Fusão da Arezzo&Co. e Grupo Soma: entenda a operação e como ela impacta a moda brasileira

Com a fusão da Arezzo&Co. e Grupo Soma oficializada pelos acionistas, desvendamos mitos e verdades sobre a negociação e o funcionamento dos grandes grupos de moda.


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É monopólio? Enfraquece ou fortalece a indústria nacional? Acaba de vez com o pequeno produtor? Dúvidas desse tipo surgiram no instante em que Arezzo&Co. e o Grupo Soma comunicaram a intenção de unificar as duas empresas, na quarta-feira (31.01). 

Corta para a noite de domingo (04.02). Tapete vermelho do Grammy, sunday blues, Fantástico, aquela coisa toda e os principais veículos de economia confirmam os rumores nas redes sociais: os acionistas de ambas as companhias votaram a favor da fusão da Arezzo&Co. e Grupo Soma, formando o maior grupo de moda do país. 

Na manhã desta segunda-feira (05.02), em uma coletiva para jornalistas e empresários, Alexandre Birman, CEO da Arezzo&Co., oficializou a operação e a definiu como “um Big Bang da moda brasileira, o início de uma nova era”. 

Por que a fusão da Arezzo&Co. e Grupo Soma é um Big Bang?

Atualmente, a Arezzo&Co. vale 6,95 bilhões de reais. No seu portfólio estão as marcas Arezzo, Schutz, Anacapri, Alexandre Birman, Alme, Vans, AR&Co (Reserva, Reserva Mini, Oficina, Reserva Ink, Reserva Go, Reversa e Simples), Troc, ZZ Mall, Baw Clothing, Carol Bassi, Vicenza, Brizza e Paris Texas.

Já o Grupo Soma é avaliado em 6,13 bilhões de reais. Estão sob sua administração Animale, Farm, Fábula, Foxton, Cris Barros, Off Premium, Maria Filó, NV, Hering e Dzarm.

O novo conglomerado contará com 34 marcas ao todo, mais de 2 mil lojas espalhadas pelo mundo e uma receita anual de 12 bilhões de reais. As etiquetas serão divididas em quatro verticais de negócios: calçados e bolsas, vestuário e lifestyle feminino, vestuário e lifestyle masculino e vestuário democrático.

Sobre a divisão de ações e chefias da nova estrutura, a Arezzo&Co. será detentora de 54% do capital do novo negócio e o Grupo Soma, de 46%. A governança da futura empresa será compartilhada entre Alexandre Birman no papel de CEO da coisa toda, Roberto Luiz Jatahy Gonçalves como CEO da business unit de vestuário feminino, Rony Meisler (ex-presidente do grupo Reserva) no comando executivo da business unit AR&Co e Thiago Hering na função de CEO da business unit Hering. Tudo isso segundo o acordo de associação divulgado nesta segunda-feira.

Calma, que ainda leva um tempo para o negócio se concretizar

Além de decisões e arranjos internos, a operação passará pela análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, aplica o que é chamado de política antitruste. Resumidamente, é ele quem autoriza, rejeita ou impõe condições a uma fusão ou aquisição.

Na prática, funciona da seguinte maneira: as empresas enviam uma série de informações e documentações para o Cade, que tem 240 dias para emitir uma decisão ou estender o prazo por mais 90 dias, segundo o artigo 88 da Lei 12.529/2011.  

Com base no estudo das atividades, formações societárias, valor de mercado e faturamento, o órgão pode autorizar, negar ou estipular algumas restrições. “Isso significa que as empresas devem propor possíveis remédios para as preocupações apontadas”, explica Nicolo Zingales, professor de direito da FGV.

De acordo com Zingales, na maioria dos casos a autorização é dada sem maiores complicações. A exceção acontece quando o ato de concentração, como são chamadas as fusões, incorporações e aquisições, pode vir a resultar em situações problemáticas para o mercado.

E tem algum problema no caso da fusão Arezzo&Co e Grupo Soma? É monopólio?

Antes de mais nada, vale prestar atenção à definição de monopólio. Em termos legais, monopólio é quando uma mesma pessoa ou companhia se torna a única fornecedora ou vendedora de um tipo de serviço ou produto específico. Se o novo negócio da Arezzo&Co. e Grupo Soma se tornar o único conglomerado que produz e comercializa sapatos no Brasil, aí sim, dá para dizer que eles estão monopolizando o mercado.

Ou seja, é bastante improvável que algo do tipo aconteça. Monopólio está fora de questão. Para Marília Carvalhinha, consultora estratégica para empresas e coordenadora da pós-graduação de negócios e varejo de moda da FAAP, é praticamente impossível usar esse termo no setor de moda. “A moda é um dos setores mais pulverizados e de baixa barreira de entrada que existe. Uma pessoa consegue começar uma marca com investimentos não tão altos”, diz ela.

“São 200 bilhões de reais de faturamento anual, de acordo com a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). A Arezzo&Co. e Grupo Soma juntos faturam cerca de 12 bilhões. É um número significativo, mas bem longe do montante total”, afirma Marília. Outros dados que ajudam a desmistificar essa ideia são os faturamentos de outras grandes varejistas, como Renner e Riachuelo, com valores equivalentes. Segundo a professora, “o tamanho e a diversidade do setor anulam a possibilidade de monopólios”.

O que não quer dizer que uma “power house of brands”, como Alexandre Birman definiu o novo negócio, não tenha como exercer controle ou grande influência no mercado. Imagine que um conglomerado faça com que algumas fábricas e fornecedores trabalhem só para suas marcas. Não por contrato de exclusividade, mas por ser mais interessante e vantajoso para o prestador de serviço. O volume de produção elevado, o alto poder financeiro e a estrutura consolidada podem funcionar como uma espécie de garantia. Neste cenário, outros prestadores de serviço ficam de lado. Às vezes, de fora.

Para evitar práticas assim ou similares, existem as leis antitruste. Grosseiramente resumido, truste é quando uma mesma empresa controla várias outras com atividades diferentes, porém essenciais e complementares ao setor ou mercado. “São poucas pessoas no controle de muitas coisas”, explica Nicolo Zingales.

“Por meio de contratos de truste, um terceiro é indicado para dirigir o negócio ou a propriedade de determinado dono, sem precisar seguir instruções ou ordens contínuas”, afirma o professor. “Mas, na verdade, a pessoa confiada pode estar apenas gerenciando o ativo em nome e de acordo com as orientações do proprietário.” Ou seja, a figura que parece controlar apenas as atividades de uma corporação, controla várias – não raramente para seu próprio benefício.

Pense que você é dono de uma marca de jeans. Aí, você compra uma fábrica de denim, outra de botões e uma terceira de lavagem e tingimento. Para disfarçar o controle da cadeia (quase) completa, você passa a propriedade das outras companhias para pessoas diferentes e dá a elas o aval para fazerem o que acharem melhor. Só que não, é tudo mentira. Você vai dizer secretamente como cada uma deve agir para garantir vantagens para si mesmo.

Tudo isso faz parte da avaliação do Cade. No caso da união entre duas empresas, uma das principais preocupações é sobre a cota de mercado que a companhia conjunta passará a representar. Para a presunção de dominância de mercado, o conselho trabalha com um limite de 51%. Acima disso, tá tudo dominado. Não pode.

Abaixo, pode estar também. Depende de alguns outros fatores. Como falamos, não chega a ser monopólio, mas pode gerar preocupações em termos de competitividade. Porém isso é mais comum quando existe homogeneidade no tipo de produto, quando tudo o que está no mercado é meio igual (por exemplo, açúcar refinado). Nesses casos, pode rolar colusão, que são acordos restritivos que podem ser feitos pela empresa dominante.
Acontece que isso é extremamente improvável no contexto da moda, que é um setor diversificado. 

E concorrência desleal? Pode rolar? 

É igual à impossibilidade de monopólio. “Existem outros grupos de marcas de moda premium no país, como InBrands e Veste S/A. O que é possível dizer é que não existe nenhum outro grupo de marcas premium no Brasil com essa magnitude”, fala Marília Carvalhinha.

Na visão da consultora, Arezzo&Co. e Grupo Soma têm similaridades, boas sinergias e ainda são complementares em algumas áreas – fatos que atuam a seu favor. “As duas holdings seguiram ao longo dos anos com o controle dos seus fundadores, têm origem no próprio mercado de moda e conhecem bem a dinâmica da indústria. Nesse sentido, eles podem sair na frente de outros grupos, mas não com uma concorrência desleal.” 

Eles podem até garantir mais lucratividade, mas não manipular preços. Ainda que se esforcem muito nesse sentido, existem roupas e sapatos sendo fabricados em qualquer outro lugar do mundo, feitos de diferentes formas e por diversos tipos de pessoas. Mais uma vez, não estamos falando de um setor restrito como o da telefonia, em que é possível criar monopólios. 

As marcas pertencentes às holdings podem perder em identidade e qualidade?

Este é um ponto sensível no histórico de grupos bem sucedidos. Uma gestão autônoma das marcas, com suas características preservadas em termos de identidade, marketing e produto, tende a criar mais harmonia e, consequentemente, êxito. 

Pode ser tentador criar negociações combinadas na área de compras, porque se conseguiria, por exemplo, melhores preços com um bom volume negociado com os mesmos fornecedores. Contudo, as áreas de compras na moda podem pasteurizar a imagem final das casas. 

Fugir da pasteurização é justamente o segredo da boa gestão em grandes grupos, de acordo com Alexandre Herchcovitch. Vale lembrar que, em 2008, o designer vendeu a sua marca homônima fundada em 1993 para a InBrands, se juntando a Ellus, Richards, Salinas e outros nomes administrados pela holding. A partir daí, o estilista seguiu por oito anos no cargo e, em 2016, não renovou o seu contrato, perdendo o controle da etiqueta que carrega o seu nome. Foi só em 2023 que Alexandre conseguiu estabelecer uma aliança estratégica com o grupo detentor da Herchcovitch;Alexandre e garantir uma espécie de licença para usar o nome, gerenciar e criar para a etiqueta.

“Já vimos muito a pasteurização das marcas dentro dos grupos, que decidem usar as mesmas matérias-primas, as mesmas modelagens, unificar os estilos e dissolver as personalidades. Algumas práticas não servem para todos os tipos de marcas, algumas práticas podem descaracterizar marcas”, afirma o estilista. 

O que tende a acontecer é o uso de áreas comuns de suporte, porque aí se economiza tirando a duplicação de estruturas como o departamento pessoal, os técnicos de informação e por aí vai. 

“E, ainda assim, a discussão pode ser aprofundada, porque existem fatores que não são diretamente de identidade de marca, mas que dizem respeito ao modelo do negócio e que inevitavelmente reduzem as diferenças”, completa Marília Carvalhinha. 

“No Brasil, juntam todas as marcas num prédio para economizar, por exemplo. Mas esquecem que até o lugar onde as empresas estão diz muito sobre elas. Tirar isso abruptamente prejudica a performance, o que só é percebido com o tempo. Fora do Brasil, os grupos adquirem marcas e os ateliês permanecem intactos”, diz Herchcovitch. 

Mas, afinal, a moda brasileira perde ou ganha? 

“As vantagens podem, sim, ser grandes”, avalia Herchcovitch. Segundo o designer, se respeitadas as particularidades de cada casa, há também mais especialização, facilidades em desenvolver produtos e matérias-primas, além de um fôlego maior para afetar positivamente a indústria de moda como um todo. “Marcas pequenas podem ter a oportunidade de se profissionalizar”, ele avalia.

Em termos de indústria, pode ser mesmo positivo um grupo forte para encarar competidores internacionais, se apresentar fora do Brasil e investir em novas casas. Entre ônus e bônus, uma empresa bem-sucedida e longeva gera empregos e tem a oportunidade de girar uma engrenagem saudável. 

Leia também: Confirmada a fusão da Arezzo&Co. e Grupo Soma. 

 

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