Björk está de volta ao Brasil: relembre a relação histórica da cantora com a moda

Artista islandesa coleciona aventuras e uma série de colaborações com lendas do meio.


Bjork Post



Dona de um estilo musical eclético, inovador e etéreo, a cantora islandesa Björk é conhecida por explorar e romper os limites da indústria fonográfica e das apresentações ao vivo. Com obras experimentais que não surpreenderiam se fossem categorizadas como um gênero próprio, sua reputação vai muito além da música. A artista coleciona aventuras na moda e um variado histórico de colaborações com importantes nomes do meio. 

Neste fim de semana e após um hiato de 15 anos, Björk está de volta ao Brasil. A artista se apresenta neste sábado, 05.11, no festival Primavera Sound, em São Paulo, que reúne grandes nomes da música, como a banda Arctic Monkeys e o rapper Travis Scott.

Nascida na cidade de Reykjavík, Islândia, em 1965, Björk Gudmundsdottir cresceu em uma família que ela descreve como “hippies islandeses” e, logo cedo, já demonstrava uma impressionante aptidão musical. Aos 11 anos, deu o pontapé inicial na indústria do entretenimento: lançou seu primeiro álbum com covers de hits da época, antes de formar a banda de rock alternativo Sugarcubes, nos anos 1980, e sair em turnê acompanhada de seu filho recém-nascido Sindri Eldon. Mas foi na década de 1990 que Björk encontrou na carreira solo seu espaço de expressão para além da música. 

Sugarcubes

Björk na época da banda Sugarcubes. Foto: Reprodução

Em 1995, dois anos após apresentar o aclamado disco de estreia, Debut, a artista lançou seu segundo álbum de estúdio, o Post, onde, pela primeira vez, trabalhou a criatividade visual por meio das cores. Na mesma época, a cantora também começou, ainda que de maneira tímida, a usar a moda como ferramenta de expressão pessoal. Além do jogo de cores lisérgico na capa de Post, Björk usou o terno Airmail, do designer cipriota Hussein Chalayan, e, no ano anterior, desfilou para a coleção de inverno 1994 de Jean Paul Gaultier. 

Posteriormente, essa relação entre Björk e estilistas se tornou cada vez mais evidente em sua discografia. A cada disco produzido há uma série de elementos que, juntos, narram uma história. Normalmente, temos a música em si, onde Björk costuma expressar ideias filosóficas, contar experiências pessoais e canalizar emoções. Os ritmos podem ser dos mais variados: ela já navegou pelo trip-hop, pop, eletro, jazz, rock clássico entre outros. Em seguida, as faixas se transformam em um universo de linguagens visuais e elementos musicais nada convencionais. Por último, um personagem é retratado na capa do álbum pela cantora e, depois, nos videoclipes. Em seu terceiro projeto, batizado Homogenic (1977), por exemplo, ela fala sobre “alguém que teve de se tornar um guerreiro. Um guerreiro que teve de lutar não com armas, mas com o amor”.

Esse tipo de mensagem e o conceito por trás das obras que a artista propõe não só é incorporado em letras ou performances, mas também nas escolhas de suas roupas e na curadoria cuidadosa de colaboradores que a ajudam a traduzir seu trabalho além do som. 

Bjork Homogenic

Björk no álbum Homogenic. Foto: Reprodução

Devon Aoki Visionaire

A modelo Devon Aoki em foto de Nick Knight com look de Alexander McQueen. Foto: Nick Knight

Em Homogenic, a artista convocou ninguém menos do que o lendário estilista britânico Lee Alexander Mcqueen, seu braço direito, a stylist Katy England, e o fotógrafo Nick Knight para conceber a arte da capa. Björk já próximo do trabalho do trio: enquanto lia uma edição da revista Visionarie, editada por Rei Kawakubo, uma foto da atriz e modelo Devon Aoki vestida de Gueixa saltou aos olhos da cantora. Era uma colaboração entre McQueen e Knight. 

Björk queria algo igualmente poderoso para a capa de seu álbum. Explicou que gostaria de ser retratada como uma mulher guerreira que refletisse a maneira como ela estava se inspirando em diferentes fontes, países e culturas, mas ainda sendo ela mesma. O trio elaborou sua própria visão do personagem multicultural, com diferentes elementos: quimono japonês de seda feito à mão, anéis de pescoço Maasai e cabelo espiralado inspirado nas mulheres nativas norte-americanas das tribos Hopi e Tewa. À época do ensaio, McQueen estava criando sua coleção Eclet Dissect, de alta-costura de inverno 1997 para a Givenchy. A linha da grife francesa também ficou marcada por referências multiculturais do japonismo, com a presença de quimonos, bordados orientais e penteados elaborados que lembravam Björk em Homogenic.

Além de estabelecer uma relação duradoura entre Björk e McQueen, o álbum ajudou a consolidar a imagem da artista e seus experimentos visuais como personagens essenciais de sua arte – e não como mera decoração ou simples escolha de figurino. Desde a capa até os videoclipes que acompanham Homogenic, a cantora construiu uma declaração artística coerente com os temas sonoros e líricos do disco: os desafios do amor e como os enfrentamos, novas maneiras de expressar a identidade nacional em um mundo moderno globalizado e o relacionamento entre natureza e tecnologia. 

Björk e seus universos paralelos

Para Björk natureza e tecnologia sempre andaram de mãos dadas. Seja gravando em uma caverna infestada de morcegos, nas Bahamas, para a música Cover Me, no álbum Post, ou ajudando a desenvolver novos instrumentos artesanais que depois foram incorporados ao universo digital, como a Harpa Gravitacional, criada em parceria com o inventor Andy Harps, no laboratório de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.). 

“Para mim, a natureza e a tecnologia representam esperança e um movimento para o futuro. Sempre fui assim. Acho que tem a ver com eu ter sido criada na Islândia”, disse, em entrevista ao site The Creative Independent, em 2021. “Acho que também é uma espécie de instinto, apenas saber que, se há esperança, temos de unir tecnologia e natureza. Você tem que fazê-las coexistir e elas têm que ser capazes de trabalhar juntas. Isso tem que acontecer, se vamos sobreviver”.

Esse aspecto quase sci-fi, conectado a um fazer natural, também são características marcantes do trabalho da estilista holandesa Iris Van Herpen. Logo, ão demorou muito para que o casamento colaborativo entre Björk e a designer se consumasse. A dupla se uniu pela primeira vez em 2011, após a cantora usar um dos vestidos de Van Herpen em um ensaio fotográfico e se apaixonar por seu trabalho. “Ela me pediu para fazer algo para a capa do álbum dela”, relembrou a estilista, em entrevista à AnOther Magazine, em 2019. “Foi realmente uma honra, eu ouvia as músicas dela desde criança. Ela é um desses personagens realmente raros.”

Bjork Iris Van Herpen Cornucopia Tour

Björk com look de Iris Van Herpen na turnê de Cornucopia. Foto: Reprodução

Bjork Iris Van Herpen Biophilia Tour 2

Björk com look de Iris Van Herpen na turnê de Biophilia. Foto: Reprodução

Bjork Iris Van Herpen Biophilia Tour 3

Björk com look de Iris Van Herpen na turnê de Biophilia. Foto: Reprodução

O álbum em questão era Biophilia (2011). Björk apareceu na capa usando um vestido de couro marrom com bordas douradas de Van Herpen. A peça, chamada Synesthesia, foi criada para “ressaltar a hipersensibilidade do corpo e visualizar esse emaranhado de percepções sensoriais”. Desde então, a dupla se tornou inseparável, trabalhando principalmente em turnês e performances ao vivo, onde roupas se tornaram fatores essenciais para conseguir experienciar o universo de Björk por completo. 

Para a tour de Biophilia, em 2012, a designer criou um vestido escultural, construído com camadas de plástico azul transparente em formato de concha tridimensional (Van Herpen é pioneira no uso da impressão 3D na moda). Outra peça, criada para a apresentação no Roskilde Festival, na Dinamarca, dá a impressão que Björk está sendo consumida por cobras. Já na turnê de Cornucopia, considerado por muitos o concerto mais elaborado e ambicioso da artista até agora, o vestido criado por Van Herpen para o encerramento do show se expandiu ao redor de Björk como uma orquídea florescendo. Nele, as pétalas refletiam o trabalho do artista de luz Nick Verstand, um dos muitos colaboradores escolhidos a dedo para dar vida ao espetáculo e ajudar a traduzir a visão da cantora.

“Falando de cultura pop, Björk teve uma contribuição muito expressiva porque ela promoveu um deslocamento para o mainstream de figuras underground do campo do cinema e da arte”, analisa Thiago Soares, pesquisador de cultura pop da Universidade Federal de Pernambuco. “É um trabalho colaborativo que depois vai ser reproduzido pela Madonna, por exemplo. Se olharmos o clipe de All is Full of Love, da Björk, dirigido pelo cineasta Chris Cunningham, ele tem um imaginário andrógino de assinatura que é traduzido no video. Logo em seguida, Madonna também o convoca para dirigir um dos clipes de seu álbum, Ray of Light. Então, me parece que nos anos 1990 Björk era um grande radar para onde o pop mainstream olhava.”

Balmain x Bjork

Björk com look Balmain. Foto: Reprodução

Bjork x Pierpalo x Moncler

Björk com look de Pierpaolo Piccioli para Moncler. Foto: Reprodução

Bjork x Balenciaga

Björk com look Balenciaga. Foto: Reprodução

Gucci x Bjork

Björk com look Gucci. Foto: Reprodução

Além de Van Herpen e Verstand, Cornucopia contou com a participação da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel, do artista digital Tobias Gremmler e do diretor criativo da Balmain Olivier Rousteing, que assinou uma seleção de figurinos. Outras grifes também já tiveram a oportunidade de ver suas peças brilharem em cima do palco com Björk: para a Orkestral Tour, na Islândia, ela surgiu com o volumoso vestido azul da coleção verão 2020 da Balenciaga. No Bluedot Festival deste ano, sua escolha foi um vestido puffer espacial de Pierpaolo Piccioli, diretor criativo da Valentino, mas feito especialmente para o projeto colaborativo Moncler Genius. Björk também encontrou grande admiração no diretor criativo da Gucci, Alessandro Michele, que desenhou um vestido de látex para o videoclipe da faixa Ovule, de seu mais novo álbum Fossora, lançado este ano. 

“Bjork sintetiza essas encruzilhadas da produção artística. Ela é uma artista que canta em festivais, mas também canta em museus e até catedrais. Essa intensidade que ela traz é muito importante para a cultura”, completa Thiago. “Acredito que essa obsessão por ela reside muito nesse lugar interdisciplinar que ela ocupa, principalmente nas suas performances, que convergem para sua criação artística tanto sonora quanto visual”.

Luz, câmera, ação e tapete vermelho

Além da carreira como cantora, Björk teve algumas passagens no mundo cinematográfico. E, apesar de já ter declarado não possuir ambições como atriz, sua experiência no meio foi expressiva e premiada. A artista atuou no musical Dançando no Escuro (2000), do diretor dinamarquês Lars von Trier, onde viveu a história de Selma, uma imigrante tcheca que, aos  poucos, vai perdendo a visão. A obra rendeu a Björk o prêmio de melhor atriz no festival de Cannes, em 2000. No entanto, a cantora trouxe à tona o lado obscuro da experiência ao relatar, por meio de um post no Facebook, ter sofrido abuso sexual de von Trier. 

Poster Dancer In The Dark

Assim como nos palcos ou em sua discografia, a relação de Björk com a moda como expressão pessoal também passa por sua carreira como atriz, principalmente nos tapetes vermelhos. Talvez seja difícil lembrar quem levou para casa o Oscar de melhor filme em 2001, mas é bem provável saber o que a artista usou naquela edição da cerimônia. Indicada a melhor canção original por I’ve Seen It All, em Dançando no Escuro, a cantora passou pelo red carpet em um vestido de tule branco com cabeça de cisne envolvendo-a no pescoço. Conforme caminhava, a artista deixava para trás rastros de ovos. 

Desenhada pelo estilista macedônio Marjan Pejoski, a criação, em um primeiro momento, não foi vista como um fashion statement, sendo criticada e colocada frequentemente nas listas dos piores looks da premiação. A peça também foi ridicularizada pela apresentadora e comediante Ellen Degeneres, que usou uma cópia para apresentar o Emmy, em 2001. 

No entanto, mais de 20 anos depois, o vestido tornou-se um marco da cultura pop pelo seu momento disruptivo, que pavimentou caminhos para celebridades como Lady Gaga e Billy Porter conseguirem usar o tapete vermelho como lugar de moda performática.  Em 2015, a criação de Pejoski foi exibida como parte da retrospectiva de Björk no MoMA. Quatro anos depois, apareceu na exposição do MET Camp: Notes On Fashion, além de ter sido reinterpretada em coleções de grandes grifes, como no verão 2014 de alta-costura da Valentino.

Bjork Oscar Cisne

Björk no tapete vermelho do Oscar. Foto: Getty Images

“A presença de Björk, tanto cênica quanto em videoclipes, me atrai muito. Ela sempre se destacou pela inovação em termos técnicos e estéticos”, afirma a Gerente de Comunicação e Design do MAM Rio e colunista da ELLE Erika Palomino. “Além disso, sua importância está em romper barreiras de diferentes linguagens, da performance à moda, do cinema à direção de arte, misturando ainda o sinfônico com o eletrônico”.

Seja nos palcos, nos tapetes vermelhos ou nos personagens das capas de seus álbuns, a verdade é que Björk sempre esteve à frente de seu tempo. Ela é capaz de despertar os sentimentos mais profundos e íntimos em seus admiradores com os universos criados na música, moda, arte, tecnologia, sustentabilidade, feminismo e futuro. Björk diz não ser uma “artista nº1”, mas ainda assim continua a lotar estádios, vender milhões de discos e mobilizar milhares de espectadores esperançosos para ver suas performances, figurinos vanguardistas e videoclipes conceituais. Sua constante busca pelo inusitado e pela inovação faz com que fãs e colaboradores queiram experienciá-la, investigá-la e, acima de tudo, compreendê-la.

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