É hora de deixar as costas nuas

Com seu poder desarmante, os decotes profundos nas costas, tendência forte do momento, encantam já faz tempo. Aqui, relembramos um pouco da sua história.


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Foto: Getty Images



Desde a sua descoberta, aos 15 anos de idade, Naomi Campbell assume o controle das passarelas com um andar matador. Ombros posicionados para trás, olhos nivelados e pés posicionados exata e sistematicamente um atrás do outro. Até parece fácil. Porém, o movimento que se tornou símbolo de seu catwalk é outro, aquele no final da passarela, de frente para os fotógrafos. Trata-se de um giro rápido, em que puxa o cabelo para frente com destreza, como no desfile de inverno 1999 de Atelier Versace.

Naquela ocasião, Naomi usava um vestido preto na altura dos joelhos, que, de frente, parecia simples – não possuía um decote generoso no busto, nem um comprimento vertiginoso – até o inconfundível pivô da britânica. Olhada de trás, a peça era extremamente sedutora. As costas da top estavam nuas, e ela estava bem ciente do apelo de uma zona erógena à mostra. 

No entanto, a moda e a sociedade em geral já possuía uma longa história de fetichização, em diferentes épocas, das costas de uma mulher.  Estima-se que, graças à estilista francesa Madeleine Vionnet, os vestidos sem costas tenham aparecido nos anos 1920, coincidindo com a invenção do bronzeamento artificial. 

Próximo ao fim da Primeira Guerra Mundial, a exposição à luz ultravioleta foi a solução para a falta de vitamina D durante o inverno. Embora, um século atrás, as roupas fossem mais conservadoras, o bronze costumava ser uma desculpa para exibir ao menos um pouco de pele.

Ainda assim, demorou um tantinho mais para o decote traseiro ser elevado a um status cultuado. E o grande responsável por tal feito foi o cinema. Em 1968, Donyale Luna surgiu na comédia Skidoo Se Faz a Dois com um vestido longo, na cor maçã-verde, feito pelo designer Rudi Gernreich. A peça era contida na frente e transgressora atrás, tocando o seu quadril, evidenciando o arco da silhueta e deslizando até o início das nádegas. Quatro anos depois, foi a vez de Mireille Darc vestir um decote semelhante em Loiro Alto do Sapato Preto. A criação foi um pedido da própria atriz ao seu amigo e estilista Guy Laroche. 

“Me perguntei como poderia me tornar inesquecível, queria encontrar algo incrivel”, disse Mireille, em entrevista ao programa 50 Minutes Inside. Pois bem, conseguiu. Quando o diretor Yves Robert viu a peça, solicitou uma mudança no roteiro. É aí que a personagem recebe um violinista desajeitado em seu apartamento, mas nada o prepara para o que viria a seguir. As costas do vestido, mantidas em segredo até a gravação, provocam no ator uma reação espontânea, caindo no feitiço ao mesmo tempo que o espectador. 

As evidências históricas anteriores sugerem que a visão por trás merece ser observada, algo que a temporada de verão 2023 de alta-costura pode atestar. Em Jean Paul Gaultier, o estilista convidado Haider Ackermann evocou o espírito do velho mundo. Isso significa que havia a intimidade e o ritmo da moda em sua essência, de uma roupa que não é feita para ser vista apenas pelo recorte frontal de uma selfie. O franco-colombiano já refletia sobre o assunto quando revelou as costas de Timothée Chalamet no tapete vermelho do Festival Internacional de Cinema de Veneza.

Em peças longas ou curtas, soltas ou coladas ao corpo, Fendi, Valentino e Schiaparelli também fizeram com que as silhuetas de suas modelos fossem apreciadas em 360 graus. Alguns dias antes, durante a semana de moda masculina de Paris, em um visual que Wandinha certamente aprovaria, Jenna Ortega se juntou ao santuário das mulheres Saint Laurent, ao lado de Zoe Kravitz e Hailey Bieber. No desfile, a atriz vestia o capuz resgatado por Anthony Vaccarello do arquivo da casa, mas com o adicional das costas abertas.

Há algo especialmente sedutor nas costas. E a ciência explica: embora cada indivíduo responda ao toque de maneira diferente, as terminações nervosas são unânimes. É aí que, enquanto a pele nua rouba o lugar do tecido e o cabelo é mantido longe, a vulnerabilidade da zona erógena confere intimidade. Não se trata daquela sensualidade corriqueira ou esperada, mas da furtiva, da surpresa. É um quase lá, que ainda deixa um tanto para a imaginação, fazendo com que seja válido questionar onde termina o vestido e começa a pessoa.

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