As cores do movimento sufragista
Muito além do branco, conheça os significados dos tons que serviram de bandeira para a luta pelo direito ao voto feminino.
As cores sempre desempenharam papel importante dentro da sociedade. Elas possuem a capacidade de transmitir mensagens e provocar sensações instantâneas. Justamente por isso, são partes essenciais das mais diversas construções sociais, funcionando como elemento identitário com potencial de pertencimento e exclusão. Não à toa, quase todos os movimentos sociopolítico e cultural possuem alguma tonalidade cromática ligada a seus integrantes. Com as sufragistas não foi diferente.
O branco é, sem dúvidas, a cor mais rápida e popularmente associada à indumentária das mulheres que foram às ruas lutar pelo direito ao voto feminino, a partir da metade do século 19. Tem a ver com a questão financeira (tecidos nesse tom eram mais baratos) e também com a própria lógica de uma manifestação: em meio a uma multidão de homens com ternos pretos, roupas brancas se destacam facilmente. Contudo, outras cores apareciam em cartazes, faixas e broches. Elas variam de lugar para lugar – as sufragistas britânicas escolheram roxo, branco e verde para distinguir o partido dos outros, enquanto as americanas preferiram o roxo, branco e dourado.
Emmeline Pethick-Lawrence, ativista e editora do jornal semanal da época Votos para Mulheres, certa vez, explicou o motivo pelo qual cada cor foi escolhida: “Roxo, como todos sabem é a cor real, representa o sangue real que corre nas veias de cada sufragista, o instinto de liberdade e dignidade. Branco significa pureza na vida privada e pública e o verde é a cor da esperança e o emblema da primavera.”
Protesto de sufragistas em Nova York.Foto: Getty Images
Sufragistas nas escadas do congresso dos EUA, em 1914.Foto: Getty Images
Para a professora de pós graduação em Design e Tendências da PUC Paraná, Daniela Nogueira, o roxo “tem um tom de realce para o movimento feminista, é a transcendência dos efeitos que impulsionam a causa”. Para ela, a cor tem também significados de poder e cura. “É como a equidade e temperança da liberdade, que disseram ser azul, e da fraternidade, que julgaram ser vermelha. Se souber misturar, dá roxo. É a cor que dá sentido à paz do branco, que, isolado, é paz sem voz”, explica.
Os códigos de significação e pertencimento à causa não se limitavam à moda, embora as cores identitárias do movimento seguissem sempre presentes. É o caso das bicicletas da marca Elswick Cycle Company, em roxo, branco e verde, preferidas pelas apoiadoras do direito ao voto feminino. Muitas peças cotidianas também foram produzidas nesses tons para reforçar sua associação ao grupo. E deu certo. Muitos dos cartazes contrários às sufragistas representam aquelas mulheres com o trio cromático escolhido por elas. Ou seja, uma sufragista era reconhecida por suas cores, mesmo pela oposição do movimento.
Sylvia, a filha de Emmeline Pankhurs, era a artista oficial do movimento. Pintora e designer habilidosa, criou desde bandeiras até jogos de chá tricolores – os produtos eram um sucesso. Um dos itens mais populares era um broche, geralmente com a frase ”Votos para mulheres”, facilmente era encontrado na roupa de apoiadoras da causa.
Medalhas e broches com temática sufragista.Foto: Getty Images
Cartaz em apoio ao movimento sufragista.Foto: Getty Images.
A biógrafa e historiadora do sufrágio feminino, Jill Zahniser, afirma que ”branco e dourado são as duas únicas cores que foram historicamente empregadas por todo o movimento.” E nessa história, o vestuário tem papel de destaque. Muitos homens opositores tentaram criar a ideia de que aquelas mulheres desejavam ser masculinizadas, uma vez que votar era direito exclusivo deles. Como resposta, trajes delicados, tecidos leves e tons claros se tornaram formas de contestação e protesto.
A co-fundadora do partido Women’s Social and Political Union (WSPU), Christabel Pankhurst, sempre dizia que as sufragistas não podiam ser mulheres deselegantes. A loja de departamento Selfridges foi grande aliada do movimento nesta questão e começou a investir em uma variedade de peças elegantes, como as sufragistas procuravam, para deixar a feminilidade em evidência. Outras lojas também investiram no público, a sapataria Lilley e Skinner, por exemplo, começou a vender calçados nas cores do partido WSPU. Mappen e Webb, os joalheiros de Londres, publicaram um catálogo natalino de jóias inspiradas nas sufragistas em 1908.
De jóias à peças íntimas, tudo começou a ser comercializado nas três cores simbólicas da luta pelo voto feminino. A venda de mercadorias tricolores foi um fator decisivo para o financeiro do partido das mulheres, isso fez com que elas tivessem grande vantagem política.
Emma Stone, no Globo de Ouro de 2018, com maquiagem nas cores do movimento sufragista.Foto: Getty Images
Vale lembrar que era metade do século 19 e foi só a partir de 1990, com a terceira onda do feminismo, que a desconstrução da ”feminilidade universal” ganhou mais força com questionamentos sobre gênero, sexo e sexualidade. Hoje, para ser considerada feminina, uma mulher não precisa ser refém de ícones tradicionais de estilo como saias, salto alto e batom. O feminino é plural, cada pessoa que se identifica com o gênero tem sua própria interpretação e forma de comunicar essa feminilidade.
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, no dia de sua possa.Foto: Getty Images
De toda forma, o trio cromático se tornou uma marca tão forte do movimento que é lembrado até hoje. Em 2018, na cerimônia do Globo de Ouro, Emma Stone maquiou os olhos com uma paleta de cores “‘inspirada em mulheres corajosas e outras forças da natureza”, conforme disse a maquiadora da atriz, Rachel Goodwin, na época. Em 2019 a congressista Alexandria Ocasio-Cortez também vestiu branco no dia da Cerimônia de juramento seguindo o exemplo de Hillary Clinton, em 2016, ao aceitar a indicação democrata para concorrer à presidência.
Na posse da chapa Biden-Harris, em janeiro deste ano, a vice-presidente escolheu o roxo em homenagem às sufragistas. Em seu discurso da vitória, depois de se tornar a primeira VP mulher, Kamala fez outra menção ao sufrágio feminino ao aparecer usando um look totalmente branco com peças assinadas por Carolina Herrera e Tory Burch.
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