Das quadras às ruas: a história do Nike Shox

O modelo já passou por várias versões e collabs e foi um dos artigos mais vendidos da marca no Brasil – tudo sem perder a relação com o movimento que o popularizou: o funk.


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Era para ser apenas um tênis de corrida com alta tecnologia de impacto, mas acabou virando um dos artigos de moda mais marcantes de uma geração. Foi no ano 2000 que o primeiro modelo do Nike Shox chegou ao mercado. De lá para cá, foram várias versões e algumas collabs – a mais recente delas com a estilista jamaicana-britânica Martine Rose. No Brasil, o modelo parou de ser comercializado em 20221, mas o interesse em torno dele não diminiu.

Mas vamos do começo: Gustavo Viana, diretor de marketing da Fisia, distribuidora oficial da Nike do Brasil, conta que foram necessários 16 anos de pesquisa e desenvolvimento para formular o calçado, projetado por Bruce Kilgore. À época, em 1984, “a equipe de designers e engenheiros da Nike adicionou molas de aço à entressola de um tênis de corrida, com o objetivo de descobrir o ponto ideal para amortecimento e estabilidade. As experiências com diferentes tipos de articulações e colunas mecânicas prosseguiram ao longo dos anos 1980”, diz Gustavo.

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Martine Rose x Nike Shox.Foto: Divulgação

O primeiro modelo produzido em escala foi o Nike Shox R4, no ano 2000. Na sequência veio o BB4, desenhado por Eric Avar. O “BB” vem de basketball e o número representa os quatro amortecedores. O modelo arrebatou o público depois da jogada Dunk of death, de Vince Carter, que usava o tênis durante os Jogos Olímpicos de verão de 2000. Em entrevista, Lebron James disse que “Vince fez crianças acreditarem que podiam pular como ele se usassem um Nike Shox”.

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Protótipo do tênis Nike Shox.Foto: Reprodução

A partir daí vieram várias outras versões. O Shox Stunner foi projetado por Aaron Cooper e usado pelos esportistas que venceram o torneio de 2002 da NCAA, a associação americana de atletismo universitário. Teve ainda o Nike Shox Glamour, criado em 2004 para a tenista Serena Williams nos jogos em Flushing. E não menos importante, o Nike Shox TL, o famoso 12 molas.

Mas para além das quadras e pistas, o Shox começou a fazer parte do cotidiano das ruas, e, não ao acaso, daquelas marginalizadas. O R4, por exemplo, foi muito associado à cena do grime no Reino Unido. Gustavo explica que a empresa vê isso como algo previsível “Moda, cultura e música caminham juntas, então é natural que os tênis comecem a fazer parte do lifestyle dos artistas e do público que é fã daquele estilo musical ou artista”, fala o diretor. Ele afirma que, na Nike, “sabemos que o rap, o funk, e outras manifestações culturais são a voz da nossa sociedade. São esses movimentos que retratam nossa realidade e que geram identificação com a nossa população”.

Quem pensa de forma parecida é Sarah Kamada, que considera o “Nike Shox um tênis que foi na contramão de tudo que as pessoas estavam produzindo na época. Até hoje, não existiu um tênis que tenha sido tão marcante”, acredita. Ilustradora, ela uniu sua paixão pelos calçados ao desenho e hoje compartilha com seus seguidores nas mídias sociais uma história ilustrada de vários modelos famosos do calçado..

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Ela conta que vê nos tênis uma representação de movimentos, classes artísticas e gerações. “Acho que (eles) são protagonistas nessa transformação cultural e no aumento da sensação de pertencimento de grupos que, por muitas vezes, foram excluídos.”

Só tem no Brasil

Se nos EUA a fama do Nike Shox veio com atletas da NBA, como Carter, no Brasil o tênis foi popularizado por meio do funk. a líder de conteúdo da Agência Silva, Rachel Oliveira, conta que a partir de uma análise regional, especificamente no Rio de Janeiro, berço do funk, houve algumas figuras famosas que perpetuaram a figura do Shox, como o MC Tikão, irmão do MC Frank, o Rei do Nike Shox. “Mas na vivência do Rio, ele era estigmatizado como um tênis de favelado”, comenta Rachel.

Ela relembra como o modelo foi usado por artistas emergentes e cita um dos DVDs da gravadora e produtora Furacão 2000, com nomes como MC Frank, MC Menor da Chapa e MC Sabrina. “Um dos looks mais emblemáticos da minha adolescência foi ver ela (MC Sabrina) de blazer rosa, saia jeans e o Nike Shox 12 molas. Foi uma imagem impactante, porque, na época, o funk perpetuava a cultura da calça jeans e saltão ou bota plataforma, mas nunca tinha essa performance de masculinidade através do tênis”, comenta.

Para Rachel, a importância de programas como o Furacão 2000 tem a ver com pessoas famosas reivindicando culturas de periferias. “O Nike Shox vem nesse lugar: pessoas com acesso comprando o melhor tênis da época e mostrando isso”, acredita.

Embora o Brasil seja o país do futebol, ela acredita que o Shox fez sucesso no território carioca por conta dos atletas e do imaginário do basquete, com as camisetas de NBA – algo relacionado à cultura do charme e o boom das mega lojas de esportes que abriram no país à época. “Existe também a questão da aparência do tênis, de ser fora da curva, não era algo tão palatável para a moda tradicional”, completa.

Hoje, diversos artistas mencionam o tênis em letras de músicas. Desde MC Guime, com Tá patrão, a MC Kauan, com Elas não usam tamanquinho, a lista de MCs que referenciam o R4 ou o 12 molas é grande e pode ser conferida nesta playlist da Fernanda Souza.

A relação das periferias e das comunidades negras com itens como os tênis não é ao acaso. “O povo negro tem uma relação forte com os sapatos por uma questao histórica: pessoas escravizadas não podiam usar sapatos. O que demonstrava que uma pessoa não era livre, era quando ela estava descalça”, explica Julia Vidal, designer e educadora de moda pluricultural. “O tênis Nike vem para além do que ele pode representar enquanto poder de consumo, tem um apelo histórico nesse sentido. Acaba existindo essa relação de interesse e identidade por algo que representa esse lugar de conquista”, finaliza.

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