Antes do termo ecofriendly surgir, já havia Stella McCartney

Os resultados efetivos dos experimentos sustentáveis da moda ainda são mínimos. Aqui relembramos a história dessa estilista britânica que há mais de 20 anos defende a causa.


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Foto: Getty Images



“Há 20 anos, Stella McCartney traz consciência para a indústria da moda, sendo a primeira casa de luxo a nunca usar couro, penas e peles. O nosso olhar sempre esteve em direção à inovação e ao compromisso com a sustentabilidade. Agora, lançamos as primeiras roupas do mundo desenvolvida a partir do couro de cogumelo vegano Mylo.” Era esse o comunicado da marca homônima da filha de Paul McCartney e uma das estilistas mais influentes das últimas décadas. Senão exatamente pela imagem, com certeza pela sua abordagem e processos ambientalmente responsáveis.

 

As peças em questão, apresentadas em uma campanha estrelada por Paris Jackson, ainda não são comercializáveis, mas funcionam como protótipos do que Stella fará a seguir. Alguns dias antes, a Hermès também anunciou o seu experimento com o mesmo material. A marca francesa, conhecida pelo uso de pele de um vasto leque de animais, incluindo crocodilos e avestruzes, também está testando o Mylo e pretende usá-lo para criar uma versão vegana da bolsa Victoria. Porém, com previsão de lançamento para o fim de 2021, a etiqueta fez questão de deixar claro que essa peça fará parte de uma nova linha e que não irá deixar de usar couro animal em seus demais produtos.

Como foi anunciado ainda em 2020, a Gucci e a Adidas também compõem a lista de marcas integrantes no experimento. O tal couro de cogumelo vem sendo desenvolvido há cerca de três anos por um grupo de cientistas do Bolt Threads, e movimentos como estes têm sido mais frequentes na moda. No entanto, como bem observou o novo relatório do The Business Of Fashion, os esforços sustentáveis, por parte de grandes casas, pouco têm saído do discurso e partido para a prática. O progresso é ainda mínimo e o interesse de fazer disso uma mera ação de marketing parece dominar.

Nessa história, Stella McCartney é um dos poucos nomes fora da curva. Muito antes da sustentabilidade se tornar uma questão discutida no mundo todo e surgirem canudos recicláveis e aplicativos de revenda, já havia Stella. “Os profissionais da moda simplesmente não querem ouvir. Acho espantoso, porque a moda tem a ver com mudança, deveríamos estar na vanguarda. Eu só consigo pensar que eles não se importam muito, e isso é cruel”, disse ela, em entrevista ao jornal The Guardian, em 2009. Mais de 10 anos depois, pouco parece ter mudado.

O começo

Filha de Paul McCartney e da fotógrafa já falecida Linda Eastman, a britânica nasceu logo após a separação dos Beatles. Isso, no entanto, não a impediu de acompanhar por alguns anos as turnês e gravações de seu pai, afinal, logo depois, ele já se tornava o vocalista da Wings. É neste cenário que Stella cresce 一 viajava pelo mundo, conhecia as mais variadas culturas e observava de perto uma agenda intensa. Depois de alguns bons anos nesse ritmo, a família decidiu desacelerar, e é aí que Stella se muda para uma fazenda orgânica, em Sussex, e começa a construir sua afeição pelos animais.

Em paralelo, o interesse pela moda também aflorava e, aos 13 anos, a britânica começou a fazer as suas próprias roupas. Três anos depois, a jovem já dava os seus primeiros passos na indústria, estagiando no ateliê do francês Christian Lacroix. Segundo a designer Betty Jackson, com quem trabalhou na época, Stella ficava responsável por fazer o café, pegar alfinetes, buscar o almoço e recolher os tecidos pelas fábricas. Após essa primeira experiência, a britânica também teve uma rápida passagem pelo ateliê do alfaiate Edward Sexton, e logo ingressou na faculdade.

Formada em Design de Moda pela Central Saint Martins, Stella teve uma graduação e tanto. Para o seu trabalho de conclusão de curso, convocou a ajuda de suas amigas. No caso, Kate Moss e Naomi Campbell, as estrelas de seu último desfile acadêmico. Com a atenção da imprensa, a britânica conseguiu vender a coleção para algumas multimarcas.

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Stella McCartney no fim de sua estreia na Chloé. Getty Images

Apenas dois anos depois de formada, em 1997, Stella foi anunciada como nova diretora criativa da Chloé. Na época, a nomeação foi motivo para muitas críticas, já que, aos 25 anos, a estilista ainda não possuía muitas experiências de trabalho, e a oportunidade parecia estar sendo dada apenas pelo seu sobrenome. “Sei os privilégios que é ter os pais que eu tenho. No fundo, sempre soube que se tudo desse errado, eu ficaria bem. Essa é uma opção que a maioria das pessoas não têm, financeiramente”, disse ela, mais tarde, em entrevista ao The Guardian.

Os comentários, no entanto, não duraram muito. Sucedendo Karl Lagerfeld, Stella McCartney estreou na Chloé com uma coleção digna de sucesso de crítica e público. A dose jovem, sexy e divertida injetada pela britânica fez a marca francesa ver os seus números dispararem e foi a grande responsável pelo reposicionamento da maison e pela renovada atenção de inúmeras celebridades. Isso, ao menos, até 2001, quando a estilista decidiu deixar o cargo para lançar o seu próprio negócio. No seu lugar, ficou sua então assistente, Phoebe Philo.

O meio

A partir daí, cada passo se desenvolveu bem rapidamente e, no mesmo ano em que saiu da Chloé, Stella lançou a sua marca homônima, através de um joint venture com o grupo Kering (na época chamado de PPR), e estreou na semana de moda de Paris. “Encontrei um parceiro com as habilidades necessárias para fazer deste negócio um sucesso. Sempre quis começar a minha própria etiqueta e, agora, me sinto pronta para este desafio”, disse em comunicado divulgado na ocasião. Com códigos bem definidos, a britânica tirou a rigidez da alfaiataria e, claro, se recusou a usar qualquer material originário de animais, além do esforço máximo para reduzir os impactos ambientais de sua produção.

Seu compromisso irredutível com a sustentabilidade é fruto da educação de sua mãe, uma vegetariana convicta e ativista contra a crueldade aos animais. A grande questão é que, lá em 2001, falar sobre isso não era tão fácil assim. “No início da minha carreira, fui descaradamente ridicularizada. Couro e pele são como convenções no nosso setor, mas não é novo nem sustentável. Nada disso me atrai”, afirmou em entrevista ao Women’s Wear Daily. Com este desafio em mãos, Stella esteve na linha de frente do desenvolvimento de toda e qualquer alternativa, aprendendo a manipular diversos materiais, como algodão orgânico, fibras ecológicas, poliéster e cashmere reciclados.

A escolha, claro, tem um preço, e a britânica enxerga que, se tivesse optado pelo caminho tradicional, certamente sua empresa seria, hoje, cinco vezes maior. Em entrevista ao The Guardian, Stella foi sincera: “Não é como se eu dissesse ‘não vou usar esse material porque o desafio vai me fazer mais criativa’. Na verdade, é mais ‘bem, isso é uma merda, eu tenho três opções de lantejoulas, enquanto todas as outras marcas tem cinco mil’. Se todos fossem sustentáveis, poderíamos ter condições equitativas de concorrência. É o que me parece justo. Mas, no fim do dia, a escolha é minha e eu não vou abrir mão dos motivos que tenho para trabalhar assim”.

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Campanha da collab entre Stella e Yoshitomo Nara.Divulgação

Mesmo entre os desafios, a estilista segue se fazendo notada e, ao longo dos vinte anos de marca, se tornou uma das favoritas para colaborações. Gap, H&M, Target e a brasileira C&A são algumas das redes que já desenvolveram coleções assinadas por Stella. Já a Adidas tem uma relação ainda mais especial: entre as muitas parcerias já realizadas, a britânica ficou responsável pelos uniformes feitos pela marca esportiva para algumas edições das Olimpíadas.

Em janeiro deste ano, Adidas by Stella McCartney voltou a tomar forma com a coleção Future Playground. Como um ode à juventude e à consciência ambiental das novas gerações, a campanha foi protagonizada por um time de criativos e ativistas, incluindo Lourdes Leon e Yuri Hibon. Um mês depois, foi a vez da designer realizar uma parceria com o lendário artista japonês Yoshitomo Nara. A colaboração faz parte da Shared, a linha sem gênero de Stella, e teve Iris Law e seu namorado, Jyrrel Roberts, como estrelas da campanha.

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Meghan Markle Getty Images

Quando o assunto é celebridades, Stella McCartney também não fica para trás. Apesar do estilo de Madonna parecer distante dos códigos da britânica, a amizade entre elas fez a parceria acontecer. A estilista já ficou responsável por figurinos usados pela cantora em turnês e até por alguns dos seus looks do MET Gala. Meghan Markle é outra fã declarada e a escolheu para fazer o vestido de recepção de seu casamento. Taylor Swift também faz parte dessa lista, e juntas lançaram uma coleção inspirada no universo de Lover, um dos álbuns da artista.

E o futuro

Em 2019, algumas mudanças chacoalharam as estruturas de seu negócio. Na época, ela comprou de volta os 50% de sua empresa adquiridos pelo grupo Kering, em 2001. Após a notícia ser revelada, ela parecia certa da decisão: “Desenvolver o meu negócio de maneira autônoma era uma oportunidade que eu não poderia recusar”. No entanto, poucos meses depois, a LVMH anunciou a compra de 10% da marca, rendendo polêmicas e atiçando ainda mais a rivalidade entre os dois grupos.

“Quando ninguém falava sobre isso, Stella foi a primeira a colocar questões ambientais e éticas como prioridades. Faremos uma bela história juntos”, afirmou Bernard Arnault, presidente do LVMH, em comunicado divulgado na época. A estilista também passou a atuar como consultora especial de sustentabilidade do grupo. Desde então, ela segue buscando incansavelmente mais e mais alternativas, e só podemos esperar que, entre os discursos vazios de alguns, Stella McCartney continue pavimentando o caminho da indústria da moda em direção à dias melhores.

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