Kamala Harris e a ressignificação do uso de pérolas
A vice-presidente usa as mesmas joias com pérolas que muitas outras mulheres na política, mas por um motivo diferente.
O apreço da vice-presidente americana Kamala Harris por colares de pérolas despertou a atenção de todos. Principalmente no dia de sua posse junto ao presidente Joe Biden, em Washington. Na ocasião, ela usou um colar assinado pelo designer Wilfredo Rosado como homenagem à sororidade que frequentou durante sua graduação na Howard University, a Alpha Kappha Alpha Sorority – a primeira irmandade afro-americana com letras gregas da história. As gemas, no caso, são o emblema da instituição e representam as primeiras fundadoras do grupo em 1908, chamadas de Vinte Pérolas.
Quando a equipe de Kamala procurou o nova-iorquino Rosado para criar o acessório, pediu que fosse algo “forte e moderno”. O designer se inspirou nas correntes usadas por artistas de hip-hop e fez um colar de elos de ouro 18K, cravejado de pérolas australianas do Mar do Sul com diamantes.
Quando se formou na universidade em 1986, Kamala também usou um colar e brincos de pérolas para mostrar seu respeito pela irmandade. Desde então, continuou a prestar homenagens durante praticamente toda sua jornada política. Porém, diferente de outras figuras de poder, sua relação com a joia é um tanto diferente e representa valores outros dos construídos ao longo de anos de história. Ou melhor, ao longo de séculos.
Miss Delvair no papel de Cleópatra.Foto: Getty Images
Pérolas: fascínio vem de longe
Os primeiros registros do acessório foram encontrados dentro de um sarcófago no Irã em 1901, na antiga capital de Susa. Era um colar com 216 pérolas que pertenceu a uma princesa por volta do século 4 antes de Cristo. Cleópatra era outra grande admiradora da beleza das pérolas, no livro Pearls, escrito por Fred Ward, o autor relata uma situação em que a rainha aposta com o romano Marco Antônio que poderia oferecer o jantar mais caro do mundo. Para provar seu ponto e exibir poder econômico ela dissolveu uma grande pérola – de um de seus brincos – dentro de uma taça de vinho antes de beber. Pliny ”the elder”, considerado o primeiro especialista em gemas do mundo, avaliou as gemas em 60 milhões de sestércios na época, equivalente a mais de R$ 100 milhões de reais em dias atuais.
Desde então, as pérolas começaram a se transformar em objeto de desejo. Pela influência de Cleópatra, as senhoras romanas também queriam se adornar com a gema preciosa, algumas chegavam a dormir enroscadas em seus colares. Por diversos períodos da história, da Roma Antiga passando pelo Renascimento até os dias atuais a devoção por algo tão singular foi cultivada e associada à tradição.
Por serem raras, elas acabaram se tornando itens de luxo que remetem ao poder e à sofisticação, logo, o uso dessas joias se tornou um termômetro de posição social. Na França, por exemplo, houve comoção para que somente a nobreza fizesse uso delas, excluindo a burguesia de qualquer possibilidade de exibir seus adornos caríssimos.
”A pérola é a total representação do clássico que nunca sai de moda. A gema da criatividade está conectada ao feminino, a pureza e a beleza. Um colar de pérolas está no imaginário de toda mulher, é lugar de sofisticação e elegância. Um clássico atemporal que sempre merece ser revisitado”, afirma a consultora de imagem e estilo Camila Soares.
Coco Chanel.Foto: Man-Ray
Com todos esses adjetivos, as pérolas não demoraram para caírem no gosto de mulheres do campo político na história mais recente, já que tudo que essas figuras públicas usam, comunica. E não só na política, a joia virou sinônimo de poder feminino há décadas, tendo muito provavelmente a estilista Coco Chanel como sua maior embaixadora.
Mas de volta à política, a pioneira do uso foi a primeira-dama Martha Washington, entre 1789 e 1797, seguida por Jacqueline Kennedy e Barbara Bush. No Brasil, o apreço pela gema também é compartilhado por mulheres em cargos públicos como Dilma Rousseff e Gleisi Hoffmann que buscam passar uma imagem séria e tradicional. Por serem usadas tantas vezes para simbolizar aparência formal, as pérolas foram se afastando cada vez mais do público jovem, era careta demais para eles.
Jacqueline Kennedy.Foto: Getty Images
Kamala Harris chega para mudar esse cenário e subverter os conceitos de feminilidade clássica ao usar um lindo colar de pérolas junto ao Converse All Star ou às botas Timberland, como ela fez ano passado em Nevada. Antes dela, porém, a joia já vinha sendo ressignificada por gerações mais novas. Já em 2006, no filme O Diabo Veste Prada, a protagonista Andy, interpretada por Anne Hathaway, usa um colar longo da Chanel em uma produção descolada e fashionista. Em 2014, Alber Elbaz, então diretor de criação da Lanvin, também quis ressignificar a joia. Ele criou colares nada tradicionais com múltiplas correntes douradas, pérolas e as palavras love e hot. Mais recentemente, artistas como A$AP Rocky e Harry Styles ressignificaram de vez o acessório, inclusive entre o público masculino.
A$AP Rocky,Foto: Getty Images
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