A paleta que habito

Sete profissionais da moda explicam o que é coloração pessoal, compartilham detalhes e segredos sobre a técnica e ensinam como burlar as regras de forma consciente.


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Ilustração Victor Aguiar Magalhães / Foto Agência Fotosite



Johannes Itten descobriu a coloração pessoal quase por acaso. Pintor suíço e professor da Bauhaus, percebeu que, ao pedir para que cada um de seus alunos pintasse uma tela com cores que considerassem harmônicas, cada resultado era diferente. Depois de um trabalho empírico, notou que as pessoas escolhem organicamente tons que estão presentes na sua beleza pessoal e que as cores não eram valores absolutos. A harmonia é um valor pessoal e intransferível.

Alguns anos se passaram até que o estudo de colorimetria e de coloração pessoal fosse aprimorado e transformado naquilo que conhecemos hoje. Se antes as pessoas se encaixavam em quatro paletas diferentes, hoje o número já cresceu para doze, em alguns casos, dezesseis.

A moda sempre foi culpada por uma série de regras que limitam, excluem, aprisionam, encaixotam, pasteurizam. Ditadas por poucos, essas “leis absolutas” eram criadas sem levar em consideração a pessoa que vestiria aquelas roupas, a cor de sua pele, o tom de seus fios de cabelo, sua altura, peso, estrutura óssea e, principalmente, sua personalidade. Para a coloração pessoal, tudo isso conta. Ao fazer essa análise, os fatores de cada indivíduo são analisados para chegar na paleta ideal que harmoniza e destaca cada rosto. Os três pontos principais analisados são as cores, o brilho e o contraste.

O teste é feito sempre pessoalmente, já que muitos fatores interferem no resultado final. “Coloco a cliente na frente do espelho e faço comparações com tecidos de tons, intensidades e temperaturas diferentes para entender o que funciona melhor com sua pele, olhos, cabelo e tudo que estiver próximo ao rosto”, explica Annie Marielly, consultora de estilo mineira. “Sempre falo que é preciso acolher a cliente, pois aquilo pode ser muito subjetivo para ela. É importante ouvir porque ela está fazendo aquele teste e entender suas necessidades”.

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A consultora de estilo Thais Farage. Foto: Divulgação

Ao descobrir sua paleta, a cliente recebe uma cartela de cores que harmonizam com sua beleza natural. Muito ligado ao trabalho de consultoria de estilo, encontrar sua paleta em uma das opções que vai de Inverno Intenso a Verão Suave faz com que fique mais fácil introduzir cores no seu guarda-roupa de forma harmoniosa. “Nós já nascemos prontas, suficientes e harmônicas. A coloração pessoal nada mais é do que repetir na roupa, na maquiagem e nos acessórios as cores que já estão na nossa beleza. Esse é o ponto mais importante: é sobre harmonia. Não sobre bonito e feio”, explica Thais Farage, um dos nomes mais importantes da área.

Um dos pontos mais interessantes levantados por Farage é o de que, no fim das contas, não é todo mundo que procura harmonia ao se vestir. “Uma pessoa que tem um cabelo laranja não busca harmonia, ela tem outro jeito de olhar para a beleza. Às vezes a prioridade de estilo da nossa cliente é ser diferente, moderna, estilosa”, explica. Durante a consultoria, ela ensina suas clientes como burlar a cartela para usar uma cor que elas sempre gostaram. “Leve em consideração os três elementos da colorimetria (cor, brilho/opacidade e contraste) e tente não burlar todos em um mesmo look”, ensina. Para um resultado menos caótico – se for isso que você procura –, Thais também aconselha que pelo menos uma cor de sua paleta seja usada perto do rosto.

TONS E TONS

Um vídeo de 2017 da diretora de fotografia da série Insecure, da HBO, viralizou na internet nos últimos dias. Nele, Ava Berkofsky conta como deixa a pele negra mais destacada e reluzente usando luzes azuis e vermelhas e um polarizador na lente. Essa é a mesma teoria pode ser aplicada às roupas que usamos. Naylah Campos, chefe de análise de coloração na empresa de Farage, concorda. “Exige um estudo maior da nossa parte para entender o que as cores fazem com a pele negra”, explica. “Como esse estudo não foi feito por uma maioria de pessoas negras, ele não se aprofundou no assunto”. Campos conta que acompanhar Insecure é uma forma de treinar o olhar e perceber o quanto alguns tons e tipos de maquiagem (Berkofsky sempre exige bases luminosas, para que reflitam a luz) funcionam melhor para peles mais escuras.

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Naylah Campos Foto: Divulgação

O método de analisar e descobrir a paleta ideal de cada pessoa, no entanto, é o mesmo. Quem explica é Mailda Costa, consultora de estilo de Belo Horizonte, que estuda há cinco anos vários métodos e teorias a fim de criar a sua própria. “Na literatura sobre o assunto, não temos corpos negros escrevendo. Algumas pessoas achavam que as negras eram sempre de paletas quentes, mas não são. Cada pessoa é uma pessoa”, conta.

“Apesar de não ser o mais harmonioso, segundo minha paleta pessoal, adoro usar cores nos óculos, por exemplo, para que a atenção fique no meu olhar”, exemplifica. Houve um tempo em que uma mulher não “podia” usar um look todo vermelho, já que ele atraía a atenção toda a ela. Esse tempo passou.

Outro ponto defendido por Naylah é de que as pessoas de peles mais escuras nem sempre têm um contraste baixo, como antes era difundido. “Mesmo que a gente esteja falando de uma mulher retinta com cabelos escuros, os dentes e seus olhos podem ser menos ou mais contrastados. Não há regra. Tudo vibra e a beleza de uma mulher negra também pode ser contrastante”, explica.

“Na minha empresa, temos um entendimento de que a gente não é uma fotografia. Como você gesticula, como você fala, o que você pensa, tudo isso muda a percepção que você passa para as pessoas”, completa Farage. Ou seja: não são somente as cores que importam.

MODA ACIMA DE CORES

Apesar de estarmos falando de um método empírico, que comprovadamente exalta suas características físicas, há quem não se identifique com sua cartela de cores pessoal. “Às vezes você tira uma cartela, mas, na verdade, o que sua alma quer transmitir ou a cor que você se identifica é outra. E tudo bem. Não é para ninguém sofrer, é para ser divertido!”, brinca a consultora de moda carioca Roberta Freitas.

“Acho muito legal quando uma pessoa conhece sua cartela, mas decide se libertar dela.” Freitas conta que têm muitas clientes optam por esse caminho, mas, quando precisam tirar uma foto profissional ou escolher um vestido de casamento, escolhem um tom na sua paleta para a memória e as fotos ficarem atemporais e harmônicas.

Manu Carvalho concorda. “Nunca gostei desse traço segregador da coloração. Quando aprendi, era um método mais radical, mas nunca gostei de andar com a tabela por aí para saber o que comprar, me afligia muito”, conta a consultora pessoal. O assunto é tema em seus cursos na FAAP, mas ela conta que prefere olhar para as cores de outra forma em sua prática profissional.

“Quando uma cliente quer fazer coloração pessoal, indico outra pessoa e acompanho, já que esse assunto não me encanta, apesar de ser inegável sua eficácia”, continua. Carvalho conta ainda que há muitos consultores que não levam em consideração nenhuma informação de moda ao fazer a análise, baseadas, muitas vezes, em conceitos extremamente clássicos ou datados.

Quem costuma acompanhar a moda de perto muitas vezes refuta essas técnicas. “Não desmereço o trabalho e acredito que pode ser uma linha de segurança para pessoas que ainda não tenham uma boa relação com a moda, de experimentação com o vestir. Numa perspectiva literal, com certeza existem combinações mais harmoniosas”, comenta Ly Takai, especialista em branding e pesquisa de comportamento e consumo no varejo de moda nacional.

“Busco desconstruir questões cotidianas que permeiam meu trabalho, como por exemplo: o que é harmonia? O que é conforto? Qual o intuito da mensagem que quero passar? Às vezes, a intenção é quebrar essa pseudo harmonia. E isso não é menos válido.”, finaliza.

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