Na Area, o glamour é para todos
No dia em que a Area comemora 10 anos, lembramos a entrevista de seu diretor criativo, Piotrek Panszczyk, ao Volume 07 da ELLE impressa.
“O peso dos cristais no meu pescoço/ Seduzido pelo brilho, louco por ouro/ Nada simples, nada pouco”, cantou Liana Padilha, da banda NoPorn, em 2006, no lançamento da música “Xingu”. Canção, álbum e grupo eram o resultado de um processo de luto e ressurgimento da artista e vocalista, mas isso quase ninguém sabia. Estavam todos ofuscados por “champagne, cristais e ouro”. E era essa a intenção.
Durante uma manhã quente de fevereiro, em São Paulo, os versos acima se repetem na minha cabeça. Do outro lado da tela, numa manhã gelada em Nova York, o estilista polonês Piotrek Panszczyk fala sobre como suas experiências de vida moldaram para sempre a maneira como enxerga, pensa e faz moda.
Piotrek é o responsável pelo design da Area, marca estadunidense que fundou em 2013, ao lado da sócia, Beckett Fogg. Nos últimos anos, a etiqueta se tornou o destino certo para quem busca um look de impacto que não apague a personalidade. “Nunca foi sobre parecer de determinada maneira. Sempre foi sobre expressar seu poder interior. Não importa se você é magra, gorda, discreta, chamativa. Nem o seu tom de pele. É sobre glamour e como ele pode se conectar com alguém em diferentes níveis”, diz ele.
Area, verão 2022. Foto: Divulgação
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Beyoncé, Michelle Obama, Ariana Grande, Dua Lipa e Bruna Marquezine são alguns dos nomes estrelados que já brilharam – literalmente – em modelos da grife. Literalmente porque os cristais são um ponto importante no repertório de Piotrek. Na verdade, qualquer material que reluz. Logo que foi lançada, a marca chamou a atenção por suas peças um tanto fora do padrão, com modelagens complexas, texturas e intensas pesquisa e manipulação têxteis.
A crítica não amou logo de cara. Dizia que era uma roupa complicada demais, que a marca deveria investir mais em básicos, em jeans (o que ela já fazia e muito bem, só não da maneira que esperavam). Queriam moldar a Area em algo que o mercado já conhecesse. Não foi o que aconteceu. Ainda bem.
Focados e confiantes, Piotrek e Beckett foram lapidando e evoluindo técnicas, estilos e imagem. E deu certo. Em meio a um mercado saturado, a busca pelas peças quase únicas da dupla cresceu expressivamente nos últimos anos. Sorte? Força da convicção? Talvez, mas com certeza muita persistência, grande sensibilidade e um entendimento aprofundado do poder transformador das roupas.
Como você se interessou por moda?
Foi muito natural, porque todos ao meu redor trabalhavam com isso. Minha mãe vendia vestidos e minha avó paterna tinha uma oficina de costura. Não foi a primeira coisa que pensei em fazer na vida, mas ver minha família trabalhar com roupas, com corte de tecidos, com corpos, foi um começo. Naquela época, na Polônia, muitas famílias moravam juntas na mesma casa, então pude ver de perto como a moda e as roupas tinham valor e um significado especial para cada pessoa. E não era sobre dinheiro. Era mais sobre autoexpressão. Ainda era um país soviético, tudo de diferente que queríamos tinha de vir de algum mercado clandestino de Varsóvia. O desejo de moda passava pela questão do pertencimento e da inacessibilidade. A solução era fazer nós mesmos. A evolução da moda no Leste Europeu aconteceu muito dentro de casa, cada um com sua máquina de costura, aprendendo a costurar e a criar para si mesmo.
Area, verão 2022. Foto: Divulgação
Isso tem alguma relação com a paixão da Area por glamour? Aliás, como você define o glamour?
Sim. Como não tínhamos acessos às coisas, elas se tornavam peças icônicas para nós. Sempre me interessei pela maneira como isso afeta sua vida, não só superficialmente, mas na maneira como você se apresenta, se transforma. Na minha adolescência, fui bem expressivo no meu jeito de vestir. Morávamos numa pequena cidade no sul da Holanda, muito próxima de Antuérpia, na Bélgica. Lembro de ficar horas no ônibus, todo arrumado, e, ao chegar lá e andar pela cidade, era como se tivesse acontecido algo mágico. Essa sensação moldou minha personalidade para sempre, me deu confiança de ser quem sou e me apresentar como quiser. Alguns anos depois, fui trabalhar em uma buatchy em Rotterdam. Era bem artístico, e lá entendi como a autoexpressão da moda se conecta com noções de cultura e comunidade.
Hoje, sei que muitas pessoas amam nossas roupas por isso. Elas gostam do que as peças fazem com o corpo, como lhes dão poder. Para mim, glamour tem a ver com isso. Sempre me relacionei com a tristeza, com o culto do crescimento a partir dela. Gosto de como é possível olhar para o glamour e se fascinar, e como dá para ir fundo nas causas do fascínio, do desejo.
Area, verão 2022. Foto: Divulgação
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A Area sempre foi preocupada em entender e ouvir o que o cliente quer. Ao mesmo tempo, existe uma relação íntima e pessoal com as referências trabalhadas por vocês. Como funciona esse equilíbrio?
Na verdade, nunca gostei de me limitar ou aceitar as coisas como nos são dadas. Desde criança, busco fazer tudo do meu jeito. Na moda, tem essa autoridade, essas regras de como estruturar um negócio, como criar, como vender. Isso sempre me incomodou. Para mim, sempre há outro jeito de dar certo, outras ideias, processos e pensamentos. O sucesso pode não ser imediato, mas uma hora ele vem. Sinto que isso sempre volta para o meu processo criativo, para as referências que amo. Honestamente, elas nunca mudam. Gosto do que gosto e sempre tento evoluir em cima disso com novos aprendizados, novas técnicas, novas decorações e também com o que faz sentido para determinado momento cultural e social.
É o que funciona para mim, mesmo com todas as complicações. Fazer roupa leva tempo e custa caro. Não queremos fazer só um produto bonito para ser produzido e comercializado aos montes. Pra gente, é refazer e refazer e estudar até ficar perfeito. Isso não nos ensinam na faculdade. Gostaria de saber mais sobre negócios, sobre os trâmites burocráticos e logísticos antes de ter lançado a marca. Só agora sinto que estamos chegando a um ponto em que podemos olhar uma coleção atrás da outra e ter certeza de que estamos ficando melhores.
Area, verão 2022. Foto: Divulgação
Não ter esse conhecimento ou treinamento prévio não dá mais liberdade para fazer diferente, ressignificar o sistema?
Sim, mas também tudo tem seu tempo de trabalho. Nós chegamos a um ponto em que precisávamos ir para outro nível. E isso foi muito difícil, porque nunca tivemos limites criativos, mas sim uma quantia limitada de dinheiro. Nos nossos primeiros dois anos, tínhamos que ganhar para sustentar a empresa. Tivemos de descobrir como ser espertos e começar a gerar essa receita – o que não é fácil quando se é um jovem estilista. Nosso processo criativo, então, já vinha com esse pensamento. Não podíamos fazer qualquer coisa. Precisávamos de algo realmente diferente. Uma das primeiras peças que lançamos com a Opening Ceremony era uma camisa com detalhe em alto-relevo. No entanto, quando fomos prensá-la, a colocamos dentro de um plástico e o resultado foi um objeto achatado, com uma camiseta dobrada como um origami flutuando no centro. Uma vez aberta a embalagem, a peça podia ser vestida com o efeito 3D ainda intacto. Depois de lavada, tornava-se uma camiseta comum, com uma padronagem única, mas facilmente adaptável para qualquer situação ou pessoa. Era algo colecionável, prático e que ainda proporcionava uma experiência única ao consumidor. Foi quando percebemos que criatividade e comercialidade precisam estar alinhadas.
Quando eu olhava para as várias marcas que haviam surgido nos últimos 20 anos, especialmente em Nova York, tinha a certeza de que não queria acabar como elas. No início era sempre aquela coisa: tudo pela imagem e o dinheiro correndo solto. Mas aí o caixa fica vazio e você acaba fazendo uma série de produtos focados puramente nas vendas. Hoje, isso não funciona, não é genuíno. No geral, as pessoas só pensam em estratégias de marketing e produtos. Não há criação, inovação. Os consumidores não querem mais isso. Querem coisas especiais. É nisso que investem dinheiro, e não no que vai para o lixo na temporada seguinte.
Este texto foi originalmente publicado na ELLE impressa, volume 07, em março de 2022.
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