A história por trás dos figurinos de Anitta nos ensaios para o Carnaval 2023
Criados pela stylist Clara Lima, os looks são uma homenagem e reinterpretação de mulheres emblemáticas da vida real e da ficção.
Dia sete de janeiro de 2023. Primeiro show da temporada de ensaios para o Carnaval. Anitta surge no palco, em Salvador, com look inspirado em Tieta do Agreste, personagem de Jorge Amado que já foi interpretada por Sônia Braga no cinema e por Betty Faria na televisão.
Nas apresentações posteriores, a cantora de 29 anos apareceu fantasiada de Marietta Baderna (no Rio de Janeiro), bailarina italiana radicada no Brasil que colocou à prova o conservadorismo do século 19 com seu comportamento sexualmente livre; de Valentina Tereshkova (Jurerê), astronauta russa que ganhou notoriedade como a primeira mulher a ir ao espaço; de Anita Garibaldi (São Paulo), revolucionária catarinense que esteve na Guerra dos Farrapos e na Batalha dos Curitibanos; e de guerreira do futuro (Brasília), uma espécie de Barbarella capaz de salvar a humanidade.
Anitta com look inspirado em Maria Bonita. Foto: Divulgação
Neste sábado (28.01), em Recife, a carioca deu continuidade à folia vestida de Maria Bonita, a primeira mulher cangaceira do Brasil. O figurino teve participação das estilistas Helô Rocha e Camila Pedroza e colaboração de Expedito Seleiro, todos nordestinos. Ainda assim, teve gente que não gostou. Trocaram o ponto final pelo de interrogação na frase viral de Fred Nicácio: “Você tem sangue de Maria Bonita”. Alguns viram apropriação cultural. Outros tantos entenderam como homenagem mesmo.
E foi assim que a coisa surgiu da cabeça da própria Anitta – o que não invalida outras interpretações bem fundamentadas. “Tive a ideia e logo comecei a refletir sobre quem seriam essas personagens”, diz ela, em entrevista à ELLE. Ao todo, são 16 looks, cada um para uma apresentação em cidades diferentes (a última é em 12 de fevereiro), pensados para homenagear figuras femininas fortes, vida real ou da ficção.
“Nem todas vieram tão fácil”, confessa a cantora. “A Marietta Baderna, por exemplo, eu não conhecia. O legal desse tema é a possibilidade de exaltar mulheres que podem não estar no imaginário de muita gente. A moda tem o poder de contar histórias, causar debates e relembrar nosso passado. O que vestimos sempre comunica algo para o público.”
Anitta com look inspirado em Marietta Baderna. Foto: Divulgação
Para concretizar o plano, iniciado em agosto de 2022, a cantora convocou sua stylist, a mineira Clara Lima, para assumir a direção criativa. Foi um trabalho intenso de pesquisa, que contou até com ajuda de acadêmicos. “Anitta sugeriu quatro personalidades e eu mergulhei nos estudos” fala Clara. “Até concluir os croquis, li bastante, fui atrás de outras fontes literárias e imagéticas. Estudei à beça sobre política e sobre o corpo.”
Dessa imersão, saíram mais 12 personagens, alguns com conexões bastante pessoais. Um exemplo é a Tieta, figura que faz parte da formação da stylist. “Assistia aos capítulos da novela da Globo escondida, porque meus pais não achavam apropriado. A protagonista do romance de Jorge Amado é um dos retratos do empoderamento feminino”, comenta ela.
A Tieta de Anitta usou luvas, meias e véu com estampa de onça, botas douradas e um maiô vermelho cavado. “A intenção é homenagear mulheres inspiradoras da história, mas de um jeito que seja a minha cara. A sensualidade é minha, do Carnaval”, afirma a dona do hit Envolver e uma das indicadas ao Grammy de Artista Revelação — a premiação está marcada para 5 de fevereiro, em Los Angeles.
Anitta com look inspirado em Tieta do Agreste. Foto: Divulgação
“A funcionalidade no palco é um aspecto bem importante. O conforto é essencial. Os ensaios duram cerca de quatro horas. No fim, é o equilíbrio entre conceito e praticidade”, continua Anitta. Tudo isso é testado no dia da apresentação, durante a prova de roupa. “Nesse momento, analisamos minuciosamente a produção e levamos para o ajuste, se necessário”, explica Clara. “Também gosto de ir aos shows para conferir de perto a real situação do trabalho, o comportamento da roupa no palco – o que pode acarretar alterações nos looks seguintes”, diz a stylist.
A execução das peças ficou a cargo da estilista Michelly X, que a cantora conhece de outros carnavais. “Trabalho com várias artistas maravilhosas, mas Anitta é a número um do momento no Brasil. É muito interessante estar nessa jornada, de tornar realidade os desenhos”, comenta a designer.
Barbarella funk
Pesquisadora e coordenadora do curso de Formação Executiva em Moda, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Paula Acioli acredita que os looks de Anitta são “um verdadeiro batalhão de referências”. Para ela, “o desafio da estrela pop é conseguir misturar todas essas inspirações, criando visuais que se pareçam com a persona que ela criou e que ao mesmo tempo surjam como novidade, apesar do perfume retrô-futurista. E ela consegue. Anitta é a Barbarella funk”.
A pesquisadora ainda argumenta que um figurino corretamente elaborado pode ser uma poderosa ferramenta na construção identitária e no sucesso de uma cantora. “Na medida em que se reúne características marcantes de sua persona, adicionadas a elementos característicos de outras personalidades marcantes e do contexto, surge um conjunto tão assertivo que provoca uma espécie de gatilho instantâneo de interação com a plateia. No caso de Anitta, o combo poder, erotismo e heroísmo, sob a forma de seu engajamento em diversas causas, gera uma identificação imediata com sua audiência.”
Anitta com look inspirado em Valentia Tershkova. Foto: Divulgação
Na equação, Clara, que já trabalhou com Ivete Sangalo e com a banda Cansei de ser Sexy, cita a autoestima da patroa, para quem presta serviço desde 2019, além de seu comentado senso de exigência. “Iniciamos a parceria uma semana antes do Rock in Rio (de 2019). Foi uma loucura. Ela gostou muito do resultado e resolvemos estender a história. Para o Carnaval de 2020, depois de muitos experimentos com meia-calça, surgiu o recorte no bumbum, que virou uma marca registrada da cantora e tendência mundial. Anitta gosta de arriscar, não tem medo de ousar e dá liberdade ao time. Ela confia na equipe e pede pouquíssimas mudanças na produção.”
Imersa nesse universo, a stylist fica com parte dos figurinos. Como muitas peças não podem ser lavadas, ela higieniza e guarda em seu acervo, com o maior cuidado do mundo para não perder um botão sequer. “Música pop é visual. Na trajetória de Anitta, a roupa é elemento fundamental, ajuda a narrar a história. Não há repetições de looks, o que gera uma expectativa imensa. No pop, 80% do espetáculo é a roupa”, opina Clara, certa de que faz parte do show.
Anitta com look de guerreira do futuro. Foto: Divulgação
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