Como são calculados os preços das roupas?

Assegurar o valor de marca, atender às expectativas do público e até prevenir falta de matéria-prima são alguns dos louros da precificação, vital a qualquer marca e que vai muito além dos gastos.


preços das roupas
Arte: Gustavo Balducci



Pode ser a peça mais linda que você já viu, com a melhor qualidade, em sintonia perfeita com as tendências do momento. Ela pode ser supertecnológica, com características funcionais capazes de facilitar bastante a sua vida. A marca pode comunicar mensagens de extrema relevância, a produção pode ser responsável ambiental e socialmente. Mas se os preços das roupas não estiver condizente, nada disso importa.

“Se você precifica errado, o negócio não sobrevive”, afirma Cristina Helena Pinto de Mello, conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “É uma das variáveis mais estratégicas e complicadas.” É também determinante. O preço define com quem uma grife conversa, para quem vende e como é percebida pelo mercado e pelo público.

A matemática por trás do processo de precificação é complexa, envolve fatores internos e externos, materiais e imateriais. Equacionar custos de matéria-prima, mão de obra, logísticas e fiscais é uma ciência exata. Não que seja simples. E complica mais quando é necessário quantificar aspectos abstratos. Quanto vale a criatividade de um estilista? O conhecimento técnico de um modelista? Como calcula a bagagem cultural e intelectual?

Fala-se pouco sobre o assunto. Nas universidades, ele é abordado em disciplinas como desenvolvimento de produto, planejamento de coleção, marketing e empreendedorismo, mas sem aprofundamento. “As aulas que conheço falam de um ponto de vista mais teórico”, Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da PUC-SP. “Preço tem a ver com a estratégia individual das marcas, parece pouco científico.” 

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O tema costuma ser tratado como especialização. De acordo com Márcio Ito, professor de planejamento e desenvolvimento de produto e práticas em criação, da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, “o foco na graduação está no processo criativo”. A ideia (errônea) de que criatividade e gestão financeira são coisas distintas, às vezes antagônicas até, ainda prevalece. “Vários alunos entendem que a precificação limita a criatividade”, pontua a professora da FAAP Monayna Pinheiro, que leciona planejamento criativo do projeto final e desenvolvimento de coleção. “Isso é um mito, pois é uma das melhores maneiras de proteger o capital criativo”, continua ela. 

A falta de preparação resulta numa falha bastante comum. “Quando vão para o mercado, esses criadores frequentemente bolam um produto pensando em um público específico, mas com preço que não condiz com a realidade dessa clientela”, analisa Márcio Ito.

Fora das salas de aula, muita gente também evita abordar o tema. Para esta matéria, a reportagem entrou em contato com grandes empresas de moda do país, como Riachuelo, C&A, Ellus, Richards e Alpargatas. Todas declinaram ou não responderam aos pedidos de entrevista. Apenas a Alpargatas enviou um depoimento sobre a pauta. Nele, afirma ter “uma estratégia de manter o preço alinhado à inflação e à disponibilidade de compra do consumidor”. 

Transparência é uma qualidade escassa na moda – em vários sentidos. Do ponto de vista da precificação, existe a preocupação de salvaguardar estratégias internas, contratos com fornecedores e relações comerciais. Por outro lado, há o receio de abalar o posicionamento ou percepção ao abrir as contas por trás do montante que se vê nas etiquetas. Por se tratar de um processo complicado e pouco comunicado, o contraste entre os custos e o valor final é de difícil compreensão – e fácil desagrado.

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Mas, afinal, como se calcula o preço de uma roupa?

Vamos tentar explicar de maneira simplificada quais são os fatores dessa equação. Para começo de conversa, temos os custos. Eles podem ser divididos em três categorias:

Custo de fabricação: são as despesas com os elementos materiais do produto. Tem a ver com tudo o que você pode pegar com a mão. A linha, o aviamento, o tecido. Serviços, como costura, confecção e transporte, entram em grupos diferentes.

Custos fixos: são os gastos fixos, que não dependem da quantidade de produto comercializado – os custos de fabricação mudam de acordo com quanto tecido é comprado. Aluguel, folha de pagamento, contas de luz, água e gás são cobradas sempre e não têm relação direta com o fornecimento de material. 

Custos variáveis: são dispêndios pontuais ou dependentes de alguma outra ação. Por exemplo, se é preciso contratar mais costureiras para dar conta da demanda elevada no consumo de fim de ano, os pagamentos dessas profissionais temporárias são custos variáveis. Impostos que incidem sobre a venda ou transação comercial, como o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) também entram nesta categoria. O montante cobrado depende do volume de produto vendido. Se a marca produz e ninguém compra, não precisa pagar esse imposto.

Preço e valor são a mesma coisa? Não

Antes de continuarmos, é preciso distinguir preço de valor. Eles não são sinônimos, embora sejam inter-relacionados. Preço é a quantia cobrada pela venda de um produto. Valor envolve questões imateriais. É um conceito subjetivo, varia de acordo com a grife, o público, o mercado e o indivíduo. Quando alguém fala que não compra determinada etiqueta por N motivos, isso tem a ver com o valor.

Muitas vezes, os custos de produção de uma roupa não são tão diferentes entre empresas do mesmo tamanho. O quanto elas pagam para confeccionar aquele item pode ser similar. Já o quanto cobram, isso, sim, pode variar bastante. O valor reconhece a singularidade de quem cria. “Quanto custa o meu trabalho intelectual?”, pergunta a diretora criativa Isa Silva. “A cliente também está comprando meu olhar como designer.”

Público-alvo e concorrência

Moda não é só linha e tecido, é discurso, apreciação subjetiva. E ela precisa distinguir bem o que é valioso para cada pessoa. Alguns querem exclusividade, refinamento e status. Outras querem reconhecimento, inclusão e conexões mais íntimas.

As criações de Isa prezam pela ancestralidade afro-brasileira. “Minha marca é preta e precisa ser mais acessível, não temos os mesmos salários das pessoas brancas.” Segundo dados de 2024 do IBGE, a hora de um trabalhador branco é 67,7% mais cara do que a de um preto ou pardo. “Por isso, a roupa não é mega cara, mas tem qualidade material e de experiência”, explica a estilista.

Com quem você se comunica com seu preço? Cada fatia do mercado tem uma expectativa de gasto e retorno. Entender com que se dialoga – e para quem se vende – é essencial para a sobrevivência e crescimento de um negócio. Bem como conhecer o mercado e seus demais agentes. A avaliação de preço, oferta e qualidade é uma necessidade constante para se manter competitivo e não perder clientela.

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Se tudo der certo, tem lucro

De forma bem simplificada, lucro é o que sobra entre o montante que você gastou (ou gasta) e o que recebeu (ou recebe). Segundo os especialistas, esse resultado deve ser aplicado na expansão do negócio, não para pagar contas de operação.“Lucro é para potencializar o crescimento. Custear ampliação de maquinário”, diz Lucia Gomes.

 “Posso ter um vestido de noiva de algodão e outro de seda, e cobrar o mesmo pelos dois”, diz o diretor criativo Alexandre Herchcovitch (o metro da seda costuma ser bem mais caro do que o do algodão). “Vou gastar o mesmo tempo e fabricar com a mesma excelência.” O quanto vai ganhar com isso, depende da sua margem de lucro. 

Trata-se da porcentagem que é calculada sobre o preço final correspondente ao retorno daquela transação. Se para produzir uma calça jeans foi gasto 60 reais, e a peça vendida por 80, a marca lucrou 20 reais. Ou seja, a margem foi de 33,3%. Essa porcentagem varia de acordo com a empresa.

Normalmente, a margem das grifes de luxo é maior, pois inclui um preço elevado que cobre o investimento (material e subjetivo) no produto. Já uma varejista popular não tem uma margem tão espessa, o preço é mais barato. No primeiro caso, o lucro não depende tanto do volume de vendas. No segundo, ele é potencializado pela quantidade do que é comercializado.

É preciso ser flexível

Como você bem sabe, os preços podem aumentar de uma hora para outra. Variação de câmbio e falta de matéria-prima são capazes de elevar os custos de produção. Porém, o ideal é não reajustar o preço toda hora, já que pega mal com a clientela. Para evitar perdas e garantir um fluxo contínuo de caixa, as margens de lucro contabilizam possíveis pedras no meio do caminho.

Um bom exemplo é o impacto das novas tarifas de importação dos Estados Unidos. Muita empresa terá que pagar mais para vender seus produtos no país norte-americano. Ou seja, vai lucrar menos. Uma saída para manter o retorno positivo seria aumentar os preços e passar o ônus para o consumidor. Acontece que a disposição das pessoas para gastar anda em baixa. Se uma blusa custar mais, talvez ela não seja comprada. Porém, como as margens de lucro tendem a ser bem grandes, algumas etiquetas podem absorver os custos alfandegários sem impactar seus clientes.

Quando precificar?

Aconselha-se que a análise seja feita durante o processo criativo. Assim, levanta-se a viabilidade financeira de criar os produtos que vão ser vendidos, não apenas as peças do desfile, por exemplo. Imagine montar uma coleção com materiais incríveis, mas não ser capaz de comprá-los depois para criar as peças? Dessa forma, não seria possível traduzir e entregar os itens com a essência desejada. 

“Tem que ser no desenvolvimento do produto, sempre. Pensa-se no tecido, aviamentos e bordados. Se for desejada uma lavagem específica mais cara agora, isso toca no preço lá na frente”, explica o gerente comercial da Loony Jeans Nelson Tranquez Jr.

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