Conversamos com Derek Blasberg, diretor global de moda e beleza do Youtube
Em sua primeira entrevista para o Brasil, o executivo fala sobre os desafios de estar à frente de uma das maiores plataformas de mídia social.
Reuniões com as irmãs Haddid, festas com Miuccia Prada e Miley Cyrus, passeio por Los Angeles com Katy Perry e encontros frequentes com alguns dos youtubers mais amados pela Geração Z. Tem quem diga que é o trabalho dos sonhos, mas essas são só algumas das tarefas do diretor de moda e beleza do Youtube, Derek Blasberg. É ele o responsável por encabeçar os projetos desse segmento na plataforma, conectar criadores de conteúdo com marcas e articular os canais próprios de grandes estrelas, como a supermodelo Naomi Campbell.
O norte-americano, que acaba de encerrar o Brazil Immersive Fashion Week com um bate-papo sobre influência e tecnologia, contou, em entrevista exclusiva à ELLE (a sua primeira para o Brasil!), quais são os desafios de migrar para uma plataforma digital depois de anos na mídia tradicional, fala sobre as mudanças trazidas para a moda ao longo da quarentena, revela os bastidores de seu trabalho e comenta sobre a nova geração de criadores.
Você já passou por grandes revistas e empresas de moda. Como foi parar no Youtube e o que fez você desejar esse trabalho?
Eu me formei na faculdade em 2004 e trabalhei na mídia de moda tradicional por cerca de 15 anos. Até que, em 2018, comecei no YouTube como líder de moda e beleza. Para ser muito honesto, no início, fiquei um pouco inseguro em trabalhar em uma empresa de tecnologia. Eu realmente pensei que trabalharia em revistas ou jornais a minha vida inteira. Mas, no final das contas, percebi que o que eu amava no meu trabalho de então era a mesma coisa que faço agora no YouTube, porém com olhares diferentes. Nunca imaginei que estaria aqui, mas tem sido uma oportunidade incrível para ajudar a contar as histórias dessas personalidades e marcas. Estou feliz por isso.
Isso é ótimo! Mas, na prática, o que sua função envolve exatamente? Como você explicaria o seu trabalho?
Existem basicamente três tipos de parceiros de moda e beleza no YouTube: as marcas, como Nike, Gucci ou Louis Vuitton; as publicações, que basicamente são as revistas; e os profissionais, como maquiadores, modelos e stylists. O nosso trabalho tem sido ajudar a treinar esses três tipos de pessoas da moda sobre o que funciona melhor no YouTube. Ou seja, nós não criamos o conteúdo para esses parceiros. Cabe a eles criar o seu próprio conteúdo e contar as suas histórias. O que fazemos é fornecer todas as informações, percepções, métricas e melhores práticas para que, a partir daí, possam executar.
Sabemos que a moda demorou bastante para aceitar a força das mídias sociais e entender como poderia usar ao seu favor.
A herança dessa indústria é extremamente artesanal e tradicional, então ela demorou, por vários motivos, para dar atenção à tecnologia. Agora, as mídias sociais são uma parte inegável da estratégia de divulgação de qualquer marca ou personalidade. Não tem mais volta e eu acho que, finalmente, a moda têm se saído bem. Vimos muitos trabalhos incríveis de nossos parceiros e estou orgulhoso de fazer parte deles. Tem sido um exercício diário e constante, mas com ótimos resultados.
A quarentena acelerou ainda mais o processo de digitalização e, neste ano, acompanhamos as primeiras semanas de moda digitais, com resultados variados. Você diria que é menos sobre repetir fórmulas já desgastadas e mais sobre assumir riscos?
Com certeza. A indústria da moda tem usado o formato de passarela para desfiles por mais de cem anos. Agora, as circunstâncias em torno da pandemia exigiu que as marcas repensassem como contam suas narrativas. Por mais que o contexto seja terrível, acho incrível que estejamos experimentando novas formas para se apresentar. Já foi impressionante como tantas dessas marcas conseguiram fazer isso tão rapidamente, imagine tendo mais tempo para se planejar e desenvolver.
Já que muitos dos fashion films seriam publicados no Youtube, vocês acompanharam o processo de criação?
Nós estivemos em contato com as marcas. Quando tudo aconteceu, muitas tiveram que mudar a sua estratégia em poucos meses, algumas em semanas. Foi uma loucura, mas foi ótimo ver como o pensamento já é mais rápido e fluido, e como tem se tornado mais fácil para essas marcas contar histórias diferentes de novas maneiras.
Apesar do digital ter se acelerado, vimos também como inúmeros aspectos não conseguem ser substituídos no digital. Daqui para frente, como vai ficar essa relação entre o online e o offline?
As nossas viagens a trabalho e as semanas de moda são uma parte essencial do business. É quando podemos nos reunir com as equipes, visitar designers em suas diferentes sedes, conhecer pessoas. O físico faz parte do jogo, mas entendo que o digital é preciso para a comunicação e integração global. Só com a internet é possível alcançar o mundo todo e quebrar as barreiras de acesso. Então, a moda vai, sim, voltar à sua forma física, porém existirá uma preocupação muito maior em como esses momentos serão traduzidos online.
Ainda falando em quarentena, como você tem passado esse período? Você vivia viajando e indo a eventos…
Tem sido um ano surreal, definitivamente não esperava passar tanto tempo em um só lugar. Mas, tenho que admitir, acho que eu e muitas dessas pessoas que viajam muito tiveram uma mudança de ritmo bem-vinda. Claro, ficarei feliz quando conseguir voltar a ver meus amigos, assistir desfiles presencialmente e viajar a trabalho. Porém, esse também tem sido um momento importante para desacelerar e para a autorreflexão e redefinição de valores. Gosto de pensar que essa indústria terá um pensamento mais progressista, empático e sustentável quando chegarmos ao fim disso tudo.
“A moda vai, sim, voltar a sua forma física, porém existirá uma preocupação muito maior em como esses momentos serão traduzidos online”.
O digital sempre está em constante mudança. Toda hora surgem novas tendências, novas plataformas, novas lutas com o algoritmo. Como acompanhar?
Ter presença na internet é muito sobre ter o poder da adaptação. Você precisa se adaptar e se manter curioso, interessado, atento. Tudo muda muito rápido, mas é preciso respeitar os propósitos do seu conteúdo e o seu próprio ritmo.
E respeitar o próprio ritmo é possível? O imediatismo traz um excesso. Existem influências negativas, pessoas fingindo vidas perfeitas, a gente se comparando… Como tornar saudável essa jornada digital?
Precisa existir um esforço para se manter desconectado às vezes e, em seu tempo online, se concentrar em acompanhar pessoas que promovem ideias positivas, inspirem e tragam informações precisas. No YouTube, fico responsável pela área de moda e beleza, mas há outra pessoa que se concentra na saúde, outra na política… Há uma grande equipe preocupada em garantir que as jornadas digitais sejam as melhores possíveis.
Nos últimos meses, tivemos grandes movimentos sociais, como o Blacks Lives Matter. Como isso impactou o seu trabalho?
Além de aconselharmos nossos parceiros sobre isso, começamos um projeto que apoia jovens criadores negros, como Christopher John Rogers e Heron Preston. Estamos em busca da formação de uma comunidade de moda mais diversa e queremos ajudar a amplificar as suas mensagens e perspectivas no YouTube. Mais do que nunca, entendemos a força dessa representatividade e estamos empenhados em fazer nossa parte e dar todo o suporte.
Você tem conseguido levar grandes personalidades para o Youtube, agora até a Naomi Campbell tem o seu próprio canal. Como isso tem se dado?
Naomi Campbell foi uma das primeiras pessoas com quem falei quando entrei no YouTube. Obviamente, ela já teve muitas oportunidades de fazer documentários e até mesmo de ter o seu próprio programa de televisão. O que realmente a atraiu no YouTube foi a ideia de ser sua própria produtora, diretora e editora. E isso é o que mais tem fascinado todos com quem conversamos e negociamos. É como realizar o sonho de ter o seu próprio programa, mas sem todas aquelas condições que uma mídia tradicional pode impor.
Em relação aos criadores de conteúdo que começam na plataforma e se tornam grandes estrelas, vocês também acompanham o trabalho? Eles têm um apelo geracional que tem sido decisivo para a moda, não?
Sim, o poder dos criadores da nova geração têm entusiasmado as marcas e temos nos esforçado para conectá-los. Esses jovens têm uma liberdade criativa enorme e conseguem contar histórias para públicos gigantes. Nós conectamos a Emma Chambarlein, uma youtuber de apenas 19 anos, com a Louis Vuitton e ela se tornou embaixadora da marca. Articulamos a presença do Bratman Rock na semana de moda de Nova York e do James Charles e da Lilly Singh no MET Gala, juntamos a Charli D’Amelio com a Prada… Esses são só alguns exemplos.
Você sente alguma resistência de grandes nomes em se aliar às novas vozes?
Antes, sim, agora, acho que, cada vez mais, já se entende que elas são parte essencial da equação. Estamos tendo uma ótima recepção da moda com os nossos criadores e os números entregues por eles só mostram como esses jovens são indispensáveis.
Mas sabemos que ser popular é diferente de ser importante. Qual conselho você daria para os criadores que querem se destacar de uma forma positiva na internet?
O que funciona nas mídias sociais, e não só na moda mas em todas as áreas, é a autenticidade. Confesso que, antes de começar no Youtube, pensava que os usuários da plataforma eram típicos jovens sem um ponto de vista muito sofisticado. A primeira coisa que aprendi quando cheguei foi o quão sofisticado e inteligente é o espectador do YouTube. Eles sabem se você diz algo que não é verdade e estão prontos para chamar sua atenção. Se você tentar endossar um produto no qual não acredita, eles vão te cobrar imediatamente. Só se destaca quem tem a habilidade para se mostrar como de fato é com originalidade e transparência, e isso inclui até mesmo a coragem de não esconder suas vulnerabilidades.
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