Em suas poucas entrevistas, Miuccia Prada vai construindo seu mito pessoal: está na moda por um misto de amor e ódio, uma atração nunca completa, sempre em conflito. O desencaixe que ela aos poucos revela abre as portas de seu mundo criativo. Embora seu trabalho tenha algumas marcas de estilo e mesmo algumas ideias fundamentais, não há resposta definitiva sobre quem, afinal, é essa mulher que a designer recria a cada estação.
Em sua juventude, Miuccia foi funcionária do Partido Comunista Italiano, formada em Ciências Políticas. Achava que moda era uma bobagem. Mas acabou se apaixonando por fazer roupas, por criar imagens. O que não a fez parar de questionar e mesmo desprezar certos aspectos desse universo. Para um bom observador, isso é bastante visível nas coleções que ela produz.
Miuccia é uma antiestilista de certa forma, uma anti-heroína que a moda aprendeu a respeitar. Suas peças mais icônicas parecem sempre choques entre mundos, amálgama de tempos. Seu fazer roupa encontra uma linha de ação no conflito permanente, pensado, vivido. Ela é tudo, menos sonsa.
A Prada hoje, além da marca de Milão, é também do mundo, da tecnologia. A Fondazione Prada é um desbunde de arquitetura e arte contemporânea, mas também o lugar em que Miuccia e Godard recriaram o ateliê que o cineasta mantém na Suíça. Numa espécie de instalação, está o mobiliário e tapetes emprestados de lá, filmes sendo exibidos em tevês, a presença de uma ausência. Godard, um dos grandes nomes que botaram em imagem a agitação estudantil na Europa dos anos 1960, referência que orbita o mundo de Miuccia como um bem-vindo fantasma, uma aparição.
Das coleções da Prada tenho uma absoluta favorita: outono inverno 2013. Quando esse desfile saiu, muita coisa foi dita. Que se tratava mais de um greatest hits das bases de estilo de Miuccia do que uma coleção impactante, por exemplo. Bom, escreve-se de tudo por aí…
Sombras, gatos, escuro, essa mulher sai de um mistério. Um apartamento, um date, uma guerra, sua bolsa é uma mala, o cabelo está molhado, ela está de saída. Talvez de chegada. Ela está entre. Poderia dizer mil coisas apaixonadas sobre essas roupas e tenho mesmo a impressão que se tivesse todas elas poderia viver um milhão de invernos refazendo as combinações sem nunca me cansar ou me sentir presa.
Mas tem um detalhe que diz muito de Miuccia. As mangas e decotes caídos, que foram produzidos, feitos pra ser assim. Imagine uma manga que cai conforme você anda. Constantemente você a levanta encaixando no ombro, devolvendo-a ao lugar esperado. Nessa coleção Miuccia diz que a natureza dessa manga é outra. Que não a levantamos porque ela cai, mas para que ela possa cair de novo. Senhas, portões que se abrem para a sutileza de certas coisas.
É também uma coleção de pesos, mangas arregaçadas. Continuo achando que é sobre amor e luta, essas coisas tão faladas e no fundo cada vez mais escanteadas como algo impossível e mesmo indesejável.
No dia de seu aniversário, desejo que Miuccia seja visitada em sonho por todo o seu amor à fantasia, afeto que ela tenta traduzir em imagens. Em tempos tão difíceis como os nossos, muitos são os que, não raro com as piores intenções, declaram a realidade como soberana absoluta. Alguns por ignorância, outros por saber exatamente do poder que a fantasia exerce sobre ela.
Auguri, Miuccia.
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