tranquilos. E aí é pura festa com tantos rótulos presentes nos restaurantes locais. No Mira Mira, quem assina o menu é Ricardo Costa, jurado do Masterchef Portugal e dono de duas estrelas Michelin no The Yeatman Gastronomic Restaurant. Não deixe de provar a bola de berlim, que lembra o nosso sonho de padaria, mas é salgado e de queijo.

O leque gastronômico do complexo vai de bacalhau à francesinha – uma espécie de croque madame lusa. Peça esta última no T&C, mas fica o alerta de que a queridinha entre os locais é intensa, com direito a carne de linguiça, lombo, salsicha, presunto e bife, além de queijo, ovo e um molho cheio de condimentos, entre eles, vinho do Porto. 

O 1828 é para amantes de carne. Apesar da cidade não ser exatamente famosa por bifes, a steakhouse parece ambientada em plena Guerra Civil, com os garçons vestidos de uniformes de infantaria. O Pip é descontraído para uma pizza e o Barão Fladgate, de vista arrebatadora, tem pratos de tradição como a alheira e outras pedidas mais contemporâneas.

A praça central, com um baita mirante, é livre. A ideia do World of Wine é a de ser realmente um espaço aberto ao público e que a população se sinta bem confortável para se movimentar ali. Paga-se apenas a entrada dos museus e o consumo nos restaurantes e nos bares. E, por falar em bar, o Angel’s Share é perfeito para um Pink Tônica, drink borbulhante com rosé. 

Quem é turista tem a ótima opção de se hospedar no luxuoso Hotel The Yeatman, logo acima de toda a infraestrutura do Wow. Aberto em 2010, ele tem uma adega de 30 mil garrafas, piscina em formato de decanter e todas as mais de 100 suítes batizadas com o nome de uma produtora portuguesa. Ambos os empreendimentos, World of Wine e The Yeatman, são do grupo The Fladgate Partnership –  também dono das vinícolas Taylor’s, Fonseca, Croft e Krohn.

Com certeza é importante avançar para o outro lado do rio e ver de perto os encantos de Porto. Dá para pegar um pequeno barco ou atravessar pela ponte Dom Luís 1º. Em ambos os casos é essencial usar tênis para encarar as ladeiras de paralelepípedos e os muitos passeios que dão mesmo vontade de fazer, como andar no Miradouro das Fontainhas, a Catedral da Sé, o Mercado do Bolhão e por aí vai. 

Mas fique ao menos uma boa semana no complexo de Gaia, para uma viagem com mais aprendizados, surpresas e bons brindes. Uma coisa é certa: em diversos momentos você soltará um feliz “wow!” 

O jornalista Gabriel Monteiro viajou a Vila Nova de Gaia a convite do World of Wine. 

 

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