A estética indie voltou?
Inicialmente de contracultura, o movimento ressurge em um mundo misturado e hiperconectado, com cara nova e um tantinho de nostalgia.
Existe uma pseudo-regra na moda, segundo a qual um estilo ou estética se renova a cada 20 anos. Se você acompanha o assunto, provavelmente já deve ter esbarrado nesse conceito. Nos últimos tempos, ele foi muito usado para justificar a volta de elementos dos anos 1990 e, mais recentemente, a obsessão por tudo dos anos 2000.
Esse momentinho virada do milênio começou com o revival dos conjuntinhos Juicy Couture, dos bonés Von Dutch, dos telefones de flip, de Paris Hilton, da cintura baixa, dos tops frente-única, de qualquer coisa com glitter ou strass, do cintinho de corrente na barriga de fora e do rosa-chiclete. Agora, parece que outra referência Y2K está prestes a fazer um grande come back e os porquês estão em perfeita sintonia com o atual momento em que estamos vivendo: a estética indie.
Quem viveu, dançou e bebeu nas duas primeiras décadas dos anos 2000 não terá muita dificuldade em lembrar do visual em questão: calça skinny, legging de lamê, camiseta de banda, cinto com tachas, camisas xadrez, chapéus, acessórios de plástico colorido e mais tudo que você quiser em referência ao mais clichê do estilo 80’s e grunge. Para quem estava em São Paulo, é só recordar qualquer noite nos clube Funhouse, Astronete, Caos, Glória e Secreto. Ou então lembrar de Beth Ditto, Sky Ferreira, Crystal Castles, Cassius e The Klaxons, além das fotos de festas do The Cobrasnake (aka Mark Hunter).
Uma das primeiras a levantar a bola foi a analista de tendências Mandy Lee, conhecida no TikTok como Old loser in Brooklyn. Neste vídeo, ela apresenta uma série de supostas evidências do ressurgimento do intie, tal qual o resgate de tecnologias antigas, como discos e celulares com flip e botões, e a criação de mashups, populares no início dos 2000 e, hoje, em alta na plataforma de vídeo.
Para Beatriz Martins, gerente de marketing da SRI Clothing, o indie era inicialmente mais restrito e no presente se mistura a uma infinidade de referências. “Era muito marcado por uma tribo. Hoje, a geração Z está o tempo topo zapeando. Os estilos se fundem: é uma coisa Y2K, com toques de Paris Hilton e um sabor emo que vai para o indie.” Atualmente, Martins conta que a marca tem feito conteúdos com câmeras digitais e polaroids.
O termo indie, abreviação de ‘independent’, surgiu no início dos anos 1980 para descrever grupos musicais que não estavam no portfólio das grandes gravadoras. Na época, o visual de quem acompanhava o movimento era traduzido por camisetas de banda combinadas a peças vintages, e embalado pelo som de The Smiths ou The Cure. Em 20 anos, a elipse da indústria cultural ruminou o estilo no início dos anos 2000, sendo cultivado pelo MySpace e por bandas como The Strokes, Tame Impala e Arctic Monkeys.
Quem estava na faixa dos 20 no início dos anos 2000 conecta o movimento à juventude, daí a nostalgia. Já para quem não viveu, mas se utiliza de recursos que remetem ao indie, como a influenciadora e empresária Jade Picon, nascida em 2001, faz uma releitura do espírito de Sky Ferreira de anos atrás. Bem no clima descolado e fugidio cool.
“Na década de 1990 se eu, jovem, quisesse falar alguma coisa para a sociedade, tinha de ficar na porta da MTV e pedir ‘pelo amor de Deus, me escutem’. Hoje, ninguém precisa disso, então, com a revolução da comunicação, a velocidade das tendências muda e elas ficam muito mais difusas”, explica Juliana Lopes, coordenadora do curso One Year Fashion Styling, do IED São Paulo. “Não é mais aquela coisa blocada de anos 1950, 60, 70, 80, 90”, complementa.
Por isso, o ressurgimento não é total e massivo, mas diluído em diferentes núcleos. O que ressoa atualmente é a atitude de deboche e/ou distanciamento, quase contrária à moda (apesar de celebrá-la), e que ilustra bem os tempos ambivalentes, de contestação social e consumo crescente.
Ainda assim, surgem novos desdobramentos, como o ‘indie kid’, fortemente adotado por quem nasceu depois de 2000. O estilo mistura desde elementos mais discretos e sóbrios do indie dos anos 1980 à estética patricinha. Não ficam de fora também alguns símbolos nostálgicos, como o smiley, flower power e ying-yang, que trazem um caráter, mais lúdico e otimista, à lembrança do movimento de contracultura do passado.
Do TikTok, a estética indie não demorou a invadir as passarelas. O inverno 2021 da Saint Laurent, por exemplo, teve como principal inspiração a cantora Peaches, cujo estilo pode ser considerado a grande influência desse movimento no início dos anos 2000. Referências óbvias são os maiôs metalizados, as cinturas baixas e a beleza carregada. No pre-fall 2022 da Chanel, a cintura baixa, os cintos de correntes, as leggings, saias xadrezes e olho marcado também aludem ao visual em questão.
Cosplay de Sílvio Santos
A reapropriação do movimento não apresenta, agora, o mesmo caráter alternativo de quarenta anos atrás, já que recai em um questionamento que mais cria eco do que dá respostas: o que é contracultura em 2021? Inicialmente uma reação à hegemonia do mercado fonográfico, o indie nos anos 2000 foi reconfigurado com a internet.
Potencializado pelos computadores de mão e constante performance digital, a qualidade artesanal e o sentimento isolante de inadequação não são mais tão recorrentes assim culturalmente. Em resposta ao tópico do Reddit Na opinião de vocês, o que é contracultura hoje em dia?, um usuário anônimo declarou que ela não existe e que “se você curte tomar uns chás gelados no cemitério de cosplay de Sílvio Santos, você encontra fácil uns grupos na internet.”
O resgate do indie pode ser parcialmente compreendido quando se olha para os ideais de hedonismo e espontaneidade do início dos anos 2000. Hoje, eles encontram ecos num momento em que a vacinação avança e traz algumas perspectivas (ainda não certeiras). “Vivemos um zeitgeist da ressaca. Os posts no Instagram tem um perfume aleatório, sem filtro e um ar de ‘não sei como lidar’, ou vão para o escapismo, com a ultra produção, festa e celebração”, analisa Juliana Lopes, do IED São Paulo.
“O espírito do tempo é de cansaço e drama e a moda responde como ela consegue hoje: fuçando nos arquivos”, continua a coordenadora. A apatia e distanciamento representam bem o indie dos anos 1980, enquanto o apelo mais pop fala diretamente dos 2000. Marya Eduarda Dutra, gerente de estilo da SRI, concorda: “Esta volta é reforçada pelo retorno das pessoas às festas, então tem um direcionamento para o lamê e para a desinibição. O brilho é muito característico da SRI, com um certo nível de ironia, de ser algo quase debochado.”
Para Juliana Lopes, a nostalgia e a vontade de não crescer comandam a ressurgência. “A gente viu isso nos anos 1990, com o visual infantil grunge, do menino do colegial abandonado pelos pais yuppies dos anos 1980, que só pensavam em trabalho. Essa estética dos jovens largados é uma ressaca, assim como agora: é um não aguentar mais tanta roupa, produto, moda, dinheiro e sucesso – mas ainda assim, dentro do Instagram”, analisa.
Os brechós têm um papel central na socialização e caracterização de variados grupos jovens de diferentes épocas – dentre eles, o indie. Para a cofundadora do Vó Judith, em São Paulo, Aparecida Simone, a busca pela nostalgia é mais disseminada na cultura mainstream hoje do que no início do empreendimento, nos anos 1990. “Atualmente, a proximidade com a roupa da irmã mais velha ou avó, que antes iria para a doação, é mais forte”, observa. “O consumo mudou, você pega a pantalona da mãe, joga com uma peça atual e vai para o rolê.”
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