Figurino de Emily in Paris: o debate
Desta vez, recorremos ao nosso grupo do Facebook para conversar sobre uma das polêmicas pops atuais: a série da Netflix Emily in Paris e seus looks.
Há cerca de um mês, no início de setembro, foi divulgado o trailer de Emily in Paris. Como uma nova versão de Sex in the City, Gossip Girl ou outras variações do gênero, a série da Netflix não demorou para dominar a internet e gerar todas as expectativas possíveis com o seu conjunto de elementos que fizeram a cabeça de quem foi adolescente e amava moda nos 2000: Paris, redes sociais, triângulo amoroso e dramas jovens em uma comédia romântica.
O clichê pré-fabricado bateu forte nos corações nostálgicos que já sentiam saudades de um bom seriado levinho que se passa nesse contexto. Entretanto, antes mesmo da produção ser lançada, uma característica chamou atenção e foi motivo para desconfiança — o seriado parecia ter, literalmente, saído dos anos 2000 ou 2010. Tanto pelo seu elenco branco, quanto pela sua heteronormatividade, e ainda, pelos seus figurinos bem distantes das roupas que os jovens hoje parecem querer usar. O Instagram, Twitter e TikTok foram rapidamente tomados por críticas aos looks da série. “Estereotipado”, “datado” e “ultrapassado” foram alguns dos termos que mais se repetiram nos comentários pelas mídias sociais.
O styling foi assinado por Patricia Field, figurinista também responsável por Sex and the City e O Diabo Veste Prada, duas produções icônicas que, definitivamente, marcaram o estilo de suas décadas. Porém, temos que concordar que, de lá para cá, um mundo de coisas mudou. O comportamento jovem é outro, os valores de boa parte das pessoas que acompanhavam essas séries e filmes se tornaram mais progressistas, as subculturas passaram a ocupar um espaço mais importante e cada um desses movimentos foram decisivos para que a moda, como um reflexo do tempo, alcançasse uma estética conectada com as novas gerações.
Da esquerda para direita, looks de Emily in Paris, Sex and The City e O Diabo Veste PradaReprodução
As críticas ao styling, que repete as imagens das séries e filmes anteriores, eram e continuam sendo firmes, mas quando, finalmente, Emily in Paris chegou ao catálogo da Netflix nesta última sexta (02.10), a partir do enredo, outras perspectivas surgiram.
A protagonista é a típica estadunidense que jura que os EUA são o centro do universo, não se dando ao trabalho de aprender a língua do país que iria morar e, a todo momento, fazendo questão de repetir que o seu papel na agência de luxo parisiense é “bring an american point of view” (em tradução livre: “trazer o ponto de vista americano”). Porém, deslumbrada com o imaginário sonhador e poético que gira em torno da cidade luz, o dito styling sem inovações de Emily pode também ser entendido como proposital.
“É como se fosse uma criança que vai pela primeira vez à Disney e já coloca as orelhas do Mickey. Ela tenta se encaixar num lugar que só conhece de forma superficial”, opinou Nicolas Plonkoski no nosso grupo do Facebook. Por lá, perguntamos o que os membros estavam achando da série e iniciamos uma grande conversa. “Ela é a personificação das mulheres que seguem a moda e se alimentam de fragmentos, que às vezes conseguem ser fidedignos, outras vezes, se tornam caricatos”, comentou Lays Salomão Freitas.
Lays ainda chamou atenção para um ponto que tem sido bem constante nas redes, as distinções entre os figurinos de cada personagem. “O descompasso entre o figurino de Emily e Camille reflete isso: elas têm a mesma idade, ambas trabalham com criatividade e, mesmo assim, se vestem de formas absolutamente diferentes. Isso se confirma quando Emily encontra a sua outra amiga (Mindy), ambas montadas, enquanto o entorno segue um padrão descomplicado e sofisticado”, escreveu.
A personagem Camille.Divulgação
Amanda Tavares completou o raciocínio: “Acredito que pelas outras terem figurinos mais coerentes com o momento atual, a ‘breguice’ da Emily é para mostrar o quanto ela se esforça em pertencer. Mas, pelo roteiro raso, não dá para conhecer o suficiente da personagem e fazer essa conexão”. E é aí que está. Mesmo que os polêmicos looks da protagonista tenham sido intencionais, sem aprofundamento no enredo, isso acaba não ficando muito evidente.
Lily Collins, que interpreta a protagonista, falou em entrevistas de divulgação que Emily estaria na faixa dos 21 ou 22 anos. Essa informação pode nos dizer algo. Levando em consideração que essa é uma idade de descobertas, a personagem pode parecer perdida entre suas influências e sobre quem quer aparentar ser. Mas, de novo, com um roteiro superficial, a tentativa de fazer Emily ser a próxima Carrie Bradshaw ou Blair Waldorf acaba desconsiderando os gostos da geração que a própria personagem faz parte.
Amanda Tavares ainda levantou mais uma dúvida: “Outra coisa que eu fiquei pensando é que em Sex and the City, por exemplo, dava pra entender de onde vinham tantas roupas de grife no guarda-roupa das personagens. Já a Emily veste peças de marcas caríssimas e eu não faço ideia de onde ela tira esse dinheiro”, brinca. Usando boinas Dior, bolsas Chanel e vestidos Dolce & Gabbana, o discurso da protagonista parece pouco fundamentado.
Cena que traz à memória o figurino de Andy no baile de O Diabo Veste Prada.Divulgação
Assim como também não faz muito sentido Emily ser uma gênia do marketing e só ter 48 seguidores no Instagram e, depois, em poucas semanas, ganhar mais de 20 mil publicando fotos de croissants. Mas respiremos fundo, é uma série, ela não precisa ser tão realista assim.
No nosso post, Ana Caroline Carvalho ponderou: “É uma comédia. Não precisa impressionar de vez, tudo é construído ao decorrer”. Helena Raquel Nascimento concorda: “Eu acredito que o figurino da personagem vai evoluir em futuras temporadas. Na minha opinião, todo o trabalho de styling foi proposital para mostrar quem a personagem é agora e quem ela ainda vai se tornar”.
E não há como negar… Assistir Emily in Paris é acessar ótimas memórias afetivas. Juliana Spotto opinou: “Parece sim que a gente tá em 2010, mas como remember para os fãs de Sex and the City, é superválido”. Júlia Lemos complementa: “Talvez a escolha (dos figurinos) seja menos para inovar e mais para mexer com as lembranças de quem também cresceu querendo ser essas meninas de filmes e seriados dos anos 2000”.
“Mas, talvez, a mensagem que fique é que não cabem mais produções que não pensem nos seus assuntos criticamente. Acho que, por esse mesmo motivo, Gossip Girl não passaria de sua primeira temporada hoje em dia, e Sex and the City seria muito criticada pela falta de contato com o mundo real, o que mostra como pensamos muito mais sobre o que consumimos e avaliamos os impactos de séries e filmes”, finaliza Júlia.
É claro, não se pode julgar uma época com o olhar de outra. Mas, a gente pode amar Sex and the City, O Diabo Veste Prada, Gossip Girl sabendo reconhecer que, por terem sido feitas em um outro momento de mundo, existiam erros ali. Erros esses que, já hoje, em Emily in Paris, poderiam ter sido facilmente evitados.
A nova série é, de fato, um remember e tanto, mas é também um remember de várias problemáticas que esses antigos seriados e filmes implicam. O elenco branco, o enredo heteronormativo, as relações abusivas de trabalho… E, focando especificamente nos figurinos escolhidos para a protagonista, a lembrança de que só as mais tradicionais casas de moda têm espaço, mesmo que tenhamos uma infinidade de outros nomes desenvolvendo trabalhos relevantes — e, também, de que mesmo anos depois, a imagem clássica de feminilidade continua sendo a primeira escolha, a mais legal, ainda que existam movimentos e novas gerações com propostas diferentes.
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