Alber Elbaz: uma coleção inteligente na semana de alta-costura
Diferentemente do que se espera de uma estreia couture, o estilista voltou à moda por meio da AZ Factory com itens básicos mas que tentam repensar a maneira de vestir, dentro da temporada mais luxuosa do calendário.
Sem looks de princesa, metros e metros de tecidos ou os maiores malabarismos artesanais que os ateliês de alta-costura podem promover, Alber Elbaz fez seu retorno à moda com bom humor e inteligência. A apresentação aconteceu durante a semana de haute-couture, mas não é bem essa a proposta da nova empreitada. Tampouco trata-se de um prêt-à-porter tal qual o conhecemos, apesar das roupas de aparência simples. É que o mérito da AZ Factory, nova marca do estilista, não está à primeira vista, nos vestidos coquetel pretos, grudados no corpo, e de inspiração esportiva, mas na concepção da coleção que a coloca como uma das mais interessantes da temporada.
AZ FACTORY SHOW FASHION BY ALBER ELBAZ
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O retorno acontece cinco anos após a saída de Elbaz da Lanvin, casa na qual trabalhou por 14 anos. E o novo negócio — da produção ao formato de apresentação — traz uma série de novos desafios ao modus operandi ao qual ele estava acostumado. Foi com o curta The Show Fashion, de pouco mais de 25 minutos, que a AZ Factory estreou. O vídeo é uma mistura de fashion film encenado, entrevista com o criador e documentário técnico. A peça audiovisual até lembra as campanhas engraçadinhas que Elbaz produzia anos atrás (como a da parceria entre a Lanvin e a H&M, no ano de 2011), mas o foco, agora, é o discurso.
AZ Factory
Uma das figuras mais carismáticas da moda, ele brinca que, dessa vez, não haverá gravata borboleta, uma assinatura do seu visual. Elbaz conta que o tempo longe das passarelas foi importante para voltar a se apaixonar por moda, que não largou a indústria (vinha trabalhando na concepção de acessórios com etiquetas como a Tod ‘s), e que a desconexão foi fundamental para conseguir pensar e sonhar. Mas uma pergunta o seguiu ao longo desses anos: a moda ainda é relevante? “Sim!”, ele responde. “É justamente quando as coisas não estão bem, que precisamos de algo como a moda.”
A certeza que ele encontrou não significou, porém, a reprodução do sistema como sempre foi. Pelo contrário, ele afirma que a moda precisa se resetar — inclusive, curte mais esse termo à palavra retorno. A AZ Factory, que traz a primeira e a última letra de seu nome, o estilista define como uma fábrica, um laboratório. Por meio dela, o objetivo não é criar mil e uma coleções, as chamadas temporadas cápsulas, pílulas. “Isso me lembra antibióticos”, ele brinca. A ideia que ele propõe é a de fazer histórias, levantar projetos, coisas que façam sentido para o mundo e para o agora e que possam no futuro se complementar. “Um de cada vez.”
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A história atual é um casamento entre o passado e o futuro, como ele mesmo definiu. O ponto de partida veio do black dress, o mais icônico e clássico dos vestidos. A solução para o seu desenvolvimento, no entanto, saiu de um dos lugares mais tecnológicos do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia. “Se há um ponto em comum entre as mulheres que eu conheço é a eterna batalha que elas têm com o peso”, diz. “Um estilista pode procurar fazer mágica, construir o vestido perfeito para alcançar o corpo que alguém sempre sonhou”, ele continua. “Mas isso é tão velho… Decidi ser engenheiro e não estilista, construir um tecido que abrace a mulher, um vestido anatômico que funcione para todos os corpos, que proporcione a sensação de algo exclusivo.” Voilá! Mais couture impossível. Ainda que cientistas tenham tomado o lugar dos artesãos dessa vez, o processo cuidadoso para chegar na roupa perfeita era de alta-costura pura.
Esse tecido anatômico Elbaz chama de “anatoknit” e demorou cerca de sete meses para ficar pronto. Desenvolvida em um laboratório espanhol e construída em uma fábrica holandesa, a malha canelada tem 13 elasticidades diferentes, partes mais grossas, outras mais finas, além de perfurações para o respiro da pele. Com ele é possível, por exemplo, que uma parte do corpo seja segurada com mais firmeza, enquanto outras, como o quadril e as pernas, ganhem maior liberdade de movimento.
Essa performance toda atende do XXS ao XXXXL, para que “não seja necessário uma mulher buscar a sua roupa no departamento infantil ou que ao menos consiga achá-la no seu tamanho”, explica. Além disso, outros pontos também procuram atender não só uma maior funcionalidade, como dar mais autonomia à quem veste. Depois de anos se perguntando porque os zíperes das roupas masculinas ficam na frente, enquanto que o das femininas são costurados na parte de trás, colocou fechos ao alcance das mãos para facilitar o abrir e fechar da roupa. E fez isso deixando tudo com aparência de joia.
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Esse trabalho de pesquisa e laboratório ganha corpo em três grandes séries de looks na coleção. A primeira é esta com dez variações do cocktail dress, seja com um ombro único, um laçarote nas costas ou mangas mais exageradas – e já à venda na Farfetch e Net-a-Porter, além do site próprio da marca. Já a outra série é composta por itens de activewear, que vão da “yoga ao zoom”, como uma segunda pele colorida, que parece um uniforme mas muda de cara quando recebe uma saia balão de cetim. O último bloco é destinado aos pijamas: AZ lazy, para quem quer ficar em casa, e AZ crazy para quem quiser (e puder) sair. Nessa última safra, há explosão de cores e estampas, prints feitos em parceria com designers gráficos que receberam de Elbaz a missão de reproduzir beijos e abraços, uma homenagem àquilo que faz falta na pandemia.
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Em uma semana de alta-costura o estilista apresentou uma roupa real, mas com o rigor técnico que só o melhor da moda pode proporcionar. “Eu quero cada vez menos ver o vestido, e cada vez mais ver a mulher que o usa”, explica, antes de se despedir de quem assiste ao clipe com um bom “I love you!”. Mais do que uma volta, o estilista faz bem ao encarar o momento como um reset, porque serve como uma inspiração neste tempo em que vivemos, para a temporada que ele decidiu se apresentar e para a indústria como um todo. Se podemos imaginar a moda do zero, como ela seria? Para Alber Elbaz é assim.
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