Airon Martin completa a frase
Conversamos com o designer à frente da Misci, uma das etiquetas mais interessantes e desejadas do momento para conhecer sua história e suas vontades.
Talvez, para alguns, esse pode não ser o melhor momento para falar sobre a identidade nacional. Para Airon Martin, no entanto, a hora de recuperá-la é agora. Em sua Misci, o designer nascido no Mato Grosso se empenha em dissecar os símbolos de cada fresta ignorada ao redor do país. Embora tenha apenas quatro anos, a marca desponta no mercado graças à visão afiada de seu fundador. Em entrevista à ELLE, Airon relembra a sua história, revela curiosidades e comenta sobre um Brasil que sempre foi e para sempre será muito mais do que os últimos anos obscuros que estamos vivendo.
A sua infância foi…
“Complexa. Estou tratando em terapia (risos). Ao mesmo tempo que foi rica visualmente, também me trouxe traumas. Uso a Misci como uma ferramenta para desconstruir o que vivi. Fui criado em um cabaré de beira de BR e a proximidade com essas mulheres me fez entender muito do mundo. Esses dias, uma pessoa me falou que eu fazia uma roupa fina, sendo que a prostituta é vulgar. Eu respondi: ‘Vulgar para quem? Ela usa a roupa como ferramenta de trabalho. Ela é só aquilo? Você tem certeza?’.”
Antes da Misci…
“Eu fazia medicina, muito por querer uma estabilidade financeira. Era o que a minha família esperava de mim. Mas nem eu sei o que eu estava fazendo antes da marca. Já passei por tanta coisa… Enfim, queriam um filho doutor, mas tiveram um filho estilista”
A medicina e a moda se encontram…
“Na anatomia. Na medicina, eu entendi que gostaria de trabalhar com o corpo. Aprendi sobre as proporções, sobre as diferenças entre elas. É algo importante para o caimento das peças e até dos acessórios. Na bolsa que se coloca no ombro, a gente inclui um detalhe para também pode ser segurada na mão. Esses estudos me fizeram criar novos códigos para a minha roupa.”
MISCI I SPFWN53
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A identidade popular brasileira é…
“A única identidade autoral do Brasil. O autoral nasce da mistura de elementos estéticos e culturais. Para mim, o popular está aí e, por isso, atravessa o meu trabalho. Eu cresci nos extremos, eu vi os extremos. Hoje só falo do que vivi, até por medo de ser cancelado (risos). A mistura de um processo tão rico e nobre, que é a construção dos produtos da Misci, junto às referências visuais e sonoras da minha infância é o que faz o nosso diferencial. A gente mapeia o Brasil de verdade.”
O cenário de moda atual…
“Tem de tudo para todos os públicos. Quem é careta, a cada dia se fortalece no careta. E quem é conceito, se fortalece no conceito. Cada um amadurece no seu ponto. Tem cliente para tudo, moda para tudo.”
Beleza na moda é…
“Usar algo que te dê a liberdade de ser. Essa é a maior beleza de um produto de moda. E quando eu falo de um produto de moda, não falo só da peça de roupa, mas também da bebida da moda, da comida da moda, da viagem da moda… A roupa deve te dar a liberdade para usufruir de tudo isso, sem anular a sua personalidade.”
As tendências…
“Não geram a profundidade que eu espero. Com certeza há alguns códigos no meu trabalho, já que a gente vive em um inconsciente coletivo. Mas, como bom aquariano, sempre fujo. Fico em uma briga entre o comercial e o que eu realmente quero para a marca. Quando caio na tendência, gera views, mas não gera profundidade. No momento, estou mais preocupado e interessado em ouvir nosso interior.”
Misci, verão 2023. / Foto: Marcelo Soubhia / @agfotosite
Os seus estilistas favoritos são…
“Eu tenho uma referência muito forte da Phoebe (Philo). Trago um pouco do trabalho dela para o nosso clima e códigos. Também sou fascinado pelo Thierry Mugler. E queria citar algum brasileiro. Poxa, que triste… Bom, o terceiro é um brasileiro que ainda não conheci.”
A intersecção entre designer e influenciador acontece…
“Quebrando muito a cabeça. Eu paro para criar uma estratégia de comunicação para mim, me colocando nesse lugar de influência e de conteúdo. Só assim consigo viabilizar a alta-costura no meu trabalho. É o que me dá abertura e acesso a fábricas, patrocinadores e pessoas que investem no nosso trabalho.”
No seu TikTok…
“Não aparece nada de moda para mim, graças a Deus. Só vejo palhaçada, tem sido um momento de lazer mesmo. O TikTok me conhece muito bem, é bizarro. Mas eu ainda preciso achar a linguagem da Misci no aplicativo, a mesma linguagem do Instagram não funciona. Então, é necessário tirar um tempo para descobrir qual a nossa voz dentro da plataforma.
Na sua playlist…
“Magníficos.”
Na sua estante…
“A Moda e o Novo Homem, de Flávio de Carvalho.”
Nas sessões de terapia…
“A minha infância.”
Uma colaboração que sonha fazer é…
“Com a Phoebe (Philo).”
Uma pessoa que sonha em vestir é…
“Rihanna. Embora seja outra estética, eu amo essa mulher. É uma resposta bem clichê, mas é a verdadeira.”
Um momento decisivo para sua carreira foi…
“Quando me mudei para São Paulo.”
O seu próximo passo é…
“A abertura de novas lojas.”
O que gostaria de falar, mas ninguém te pergunta…
“Embora eu sempre fale sobre a nossa matéria-prima, ninguém nunca me pergunta disso. Eu faço com que as pessoas saibam. Queria que as pessoas perguntassem mais sobre o que a gente tem propriedade para falar. No meu caso, tenho propriedade para falar sobre o nosso processo e desejo que as pessoas o conheçam. É muito difícil fazer o que a gente faz, chegar onde a gente chega.”
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